Desidéria
Desde que encontrei Desidéria, não tenho mais sossego.
É verdade que ela me falta por longos,
Longuíssimos tempos de espera.
Quando vem, me assombra.
Ou serei eu que assombro Desidéria?
Então nos engolfamos um no outro.
Eu a penetro todo inteiro.
Nela me expando como uma nuvem. Imensa,
Maior que o mundo todo. Miraculosa.
Assim viajo em Desidéria mundos impensados.
Uma vez, fomos ao lugar do Começo do Mundo.
Lá eu vi! Juro que vi!
A Boca Medonha do Sopro dos Ventos.
Vi-a, apavorado, redemoinhar a Terra,
Soprando tormentas, vendavais.
Outra vez, de Desidéria
Vi o Hórrido Lugar do Fim do Mundo.
Lá, o sol mergulha no mar.
É espantoso de ver o fremir das águas revoltas.
Ferventes, elas explodem, jorrando nuvens,
Para chover dilúvios mundo afora.
Uma vez mais Desidéria me levou, alçado.
Me largou, sem ela, na Selva Selvagem.
Desde o alto do céu me dispersou
Sobre aquela miríade de mil árvores.
Como seu ar florestal.
Lá me perdi para sempre de mim e dela,
Sentindo o vento descabelar as frondes.
Oh, Desidéria, não me venha nunca mais, Desidéria.
Ou, se deve vir, que venha logo.
Me leve em seu corpo etéreo no Lugar Temido.
Sei que de lá ninguém voltou jamais.
Jamais ninguém voltou de lá.
Para contar! Para calar!
Lá estarei eternamente dissolto em Desidéria
Como o sal nas águas do mar.
Sábado de Carnaval – 1991
Confissões / Darcy Ribeiro – São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pág. 563.