Diz-se com razão que as comparações nem sempre são adequadas. Nada melhor, porém, para definir o clima político atual no Palácio do Planalto que a sentença do romancista fluminense. A confusão é geral entre os planaltinos.

O presidente da República anda perdido no labirinto da desorientação oficial, não encontra saídas. Tudo que planeja dá errado. Equacionou cinco ou seis vezes o problema sucessório, sem êxito. Já não sabe o que faça entre a cruz das exigências militares de direita e a caldeirinha da repulsa popular.
Seu ministério virou pandemônio – os titulares brigam uns com os outros, ninguém se entende. O ministro do Exército, enfatuado, convoca seus pares da área militar e, juntos, redigem notas ameaçadoras. Logo depois o representante da Marinha é mandado embora porque abriu a boca em descompasso com o figurino autoritário. E o terceiro homem do setor das finanças da União aconselha os mutuários do BNH, inconformados com as correções monetárias, a darem um tiro na cabeça: seria o meio de suas famílias receberem de graça a casa própria que não puderam pagar. As coisas não vão melhor no PDS, suporte parlamentar do governo. Boa parte dos seus membros já não obedece ao velho ritual de baixar a cabeça a tudo que venha de cima. O barco governamental está afundando no rebojo dos seus erros e da rebeldia popular. Que o chefe pedessista, cacique e oligarca da província maranhense vá até o fim na subserviência ao sistema militar, compreende-se. Ele tem o destino político ligado à ausência das liberdades no país. Mas nem todos os do PDS são da mesma estirpe dos Sarney, dos Lobão, dos Andreazza, dos Maluf. O quadro se completa com os resmungos dos generais, "ouriçados" face à marcha espetacular da campanha em favor das diretas. Arrogantes, como sempre, ainda imaginam impor sua vontade à nação por meio da força, que ninguém mais aceita.

A confusão é inevitável, pois a margem de manobra tática dos tiranetes fardados reduziu-se consideravelmente. Estão isolados.

A grande maioria da nação reclama o fim do regime militar, da escolha do presidente da República nos círculos estreitos das Forças Armadas. Até agora foi aí que se fabricaram os governantes do país. E que governantes! Cinco generais de quatro estrelas sucedendo-se um a outro no curso de vinte anos, cada qual mais desastrado e arbitrário, mais incapaz e violento, mais entreguista. Sob sua direção, o rio lodacento da corrupção de antes de 1964 transformou-se no imenso mar das ladroagens protegidas, dos enriquecimentos ilícitos à custa do dinheiro público, dos mil e um casos de negócios escusos que vão das contas secretas em bancos estrangeiros beneficiando os intermediários dos empréstimos leoninos até a sustentação de empresas fraudulentas ou fantasmas com recursos do erário nacional. Sob o seu comando, a inflação bateu todos os recordes, as dívidas externa e interna tornaram-se fardos insuportáveis. E o pior: a soberania nacional esfrangalhou-se, a ponto de representantes de entidades estrangeiras instalarem-se nos altos escalões da Administração para examinar o comportamento dos setores financeiros do governo no cumprimento das ordens que vêm de fora.

O regime militar esgotou-se completamente, irremediavelmente. A nação exige novos rumos, democráticos. E esta exigência transbordou no gigantesco movimento das eleições diretas, já. O povo nas ruas – engrossando os comícios, manifestando elevada consciência cívica, reclamando o direito elementar de votar para presidente – fala mais alto do que todas as maquinações orquestradas nos recantos esconsos dos serviços de informação dos golpistas de 1964, que recusam desesperadamente a saída do impasse político pela consulta às urnas.

Tudo indica que a resistência reacionária será batida pelo movimento popular em marcha. Que não tem prazos nem donos porque explosão do sentimento unânime de milhões de brasileiros amantes da liberdade, do progresso, da independência da pátria. Movimento que não admite a transação, o compromisso injustificável com o autoritarismo que tantos danos causou e continua causando ao país.
Certamente eleições diretas não constituem o objetivo final das jornadas democráticas que vive o Brasil. Nem significam a solução automática dos problemas brasileiros em constante agravamento. Na medida, porém, que representem um rompimento definitivo com o sistema arbitrário, abrem caminho para as mudanças de profundidade que se precisa fazer: de imediato, a convocação de uma Assembléia Constituinte livre e soberana e a formulação de um plano de emergência a ser aplicado por um governo de conteúdo nacional, democrático e popular.

A direita se mobiliza contra as diretas. A luta do povo não será fácil. Mas o movimento em curso no país, cada vez mais amplo e combativo, levará de roldão as forças do atraso, da crise, do entreguismo.

EDIÇÃO 8, MAIO, 1984, PÁGINAS 3, 4