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    Comunicação

    Mais de trinta anos de luta pela universidade na Zona Leste

    Desde 1983, ainda na ditadura, a distante e abandonada Zona Leste de São Paulo luta por uma escola de ensino superior para seus jovens. Nem as escolas particulares se interessavam pela região, e o Movimento de Luta pela Universidade Pública da Zona Leste já sonhava alto. Foi preciso mais de vinte anos de luta incansável […]

    POR: Cezar Xavier

    7 min de leitura

    Ana Martins, quando era parlamentar, em um dos inúmeros eventos de defesa da universidade pública na Zona Leste.
    Ana Martins, quando era parlamentar, em um dos inúmeros eventos de defesa da universidade pública na Zona Leste.

    Desde 1983, ainda na ditadura, a distante e abandonada Zona Leste de São Paulo luta por uma escola de ensino superior para seus jovens. Nem as escolas particulares se interessavam pela região, e o Movimento de Luta pela Universidade Pública da Zona Leste já sonhava alto. Foi preciso mais de vinte anos de luta incansável para a chegada da USP em 2005, e eleger um operário sem diploma superior para que uma universidade federal chegasse naquela região mais populosa da capital paulista. Depois de muita violência contra o movimento, a Fatec ocupou os alicerces de dois cadeiões que seriam construídos na região.

    Foram inúmeras manifestações, seminários com intelectuais renomados, debates, abaixo-assinados e assembleias com mais de cinco mil pessoas, nestes 32 anos, até a conquista da USP Leste, da Unifesp e os cursos superiores da Fatec. A ex-vereadora Ana Martins (PCdoB) acompanhou esta luta desde o início como liderança do movimento. “Íamos como comissão organizadora do movimento na Unesp, na USP, na Unifesp conversar com reitores. Não sabíamos qual seria o caminho adequado, por isso falávamos com todo mundo”, diz Ana, revelando como foi extenuante e desgastante a luta, ainda que gratificante. Junto com ela, participaram ativamente do movimento Antônio Marquione, o Padre Ticão, Luiz França e Anderson, lideranças ligadas aos gabinetes dos parlamentares Paulo Teixeira (PT),  Jamil Murad (PCdoB), Devanir Ribeiro (PT), Adriano Diogo (PT) e Juliana Cardoso (PT).

    Para ela, estas três universidades são o mínimo necessário para aquela região tão grande. “Dá pra começar”, diz ela, ainda insatisfeita e disposta a continuar a luta. A expectativa é que a consolidação destas escolas avance com criação de novos cursos e ofertas de milhares de novas vagas.

    Ana lembra da luta pela Fatec, quando o governador Mário Covas (PSDB) pretendia fazer dois cadeiões no terreno onde hoje é a escola. “Por coincidência, um dia o Covas seguia pela Radial Leste, em direção à Cohab, e se deparou com uma manifestação do nosso movimento. Como era do perfil dele, desceu do carro e foi confrontar os manifestantes para saber o porquê daquilo. Foi assim que tudo mudou!”, relata Ana, lembrando que os cadeiões já tinham começado a ser construídos e o movimento sofria violenta repressão há seis anos, quando o projeto das prisões mudou para Guarulhos.

    Cidade da USP

    O regimento da USP é de 1946, quando São Paulo tinha apenas dois milhões de habitantes, mas nunca foi mudado. É este documento que trava o avanço universitário na cidade, hoje com 11 milhões de moradores, pois não permite que numa cidade tenha o mesmo curso superior público.

    Por isso, a USP Leste teve que se reinventar com cursos diferenciados e modernos, como Ciências da Natureza, Gestão Ambiental, Gestão de Políticas Públicas, Sistemas de Informação, Lazer e Turismo, Moda, Obstetrícia e Gerontologia, entre outros.  Hoje, só a região Leste da cidade conta com quatro milhões e 300 mil habitantes, sendo, no mínimo, um milhão e 800 mil jovens.

    Outro entrave que precisou ser deslocado por Covas foi a possibilidade de construção de interesse social na  Área de Proteção Ambiental (APA) que vai da Penha a Salesópolis, o Parque Ecológico do Tietê. A USP foi instalada ali, às margens do Tietê, mas enfrentou problemas de contaminação do solo. A Unifesp deve inaugurar no próximo ano, já que a Cetesb precisou examinar o nível de contaminação do solo da altura da Jacu-Pêssego com a Nova Trabalhadores.

    Estou na universidade!

    Ana lembra dos tempos da cultura do “Jacabei”, quando a maioria dos jovens não tinha a menor perspectiva de fazer um curso superior. “Quando ia procurar emprego, o patrão perguntava se o candidato estava estudando, e ele respondia: Não, já acabei!” Continuar estudando após o curso secundário ou mesmo fazer um caro cursinho pré-vestibular nem existia no horizonte destes jovens. “Hoje, conseguimos criar oito lugares com cursinhos pré- vestibular pelo Centro Integrado Educação Empresa (CIEE)”, acrescenta ela, como mais uma conquista da população.

    Com a ausência do poder público, e o estímulo do Governo FHC às universidades privadas, estas empresas começaram a ocupar o vácuo educacional na região, abarcando milhares de estudantes e tornando-se grandes corporações lucrativas. “A chegada dessas escolas públicas estaduais e federal, provocaram uma queda vertiginosa nos preços das particulares”.

    A luta pela educação superior não é simples nem conclusiva. Conquistar as escolas não é o suficiente em bairros tão carentes e empobrecidos. O primeiro ano de um curso particular apresenta 25% de evasão, enquanto a partir do 3º ano a desistência dos alunos chega a 40%. “Os jovens não aguentam pagar o curso, porque, muitas vezes, perdem o emprego. Na Fatec, observamos que a evasão se dava por motivos como dificuldades com transporte e alimentação”, explicou a ex-vereadora, acrescentando que, ao trancar o curso, o aluno perdia a possiblidade de voltar. Foi preciso lutar pela mudança na lei para que o prazo para retorno ao curso fosse ampliado. “Antes, discutíamos a democratização do acesso e, agora, a garantia à permanência na sala de aula”, resumiu.

    Universidades nas pontas periféricas

    A luta pela Unifesp também foi longa, de sete anos, com caravanas anuais aos ministérios, em Brasília, para garantir o comprometimento com a instalação da universidade. “A Dilma exigiu que a Unifesp tivesse o curso de Engenharia de Transporte, devido à localização”, conta Ana. Ela avalia que o terreno dedicado à Unifesp é privilegiado, possibilitando um aumento grande da universidade no futuro. A Unifesp será uma escola com ênfase nas questões urbanas.

    Outra dificuldade a ser superada é que os cursos não pouco divulgados e as universidades pouco conhecidas. Maria Cristina, a nova diretora da USP Leste, diz que ainda existe preconceito com a Zona Leste, mesmo na pós-graduação. “No vestibular da USP, os cursos da Leste são a última opção dos candidatos”, diz Ana.

    Houve muito questionamento preconceituoso com a encampação de uma universidade na Zona Leste, de acordo com Ana, assim como houve com os CEUs da prefeita Marta Suplicy (PT).  “Enquanto FHC, o intelectual tucano, nunca criou uma universidade, Lula, sem nunca ter pisado numa universidade, criou 14, sendo que na primeira, ele escolheu a miserável região do Vale do Jequitinhonha (MG) para instalar um campus. O PSDB levou mais de 20 anos para acatar a proposta do movimento para fazer a USP, enquanto do Lula pra cá, já saiu a Unifesp na Jacu-Pêssego”, desabafa Ana.

    Muito prática e sem rodeios ou vaidades, Ana conta satisfeita que lutou muito, inclusive na clandestinidade, desde 1975, reivindicando creches, depois avançando para o 2º grau e os cursos supletivos para adultos analfabetos. A satisfação dessa trajetória de lutas é poder contar de boca cheia que ela chega aos anos 1980 com a luta pelo ensino superior, e pode passear pela Zona Leste, neste 2015, podendo dizer que tem um pedacinho de si em cada um daqueles endereços educacionais.