Ouvir uma música pela primeira vez é uma experiência que pode causar uma impressão não definitiva no indivíduo. Se for melodiosa e repetitiva, tem mais chances de agradar ao público e de se tornar um hit de sucesso, possivelmente de curta duração. Diversamente, se elaborada, inovadora na melodia e poética, talvez demande uma frequência maior de audiência e uma sensibilidade mais aguda para uma positiva apreciação.

A mensagem que confirma uma informação anteriormente recebida, fácil intuir, tende a receber uma melhor acolhida no receptor. Esse efeito pode ser alcançado em uma música repetitiva ou com a frequência de sua exposição; com o martelar no próprio discurso ou com a sua reiteração no tempo. Se a mídia, por exemplo, trabalha incansavelmente para propagar a informação, verdadeira ou não, que um indivíduo ou um partido político é corrupto, cria-se um viés de confirmação, notadamente em quem não é treinado ou capacitado para a crítica, ou carece de informações suficientes para tanto, tal como a popularidade fácil que pode alcançar uma música insistentemente tocada nas rádios.

Discute-se, na literatura jurídica, a estratégia usualmente adotada pela acusação ou defesa de tentar angariar apoio junto à opinião pública. Hantler, Schwartz e Goldberg, por exemplo, introduzem o tema afirmando que notórias lides cíveis não são simplesmente decididas nas cortes, mas também no tribunal da opinião pública. Afirmam que a cobertura da mídia pode afetar a dinâmica da corte ao ponto de jurados sinalizarem com a cabeça ao ouvirem dos advogados argumentos que foram previamente divulgados pela imprensa [1]. Eis o viés de confirmação.

Em vista dessa percepção, a American Bar Association estabelece como padrão de conduta para a persecução penal pública que o acusador não deve contribuir para a divulgação de um enunciado que saiba ou razoavelmente deva saber ter a substancial probabilidade de prejulgar ou favorecer uma condenação pública do réu, conquanto possa levar ao público a natureza e a extensão de seus trabalhos de modo a legitimar o seu empenho em prol da lei. Declara ainda que o Promotor de Justiça tem deveres de lealdade e confidencialidade, e que não deve secreta ou anonimamente prover a mídia de informações não públicas sem a adequada autorização [2].

Tanto o comportamento inadequado da acusação como o da defesa são censuráveis, mas não na mesma medida, porquanto a persecução penal é desempenhada por agentes públicos que têm um dever de lealdade não apenas processual, mas perante toda a comunidade e, enquanto representantes da soberania estatal, devem cumprir fielmente a missão de buscar a justiça, punindo o delinquente com culpa reconhecida ou absolvendo aquele cujo estado de inocência não restar razoavelmente afastado, mas sempre por meio de um processo justo conduzido por um juiz imparcial.

Diálogos recentemente divulgados pelo The Intercept, se realmente verazes, são reveladores de uma má conduta de membros do Ministério Público Federal e do então magistrado que conduzia o feito. Como não foram pronta e radicalmente desmentidos pela quase totalidade dos supostos interlocutores, havendo ambiguidades em suas manifestações que, ora afirmam a normalidade dos diálogos, ora lançam dúvidas acerca da autenticidade e integridade, a impressão que fica é que realmente se deram tal como publicados.

Tais conversas apontam dúvidas que assaltavam os procuradores dias antes de apresentarem a primeira denúncia contra o ex-presidente Lula (caso do Triplex de Guarujá). Essas dúvidas, todavia, pareciam não existir na entrevista coletiva da força-tarefa da Lava Jato que ficou célebre pela apresentação em Power Point, por Dallagnol, com vários balões periféricos indiciários apontando para um balão central maior e destacado com o nome LULA. A ideia era convencer a opinião pública, já no ato da denúncia, que o ex-presidente Lula era o líder máximo do grande esquema de corrupção envolvendo a Petrobras, de modo que a competência para o caso do Triplex ficasse bem firmada na 13ª Vara Federal de Curitiba então conduzida por Sérgio Moro, pois havia uma disputa com a Justiça de São Paulo em curso.

Seria esse um procedimento legítimo da parte de um órgão estatal responsável pela acusação, mas também pela justa aplicação da lei penal? Haveria correção em utilizar-se de estratégias midiáticas para tentar justificar a competência de Moro para o caso? O espetáculo dessa denúncia não teria trazido prejuízos irreparáveis à defesa de Lula, influenciando de um modo arrasador a opinião pública e preparando o caminho para uma futura condenação? Enquanto fiscal da lei, o Ministério Público não deveria reservar a sua contundência ao processo e ser mais equilibrado em suas manifestações públicas, inclusive porque ele mesmo não estava convencido da tese que articulara. 

Em um outro diálogo revelado, com a ação penal já em andamento e logo após o interrogatório do ex-presidente Lula, Moro teria sugerido ao procurador Santos Lima que o Ministério Público editasse “uma nota esclarecendo as contradições do depoimento com o resto das provas ou com o depoimento anterior dele”, e, justificando, “por que a Defesa já fez o showzinho dela”. Aqui o problema acresce em gravidade, porque já não seria apenas o Ministério Público atuando de modo pouco recomendável perante a opinião pública, mas o próprio juiz, condutor do processo, que sugeriria essa atuação a um procurador. Essa nota, diga-se, saiu, materializando-se a influência do juiz no órgão da acusação, em franco prejuízo à defesa. Inconcebível algo assim em um estado de direito. Inaceitável que os supostos interlocutores tentem naturalizar essa situação como algo normal, destituída de qualquer ilicitude.

Pelo pouco que foi revelado até agora pelo The Intercept, a conclusão a que se pode chegar, sendo verdadeiros os diálogos, é que o ex-presidente Lula não tinha a mínima chance em sua defesa, tendo havido ali não um verdadeiro processo e julgamento, mas um simulacro escandaloso e que afetou não somente a vida pessoal do réu, mas mudou o rumo político do país ao influenciar decisivamente as eleições presidenciais que se realizaram em 2018.

Não me parece que a confirmação da condenação de um réu em segundo grau, e mesmo pelo Superior Tribunal de Justiça, possa elidir o grave vício processual ocorrido na primeira instância. É no primeiro grau que toda a instrução probatória é construída. É o juiz, e não o tribunal, quem tem contato direto com o réu e com as provas, quem conduz a audiência e elabora ou complementa as perguntas ao interrogado e às testemunhas, quem defere ou indefere diligências, quem sanciona a má conduta das partes e assegura ou deveria assegurar a ampla defesa e o contraditório. Uma vez assentada uma condenação penal, não é tão simples revertê-la nas instâncias seguintes, principalmente no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal, pois esses tribunais não reexaminam as provas.

O réu tem direito a um julgamento justo em todas as instâncias, e não apenas no segundo grau ou nos tribunais superiores. Se isso não lhe foi concedido no primeiro julgamento, a nulidade é evidente e insanável. A ratificação da condenação não restitui ao réu os direitos e as garantias de que foi injustamente privado na instância inferior. O primeiro atributo de um magistrado é a imparcialidade, sendo inconcebível que um julgamento, ainda mais de natureza penal, seja realizado por um juiz parcial, principalmente quando daí resulta uma sentença condenatória, não importando se justa ou injusta na essência, pois injusta no procedimento.

A possibilidade de absolvição de um réu deve ser real, concreta, cumprindo ser resolvida no âmbito de um processo que conte com a participação equilibrada da defesa, mas principalmente da acusação, sem pressão externa provocada pela mídia ou pela opinião pública, e decidida por um juiz imparcial e com senso de justiça. Sem isso, voltaremos à inquisição.

*Ricardo José Brito Bastos Aguiar de Arruda é mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Juiz Federal em Quixadá-CE.