A História vê o andar de baixo
Em 1991, foi sancionada a “lei nacional de arquivos” que determina: “é dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”. Essa medida vem em contrapartida a uma série de investidas que desde 1975 tentam eliminar os autos findos e arquivados há mais de cinco anos.
No sentido de preservar o “valor histórico” dessa documentação, os professores Fernando Teixeira da Silva, do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, e Ângela de Castro Gomes, do Departamento de História da Universidade Federal Fluminense (UFF), organizaram e publicaram, pela Editora da Unicamp, A Justiça do Trabalho e sua história, uma coletânea de artigos que têm como semelhança a utilização de fontes provenientes da Justiça do Trabalho.
A obra enquadra-se na linhagem de pesquisas que, nas últimas três décadas, tem valorizado processos cíveis e criminais para a historiografia e a ciência social. A ampliação que o estudo dessas novas fontes proporciona em relação aos seus objetos de investigação deve-se, como explicitado na apresentação do livro, “a uma mudança radical de percepção sobre o lugar da legislação e de sua aplicação na historiografia no Brasil e no mundo”.
Assim, a população vista como “de baixo” passa a ser vista como um dos atores do âmbito jurídico da sociedade, e não mais como objeto de estruturas políticas. Dessa forma, esses estudos revelam um conjunto significativo de problemas até então desconhecidos, relacionando-se tanto ao universo interno dos tribunais quanto às questões não absorvidas por ele. Percebem-se, assim, por meio das ações trabalhistas, “práticas e relações sociais que extrapolam o mundo propriamente jurídico […] permitindo a análise de como costumes e práticas compartilhados formaram bases sólidas para a luta por direitos” (p.34).
A partir dessa perspectiva e de uma visão ampliada de direitos, em que se considera “o peso dos costumes e das tradições na configuração da jurisprudência, da legislação e da prática jurídica” (p.35), formou-se essa coletânea, cujos artigos são divididos em cinco eixos temáticos.
O primeiro lida com a conciliação entre patrões e trabalhadores acerca das condições de vida e de trabalho. O segundo trata do espaço da Justiça do Trabalho como ente jurídico e público posicionado politicamente, numa condição em que se exige a sua arbitragem na disputa entre o poder privado dos patrões e o domínio da lei.
Como terceiro eixo temático, é discutido o polêmico poder normativo desse órgão, a partir do qual ele cria normas e estipulava novas condições de trabalho. Já a quarta parte trata da relação da Justiça do Trabalho com os trabalhadores rurais, os quais só conseguiram se equiparar à classe trabalhadora urbana com o Estatuto dos Trabalhadores Rurais, aprovado no conturbado governo de João Goulart, em março de 1963.
Por fim, o último eixo refere-se às diversas formas de contratação da força de trabalho, tratando de situações em que o vínculo empregatício entre empregador e empregado não é bem definido, o que também dificulta a definição de quem merece ou não proteção legal e jurídica; como é o caso dos trabalhadores em situações de terceirização.
A Justiça do Trabalho e sua história, como pioneira na reunião de textos em que processos judiciais trabalhistas são fontes privilegiadas de análise social, tem como objetivo incentivar estudos com temáticas e abordagens plurais. Conjuntamente a isso, e a partir da exposição da utilidade e riqueza provenientes desse tipo de fonte, busca-se, nas palavras dos organizadores, “transformar este livro numa ‘amostragem’ multifacetada de possibilidades de pesquisa suscitadas pelos processos trabalhistas e pela história oral” (p.43).
SERVIÇO
Título: A Justiça do Trabalho e sua história
Organizadores: Ângela de Castro Gomes e Fernando Teixeira da Silva
Editora da Unicamp
Páginas: 528
Preço: R$ 66,00
http://www.editoraunicamp.com.br/