Que Estado queremos?

A disputa política no Brasil entre o bloco de forças em torno do governo e o bloco opositor se expressa também nas interpretações sobre o que é o Brasil hoje, para onde ele caminha, quais são seus principais problemas e, como decorrência disso, o que representa cada um desses blocos.
  
A direita no Brasil foi reorganizada pelo governo FHC, que assumiu as teses liberais atualizadas para a era da globalização. Recolhendo as teses lançadas por Collor, que localizavam nas regulamentações estatais os obstáculos para que a economia voltasse a crescer, ele arremeteu centralmente contra o Estado. As duas figuras do atraso, da ineficiência e do desperdício eram os carros fabricados aqui, tipificados como “carroças” e os “marajás”, apontados como modelos da burocracia ineficiente e, ao mesmo tempo, culpada pelos gastos excessivos do Estado, razoes da inflação e da alta tributação.

Era a versão brasileira do diagnóstico de Reagan, segundo o qual o Estado não era a solução, mas o problema. Foi recolocada a polarização Estado/mercado como central. Quando FHC disse que ia “virar a página de getulismo no Brasil”, se referia, com clareza a isso: o enterro do projeto desenvolvimentista que tinha no Estado seu motor fundamental e a afirmação da centralidade do mercado – tese central do neoliberalismo.

Entre as privatizações, a abertura acelerada do mercado interno, a precarização das relações de trabalho, a centralidade do ajuste fiscal, o Tratado de Livre Comercio com os Estados Unidos – a nova direita desenhou seus paradigmas.

Quando Lula triunfou, essas teses se revestiram do anúncio dos riscos do estatismo da elevação dos gastos estatais, da elevação da inflação e dos impostos, da apropriacao e utilização do Estado pelo PT e por sindicalistas, com a correspondente corrupção. Tudo girava em torno da condenação do Estado e de suas formas de regulação econômica, de afirmação de direitos sociais, de indução do crescimento econômico, de redistribuição de renda.

As denúncias econômicas foram uma constante: o estatismo, que geraria falta de confiança no empresariado, desequilíbrio nas contas publicas, inflação, excessiva tributação, o que condenaria o pais à estagnação econômica ou à inflação. Essa a vertente econômica da guerra contra o Estado.

A cara política tem sido o tema da corrupção, que teria no Estado seu lugar privilegiado, a origem da corrupção. Quanto mais Estado, maior risco de corrupção. O governo do PT representaria esse risco.

O tema do “mensalão” cristalizou essa interpretação. Seria a prova concreta das suas teses. O PT teria se valido dos cargos no Estado para fazer negociatas e teria sido pego. A direita – com a sua vertente midiática assumindo a direção política – montou uma operação de marketing politico de grande sucesso: no imaginário de boa parte das pessoas ficou a imagem de que parlamentares iam ao Palácio do Planalto com uma mala vazia, subiam a uma sala próxima à da presidência da república, enchiam de dinheiro e saiam, mensalmente.

Sem interpretação alternativa do que havia ocorrido e sem espaços na mídia monopolista para se defender, o PT foi vítima de um massacre midiático. A simples menção do tema coloca o PT na defensiva e coloca a iniciativa nas mãos da direita.

Para esta, seria a chave da explicação do Brasil hoje: a criminalização do Estado, da política, dos partidos – e do PT, em particular. Com a cumplicidade vergonhosa do STF e o monopólio dos meios de comunicação, a operação de marketing politico continua a render frutos para a direita.

A direita acreditava que tinha encontrado a via para derrotar o governo Lula – seja por um impeachment ou por uma derrota eleitoral de um governo enfraquecido. Foi vítima – e segue sendo – das suas próprias ilusões. Não se dava conta que o problema central do Brasil é o da desigualdade, da pobreza, da miséria. Assim, não tinha capacidade para ver que as politicas sociais do governo começavam a dar resultado, que o aparente isolamento politico do governo tinha uma compensação mais do suficiente no apoio social que o governo conquistava.

Primeiro o medo das reações populares diante de uma eventual proposta de impeachment do Lula, depois a derrota eleitoral em 2006 – fizeram fracassar o plano político da direita.  Mas ela ficou reduzida e esse tema, ao que se somou, posteriormente, o terrorismo econômico.

Para o bloco do governo a questão central do Brasil é a da desigualdade, da pobreza, da miséria. O Brasil é o país mais desigual do continente mais desigual do mundo, apesar dos grandes avanços na ultima década. Esse é o objetivo central do crescimento econômico, do próprio modelo econômico e das políticas sociais – que constituem o núcleo estratégico essencial do governo, seu eixo articulador.

Mesmo quando a economia brasileira sofre um processo de estagnação, como acontece atualmente, o governo não apenas manteve, como estendeu e aprofundou as políticas sociais, revelando como se revertia a forma tradicional de encarar desenvolvimento econômico e distribuição de renda.

Para quem olha os problemas confrontados – corrupção ou desigualdade social -, a questão parece ter clara definição: apesar de todos os avanços de mais de uma década, o Brasil segue sendo o país mais desigual do continente mais desigual. Mas a pauta que predomina, ancorada no monopólio privado dos meios de comunicação, e’ a da corrupção e, por tabela, a da desqualificação do Estado – que é o verdadeiro tema por trás das denuncias de corrupção.

Por isso o tema do Estado se tornou central na era neoliberal: o Estado como o problema – como o redefiniu Ronald Reagan e os do Consenso de Washington e do pensamento único – ou o Estado como indutor do crescimento econômico e garantia dos direitos sociais de todos.