A guerra, a dívida e o presidente
O Presidente Barack Obama defendeu seu acordo sobre o teto da dívida no dia 2 de agosto dizendo: “não podemos equilibrar o orçamento nas costas do próprio povo que tem arcado com o fardo desta recessão”. Mas foi isso o que ele e sua panelinha de Wall Street fizeram. Sobre assuntos nacionais, Alexander Hamilton escreveu, em janeiro de 1790: “empréstimos em tempos de perigo público, especialmente de uma guerra externa, são tomados como recurso indispensável”. Este foi seu primeiro informe como secretário do Tesouro para o novo Congresso dos Estados Unidos. O país tinha tomado dinheiro emprestado para a luta revolucionária e Hamilton propôs um sistema de dívida pública para pagar esses empréstimos.
A história da dívida nacional dos EUA está inexoravelmente ligada às muitas guerras do país. A decisão desta semana da assim chamada crise do teto da dívida não é diferente. Um Congresso condescendente não apenas concordou em financiar, com fundos de reservas emergenciais, as guerras de George W. Bush no Iraque e o no Afeganistão, como o fez tomando dinheiro emprestado, elevando a dívida 10 vezes desde 2001, sem achar ruim.
Então, como se sai o Pentágono na batalha orçamentária atual? Parece que se saiu bem, sem ficar confuso com soldados e veteranos que lutaram essas guerras.
“Este ano é o 50° aniversário da fala contra o complexo militar industrial de [Dwight] Eisenhower”, contou-me William Hartung, do Centro para Política Internacional, quando o Senado se reuniu para votar o projeto do teto da dívida. Falando do último general que virou presidente republicano dos EUA, Hartung disse: “Ele falou a respeito da necessidade de uma economia equilibrada para uma população saudável. Essencialmente, ele está à esquerda de Barack Obama nessas questões”.
Michael Hudson, presidente do Instituto para o Estudo das Tendências de Longo Prazo da Economia explicou a história da conexão do teto da dívida com a guerra. “Esta relação foi estabelecida durante a Primeira Guerra Mundial, em 1917, e a ideia era evitar que o Presidente Wilson comprometesse ainda mais tropas e dinheiro com a guerra. Em todos os países da Europa – Inglaterra, França – o controle parlamentar sobre o orçamento foi introduzido para barrar reis ou legisladores ambiciosos de travarem guerras. Então todo o propósito era limitar a capacidade do governo de gerar endividamento para a guerra, porque essa era a única razão pela qual os governos geravam dívidas”.
O Ato de Controle Orçamentário de 2011 assegura cortes drásticos na rede de proteção social dos EUA. O Congresso nomeará um comitê de 12, apelidado de “Super Congresso”, equitativamente distribuído entre republicanos e democratas para identificarem cortes na casa dos 2,1 trilhões de dólares até o dia de Ação de Graças. Se o comitê fracassar no estabelecimento desse objetivo, cortes mais amplos e obrigatórios serão executados. Serviços sociais sofrerão cortes, mas o Pentágono também padecerá.
Será? O Congresso negro e progressista se opõe ao projeto. O líder do Congresso negro, Emanuel Cleaver, chamou-o “um sanduíche do satanás disfarçado”. Para os anos fiscais de 2012 e 2013, o fundo discricionário aprovado vai ser aplicado entre as categorias “segurança” e “não segurança”. O que estiver sob a rubrica “não segurança”, como programas de alimentação, moradia, Medicare ou Medicaid (a base para qualquer segurança nacional genuína) serão provavelmente mais cortados. Mas o orçamento da “segurança” também será igualmente atacado, o que os democratas sugerem seria uma iniciativa para os republicanos cooperarem com o processo.
A categoria da segurança inclui o “Departamento de Defesa”, o “Departamento de Segurança Nacional”, o “Departamento dos Assuntos dos Veteranos”, a “Administração da Segurança Nuclear Nacional”, a “comunidade de inteligência” e a de “assuntos internacionais”. Isso estabelece uma dinâmica em que os falcões tentarão cortar o máximo possível do corpo diplomático do Departamento de Estado e ajuda externa, para favorecer os seus patrões no Pentágono e na indústria armamentista.
Hartung explicou que os empreiteiros contratados, a fim de obterem o apoio do porta voz da Casa Branca John Boehner, “tinham a sua frente Buck McKeon, o chefe do Comitê de Serviços de Armas, cujo maior financiador é a Lockheed Martin, que teve acesso a grandes facilidades militares no seu distrito, e a Randy Forbes, cujo distrito fica próximo do complexo de construção de embarcações da Newport News, a qual constrói submarinos de guerra e porta-aviões. Eles usaram sua influência para trazer as pessoas, seus aliados no Congresso, para fazer pressão por sua agenda”.
O acordo do teto da dívida do presidente Obama é largamente considerado uma derrota histórica dos progressistas, um ataque bem sucedido às conquistas do New Deal e do Great Society no século passado. A deputada Donna Edwards expressou seu desapontamento com o fato de que metade dos democratas no Congresso tenham votado contra o presidente, no twitter: “Nada de milionários, bilionários: as corporações taxam plenamente pelas brechas, só se sacrifica o pobre e as classes médias? Compartilhar sacrifícios, equilíbrio? Sério?”
A organização Project Government Oversight http://www.pogo.org/ diz que a criação do “Super Congresso não chega com muitas exigências de transparência”. Quem será o cão de guarda das suas decisões? Com a eleição de 2012 chegando, prometendo ser mais cara do que nunca, esperar que a proposta de redução do déficit do comitê esteja pronta até o dia de Ação de Graças [novembro] para ser submetida à votação tem muito pouco por que se deve agradecer pela graça concedida.
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Denis Moynihan contribuiu com a pesquisa para a produção desta coluna.
Tradução: Katarina Peixoto
Amy Goodman é apresentadora de "Democracy Now!" um noticiário internacional diário, nos EUA, de uma hora de duração que emite para mais de 550 emissoras de rádio e televisão em inglês e em 200 emissoras em Espanhol. Em 2008 foi distinguida com o "Right Livelihood Award" também conhecido como o "Premio Nobel Alternativo", outorgado no Parlamento Sueco em Dezembro.
Fonte: Carta Maior