Derrotar o golpismo, organizar e desencadear a contraofensiva
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Mas não há nada de paradoxal. A natureza acirrada da campanha e o resultado geral das eleições de 2014 da qual emergiu a reeleição de Dilma Rousseff se, por um lado, alçavam ao alto a quarta vitória consecutiva das forças progressistas, por outro, indicavam que a oposição neoliberal, em vez de alquebrada, saía fortalecida, posto que aglutinou o conjunto das forças políticas e sociais conservadoras e reacionárias e ainda capturou o voto de milhões de trabalhadores e de setores do povo pobre.
No Congresso Nacional, a esquerda perdeu força ante o avanço da direita. Além disso, o governo que polarizava grande parte dos partidos e lideranças de centro se deparou – como acontece sempre que a luta se radicaliza – com uma fragmentação e uma instabilidade mais acentuadas deste espectro político. O PMDB, dividido desde as origens, elevou ao cubo essa divisão, e parte considerável de sua bancada na Câmara dos Deputados gira, hoje, em torno da força gravitacional do consórcio oposicionista.
Essa correlação de forças adversa deriva e se associa a outro fator, digamos, estrutural. O crescimento econômico do país foi alvejado pela crise mundial do capitalismo, a exemplo do que acontece com outros grandes países, em gradações singulares, como é o caso da Rússia e mesmo da China. Ao fator negativo vindo de fora se somaram antigos obstáculos internos ao desenvolvimento que estão sendo enfrentados, mas cuja remoção é um processo difícil. A estagnação econômica em 2014 que talvez se estenda para 2015 atinge o coração da legitimidade política e social deste ciclo, qual seja, crescimento econômico vinculado à distribuição de renda e redução das desigualdades sociais e regionais.
Percebendo o céu tomado de nuvens escuras, notando que se formava um cerco das classes dominantes contra o seu segundo mandato, a presidenta Dilma, visando a quebrar esse cerco e de olho também na imperativa retomada do crescimento econômico e na necessária maioria do Congresso Nacional – sem o que não se governa –, compôs seu ministério incluindo expoentes da indústria e do agronegócio e lideranças centristas para além do PMDB.
Todavia, apesar desse movimento, essencialmente correto, apenas no Senado Federal se conseguiu um êxito relativo. Na Câmara dos Deputados, o governo, neste momento, é, na prática, minoria e terá que conviver nos próximos dois anos com um presidente conservador, eleito com votos da oposição e com uma postura até aqui hostil à presidenta Dilma. (Aliás, a derrota do governo tal como se deu nesta peleja à presidência da Câmara demonstrou que o setor de articulação e operação política do governo segue débil.)
Mirando na urgentíssima necessidade de fazer a economia do país voltar a crescer, a presidenta concluiu que a gravidade da situação lhe impunha fazer manobras e concessões. Como se sabe, nomeou um liberal, um “lorde” laureado do mercado, para o Ministério da Fazenda. O pacote econômico anunciado, calcado na polêmica convicção de que o ajuste fiscal é indispensável à retomada do crescimento, provocou um abalo na base política e social à esquerda da presidenta. Do pacote, a parte mais conflitante é a que restringe direitos dos trabalhadores, como é caso das alterações propostas às regras do seguro-desemprego.
Há um aprendizado nesses treze anos “que lá se vão” de que apoiar o governo abarca não só o respaldo, a defesa dele ante o ataque da oposição, mas também a crítica aos erros, equívocos, sobretudo quando o “companheiro” governo se afasta do programa pelo qual se elegeu. Em que pese esse aprendizado, parte da esquerda e dos movimentos sociais, legitimamente, explicitou suas críticas e divergências, mas equivocadamente se resvalou para uma espécie de desencanto precoce, jogando sobre os ombros da presidenta a responsabilidade inteira pela eclosão da crise política em curso.
Voltemos ao bombardeio da direita.
Há uma causa mais de fundo para que se possa entender essa violência política desferida pelo consórcio oposicionista contra a presidenta Dilma. Ela lidera a condução de um ciclo progressista demasiadamente longo para os padrões históricos do país e, sobretudo, insuportável para a “paciência” de um poderoso bloco das classes dominantes.
Esse bloco nativo, associado às grandes potências imperialistas e à oligarquia financeira, foi apeado do governo da República em 2003. Ele concluiu que é inadmissível que esse ciclo – já esticado pela vontade do povo para 16 anos – avance mais 4 anos, vindo a somar duas décadas. Por isto, o Palácio do Planalto será “bombardeado”, neste quadriênio, dia e noite, noite e dia.
A ânsia da direita neoliberal para liquidar com esse ciclo popular e progressista chegou a um tal extremo que ela descambou para a pregação golpista que incita pisotear a institucionalidade democrática. Não conseguiram impedir a presidenta de se reeleger, não conseguiram impedi-la de tomar posse, embora tenham tentado. Agora, partem para a última conta macabra: “Se eleita, não pode governar”. Assim, aos quatros ventos, sem base jurídica alguma, desencadearam uma campanha pelo impeachment da presidenta. Quem? Os altos hierarcas da direita: Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves, Agripino Maia et caterva.
Nesta ofensiva, mais uma vez fica escancarado o papel da grande mídia como “braço armado” da direita neoliberal, aliás mais do que braço, cérebro, pernas, senão o corpo inteiro. Fica também mais nítido o vínculo de setores das instituições do Estado – Polícia Federal, Poder Judiciário, Ministério Público – com a oposição, tal se explicita na Operação Lava Jato com seus vazamentos seletivos e com a recusa de se investigar a corrupção na Petrobras desde o governo FHC conforme depoimentos de criminosos premiados por suas delações.
Impõe-se derrotar o golpismo. O resguardo da democracia que se materializa, agora, na defesa do mandato legítimo da presidenta Dilma é uma bandeira ampla que isola o corpúsculo mais reacionário da oposição. No Congresso Nacional, é preciso, sobretudo na Câmara, atrair de volta à base governista o centro que foi arrastado para a órbita da oposição. Esse é um dos caminhos, não o único, para se neutralizar a hostilidade de Cunha.
Reagrupar a esquerda, partidos e movimentos sociais em torno da luta pelas reformas estruturais democráticas, como parte do esforço para se desencadear a contraofensiva do governo e das forças democráticas e progressistas. Em curto prazo, isso demanda que o ajuste fiscal em votação no Congresso seja negociado em termos aceitáveis às centrais sindicais que apoiaram a reeleição da presidenta.
Com determinação, leme firme nas mãos, é preciso tudo fazer para impedir a recessão e retomar, com a brevidade possível, o crescimento econômico com inclusão social.
Nesse entreato, o que decidirá a sorte do segundo mandato da presidenta Dilma será a política. Além do desempenho da presidenta, da sua comunicação com o povo, da sua articulação com partidos, empresários e movimentos sociais, se avulta o concurso do ex-presidente Luiz Inácio da Silva.
Adalberto Monteiro
Editor