Nas redes sociais e imprensa nacional e internacional se acumulam os relatos de constrangimentos e contradições provocados pelo presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), em Roma, durante cúpula do G-20 (grupo das 20 maiores economias do mundo). Como descreveu com precisão e ironia o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), Bolsonaro se comporta como um “Napoleão de hospício”, o personagem cômico que alardeia um poder que não tem com seus delírios de grandeza.


A avaliação de especialistas é que a irrelevância de Bolsonaro no cenário geopolítico está consolidada, ao ponto de nada que ele disser alterar a percepção negativa que já existe sobre seu governo. Por outro lado, a possibilidade de parcerias estratégicas ou diálogos é uma aposta sem valor para um político impopular prestes a enfrentar eleição.

Em conversa informal com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no início da cúpula do G-20, na manhã deste sábado, o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL), ao ser perguntado sobre a Petrobras, afirmou que a estatal é “um problema”, quando ela é justamente a solução, a depender de quem a gerencia. E também se gabou ao colega turco de ter “um apoio popular muito grande” e que a economia está crescendo “forte”.

As pesquisas de opinião com sua enorme rejeição se acumulam todas as semanas, prevendo derrota eleitoral, enquanto o país afunda na inflação, na fome, nas centenas de mortes por covid, no desemprego e na recessão de juros estratosféricos. A popularidade de Bolsonaro atingiu seu nível mais baixo em setembro, com 53% de reprovação, segundo o Datafolha. 

Outra contradição típica da cara de pau de Bolsonaro é seu discurso na cúpula, destacando o avanço da vacinação contra covid no Brasil, que a depender de toda a sabotagem de seu governo nem teria existido. Como lembrou toda a imprensa internacional no encontro, Bolsonaro é o único chefe de Estado reunido em Roma que não tomou vacina. Ele se esquece que o mundo todo ficou perplexo com suas afirmações de que a vacina da covid causa aids.

Persona non grata

 
Charge de jornal italiano

Bolsonaro é um dos únicos líderes do G20 que não tem reuniões previstas com outros mandatários, à exceção do presidente italiano Sergio Mattarella, anfitrião do evento que, pelo protocolo, se encontra com todos os líderes presentes em Roma. A falta de conversas com os demais chefes de estado aponta para um isolamento do presidente no grupo das maiores economias do mundo. 

Para piorar, Bolsonaro decidiu não ir à COP26, a conferência do clima na Escócia, o que gerou críticas de outros países e de organizações ambientais. Segundo o vice-presid ente da República, Hamilton Mourão, o brasileiro evitará a reunião do clima porque iriam jogar “pedras” nele, assumindo a covardia do político.

O general Augusto Heleno, um dos ministros que acompanha Bolsonaro, revelou ainda que a delegação passou pelo Vaticano, mas apenas conheceu a Santa Sé por fora.

Ao contrário de outros líderes do G20, Bolsonaro não teve uma audiência com o Papa Francisco. Isso apesar de o Brasil ser o país com o maior número de católicos do mundo.

Aperto de mão

Uma reportagem do jornal italiano La Repubblica ressaltou que esta cúpula do G20 foi marcada pela volta dos apertos de mãos, banidos durante a pandemia. “Mas nem para todo mundo”, ressalva a publicação, ao mencionar Bolsonaro.

“(O presidente italiano) Mario Draghi deu a mão a muitos dos primeiros-ministros que chegaram nesta manhã à Nuvola, onde ocorrem os trabalhos destes dois dias. Mas não para o presidente Bolsonaro, que disse que será a última pessoa no Brasil a se vacinar – afinal, ele acredita que as vacinas causam a aids: algo dito por ele em um vídeo que as redes sociais nos deram a graça de censurar.”

 

Mario Draghi e Jair Bolsonaro

 

Postagem do argento Alberto Fernández foi destacada pelo modo indiferente como se refere ao encontro com Bolsonaro.


Bolsonaro foi criticado pela imprensa italiana por provocar aglomerações e não usar máscara durante seu passeio por Roma na sexta-feira.


Os jornais italianos também se surpreenderam com o aperto de mão nada óbvio entre o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e Draghi. Em abril, o premiê definiu o líder turco como “um ditador”. Bolsonaro preferiu abordar o polêmico presidente turco, ignorando Olaf Scholz, vitorioso nas últimas eleições legislativas da Alemanha e sucessor de Angela Merkel. 

No encontro informal com Erdogan, após interagir apenas com garçons, Bolsonaro estava ao lado do ministro da Economia, Paulo Guedes. O brasileiro pediu ajuda a um tradutor para falar com o turco. Erdogan então perguntou sobre a situação do Brasil. 

“Tudo bem. A economia voltando bem forte. A mídia como sempre atacando, estamos resistindo bem. Não é fácil ser chefe de Estado em qualquer lugar do mundo.”

Pouco depois, o presidente da Turquia mencionou que o Brasil tem “grandes recursos petrolíferos” e citou nominalmente a Petrobras.

“A Petrobras é um problema. Mas estamos quebrando monopólios, com uma reação muito grande. Há pouco tempo era uma empresa de partido político. Mudamos isso”, afirmou Bolsonaro.

Erdogan quis saber quando era a eleição no Brasil. Ao ouvir que faltava pouco menos de um ano, completou dizendo que o presidente brasileiro ainda tinha muita coisa para fazer.

Bolsonaro respondeu: “Eu também tenho um apoio popular muito grande. Temos uma boa equipe de ministros. Não aceitei indicação de ninguém. Fui eu que botei todo mundo. Prestigiei as Forças Armadas. Um terço dos ministros [é de] militares profissionais. Não é fácil. Fazer as coisas certas é mais difícil”.



Protestos italianos

Bolsonaro foi alvo de uma manifestação nesta sexta-feira na cidade de Anguillara Veneta, no norte da Itália. Ativistas jogaram esterco e fizeram pichações na sede da Prefeitura em protesto contra a concessão do título de cidadão honorário do município, na próxima semana.

A homenagem em Anguillara Veneta está prevista para a próxima segunda-feira. O título foi cidadão honorário foi oferecido pela prefeita Alessandra Buoso, ligada ao partido de ultradireita Liga Norte.

Em suas redes sociais, a Rise Up 4 Climate Justice afirmou que Bolsonaro representa com perfeição “o modelo capitalista, predatório, destrutivo e colonialista” contra o qual o grupo luta.


Bolsonaro ainda foi xingado e vaiado nas redondezas da embaixada brasileira, onde está hospedado. O mandatário brasileiro foi chamado de “genocida” e “incompetente” quando voltava de um passeio na região do Vaticano.

“Como você vai explicar a incompetência de seu governo?”, gritou um dos manifestantes. Outra repetia palavras de ordem como “Fora, Bolsonaro” e “Genocida”.

À medida que as vaias e os xingamentos foram se intensificando, apoiadores de Bolsonaro se aproximaram gritando “Mito, mito!”, e o presidente, visivelmente irritado, deixou de tirar fotos com apoiadores e apressou o passo para chegar à embaixada, onde jornalistas não têm acesso.

 

?? @jairbolsonaro é alvo de protesto de brasileiros em Roma: “Genocida”

Grupo gritou palavras de ordem, como “Fora Bolsonaro” e “genocida”, durante passeio do presidente ao centro da capital italiana

Leia a matéria de @igorgadelham: https://t.co/NcFKWTD2oz pic.twitter.com/5Ghht5hWAd

— Metrópoles (@Metropoles) October 30, 2021

 

Até Reinaldo Azevedo destacou horrorizado um dos poucos encontros políticos de Bolsonaro, pelo caráter contraditório de seu simbolismo.