Pode-se dizer simplificadamente que o mundo de hoje gira em torno de três grandes demandas: do comércio de mercadorias, das fontes energéticas, principalmente do petróleo, e da questão nuclear para fins militares. O domínio sobre elas é a base genérica para garantir a soberania e o desenvolvimento econômico de um país separadamente ou de um grupo de países em determinada região.

Porém, isto se dá em um mundo globalizado no qual o capitalismo adquire a feição neoliberal, hegemonizado pela superpotência norte-americana. Assim, pois, é através da luta para manter o controle sobre tais demandas que o imperialismo norte-americano procura – por todos os meios, diplomáticos, políticos e bélicos, – consolidar sua hegemonia sobre o resto do mundo, mantendo o status quo de uma ordem unipolar.

Na dinâmica contraditória entre as vantagens de uns e desvantagens de outros, é que se manifesta o desenvolvimento desigual entre países capitalistas e entre estes e os países socialistas – o que, segundo Lênin, é lei absoluta, na época histórica contemporânea. Isto tem levado objetivamente a uma novidade histórica. É que, depois do advento do imperialismo, surgem pela primeira vez potências médias a partir da periferia – China socialista, Rússia, Índia e mesmo o Brasil. Estes são países com grandes populações, com extensa área territorial, de desenvolvimento médio das forças produtivas, que vão se destacando pelo volume de seu comércio (China), pela capacidade energética (Rússia e Brasil) ou pelo potencial atômico/nuclear (Rússia, China e Índia). Por tudo isto, seguem aos poucos fortalecendo suas posições internacionais.

Pode-se dizer em conseqüência que é através da busca de mais espaço comercial, de acesso às fontes de energia e do status nuclear, que se expressa a luta contra-hegemônica da periferia, ou seja, de vários países de capitalismo subordinado e de países do novo socialismo que começam a aparecer mais intensamente na cena internacional. Este fato somado às contradições entre as grandes potências imperialistas e ao um lento declínio da superpotência norte-americana é o prenúncio de uma nova ordem mundial, multipolar, onde os conflitos tendem a se agravar, como mostra inequivocamente a história.

As peças do tabuleiro geopolítico mundial se movem segundo as três questões em tela. Disputam-se espaços, sobretudo na Ásia Central. Para lá – a fim de “conter” a Rússia e a China – se voltam os olhos do império norte-americano, quando expandem a OTAN, criam novas bases militares convencionais ou instalam um novo sistema de mísseis. Esta ação, que vai desenhando os contornos de uma nova guerra fria e de uma nova corrida armamentista, tem gerado uma reação defensiva da Rússia e da China. Países que estreitam sua aliança multifacetada, na qual tem papel destacado a Organização de Cooperação de Xangai, (Shanghai Cooperation Organization/SCO) que acaba de realizar sua 7ª cúpula anual (1).

I
O comércio mundial experimenta um grande incremento nos últimos 30 anos. Entre 1996 e 2006, o crescimento médio do volume (a preços constantes) das mercadorias exportadas – 6% ao ano – foi o dobro da média de crescimento do PIB mundial. Em 2006, seu valor corrente atingiu US$ 11,76 trilhões, 15% a mais que em 2005. Já o valor das exportações dos serviços comerciais atingiu US$ 2,71 trilhões (2). O sistema de portos e navios de transporte adquiriu proporções inimagináveis. O que mais chama a atenção neste quadro é o fato, absolutamente inédito, de os países em desenvolvimento terem atingido 36% do total de mercadorias exportadas em todo o mundo em 2006 (3).

A Organização Mundial de Comércio (OMC), criada em 1994 como fórum multilateral sucedâneo do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), enfrenta impasses graves e de difícil solução em sua rodada Doha, espelhando as agudas disputas comerciais do mundo atual. A intransigência dos países ricos em manter subsídios para muitos de seus produtos e em adotar medidas protecionistas, apesar da hipocrisia do discurso do livre-comércio, cria resistências e estimula a tendência para o incremento dos blocos ou acordos regionais entre os países em desenvolvimento. Com normas comerciais e tarifas facilitadas, a integração não-hegemonizada e o benefício mútuo vão aos poucos se fortalecendo.

Esta cooperação econômica fornece a base para o estreitamento dos laços políticos, diplomáticos e mesmo relativos à segurança regional. É o caso, por exemplo, da articulação sul-americana do Mercosul ou da já referida Organização de Cooperação de Xangai. A política comercial norte-americana segue por várias rotas com um só destino, o dos benefícios unilaterais. Pressiona fortemente pela desvalorização do dólar, sobretudo em relação ao yuan chinês (mas também em relação ao ien japonês), a fim de tornar suas exportações mais competitivas e diminuir o crônico e pesado déficit de sua balança comercial que acumula. Em 2006 os Estados Unidos ainda foram os maiores exportadores do mundo. Porém, em um quadro em mutação, pois foram ultrapassados pela China no segundo semestre daquele ano, tomado separadamente.

Os EUA buscam insistentemente celebrar acordos bilaterais (TLCs) com países de várias partes do mundo com o objetivo de minar as iniciativas regionais coletivas, econômicas e comerciais, tomadas pelos países em desenvolvimento. Tal é o caso da queda de braço Alca x Mercosul, até agora vencida pelos sul-americanos. Ou da proposta feita ao final do ano passado por G. W. Bush de criação de uma Área de Livre Comércio da Ásia Pacífico (FTAA, sigla em inglês) com os países da Cooperação Econômica Ásia Pacífico (Apec, sigla em inglês) em contraposição ao acordo de livre comércio da China com os países da ASEAN (4). No novo formato estariam incluídos os EUA e vários outros países com o objetivo mal-disfarçado de diluir a influência chinesa (5). Ao mesmo tempo, os EUA adotam medidas protecionistas cada vez mais fortes.

O quadro abaixo extraído do recentemente publicado relatório do BIS (6) relativo ao balanço em conta corrente global, no qual a balança comercial entra como componente fundamental, ajuda a explicar a ação norte-americana e é muito elucidativo quanto a tendências.

II
A luta pelo controle de fontes de energia, particularmente o petróleo, é extremamente aguda e freqüentemente resvala para confrontos armados e ocupações militares (7). Os EUA, pelo volume e tipo de consumo são altamente dependentes de energia, sozinhos, consumiram em média 20,6 milhões de barris por dia em 2006, pouco mais de ¼ da atual produção de petróleo mundial, enquanto produziram pouco menos de 6,8 milhões de barris por dia. Isto significa que aproximadamente 75% do seu consumo de petróleo foram importados. Vendo diminuir a produção interna e escassearem suas reservas internas os EUA (8) protagonizam aqueles confrontos, sobretudo na região do Oriente Médio onde estão os principais estoques mundiais.

Da mesma forma procuram ocupar o espaço das grandes reservas dos países da Ásia Central e da África. A disputa acirra-se por causa do crescimento acelerado de países em desenvolvimento que dependem em certa medida de importações de petróleo. A China em 40% de seu consumo, mas também a Índia. Tudo isto elevou substancialmente a demanda por petróleo e fez seu preço triplicar desde 2002.

Os gráficos de reservas comprovadas, produção e consumo por região do mundo são elucidativos (9).
Mas há aqui mudanças importantes que alavancam os países em desenvolvimento nesta disputa: 90% dos novos suprimentos de petróleo virão deles nos próximos 40 anos, segundo a International Energy Agency (IEA); uma grande mudança em relação aos últimos 30 anos, quando 40% da produção vinham de nações desenvolvidas. Surge daí uma nova configuração onde se impõem, no cenário, empresas petrolíferas de países em desenvolvimento, “as novas sete irmãs” – Saudi Aramco da Arábia Saudita; Gazprom da Rússia; CNPC da China; NIOC do Irã; PDVSA da Venezuela; Petrobras do Brasil; e Petronas da Malásia –, em sua grande maioria estatais e com operações internacionais. Juntas controlam um terço da produção mundial de petróleo e gás e mais de um terço das reservas totais de petróleo e gás. A trajetória do que hoje são as velhas sete irmãs – que dominaram a produção mundial de hidrocarbonetos de 1914 a 1973 – é bem diferente: produzem bem menos e detêm reservas muito menores (10).

O Brasil destaca-se como potência energética. Conquistou a auto-suficiência na produção e a vanguarda da extração de petróleo em águas profundas, possui grandes hidrelétricas e largo potencial hídrico, como também é pioneiro e maior produtor mundial de etanol a partir da cana-de-açúcar. Recentemente passou a dominar a tecnologia para produção de outro tipo de combustível a partir de vegetais – o biodiesel. Pode também, seguindo tendência mundial, ampliar suas usinas nucleares. O volume já produzido, o potencial a ser explorado e a diversidade de matrizes colocam-no em situação de vantagem estratégica neste que é um problema fundamental do mundo de hoje.

III
Em torno da questão nuclear se processa uma intensíssima luta na cena internacional opondo os EUA e alguns aliados a países do Sul que, para fins militares voltados à defesa de sua soberania ou mesmo para fins pacíficos, procuram dominar a tecnologia da fabricação de bombas atômicas e dos veículos lançadores de mísseis. As tentativas destes países para dominar as tecnologias nucleares parecem vir da interpretação de que “elas produzem um grande efeito de dissuasão a um custo relativamente pequeno (…) [e] parecem proteger o Estado do imperialismo norte-americano” (11).
Até 1964, quando a China passou a possuir a bomba (recentemente anunciou avanços notáveis no sistema de mísseis defensivos), este status era exclusividade de alguns estados poderosos: EUA, URSS, Grã-Bretanha e França. Depois, os EUA armaram nuclearmente o Estado de Israel para onde não valem os discursos da não-proliferação ou da prevenção de “armas de destruição em massa” com os quais os EUA pressionam e ameaçam pesadamente quem ousa insistir no direito de deter as tecnologias nucleares, caminho pelo qual avançaram, em diferentes graus, Índia, Paquistão, Coréia do Norte e Irã.

O que há de mais grave neste terreno, entretanto, são as novas bases de mísseis que os Estados Unidos estão a instalar nas circunvizinhanças da Rússia, em território da Polônia e da República Tcheca. O sistema de mísseis funcionará como parte integrante da capacidade nuclear dos EUA por alegados motivos de sua segurança interna frente aos desenvolvimentos nucleares do Irã e da Coréia do Norte. O alvo, por óbvio, é a Rússia. O presidente russo, Vladimir Putin, tem alertado para o perigo desta movimentação que, segundo ele, “muda todo o panorama da segurança internacional” (12).

O comércio internacional e os recursos energéticos só podem realmente servir ao desenvolvimento econômico em um mundo livre da ganância e da cobiça imperialista. Um mundo onde a crescente interdependência dos Estados possa prescindir de armas nucleares para a imposição de interesses e destruição de bens materiais e vidas humanas. Um mundo de bem-estar para os povos, de paz e harmonia entre as nações. Este sonho ganha mais consciências a cada dia que passa.

Dilermando Toni é jornalista e membro do Comitê Central do PCdoB.([email protected])

Notas
(1) Consultar o site http://www.sectsco.org/
(2) Dados da Organização Mundial do Comércio, World trade 2006, prospects for 2007, Risks lie ahead following stronger trade in 2006, WTO reports, 12/04/2007. www.wto.org
(3) WTO Annual Report 2007, www.wto.org
(4) Compõem a Asean os Estados do sudeste asiático.
(5) Ver artigo de Fred Bergsten, do establishment norte-americano, “China and Economic integration” in East Asia: implications for the United States, março de 2007, no qual ele chega a falar que “o problema sistêmico é o choque potencial entre uma Ásia liderada pela China e o ‘Oeste’ encabeçado pelos Estados Unidos, pela liderança da economia global”. www.petersoninstitute.org
(6) Bank for International Settlements – Annual Report, June 2007, http://www.bis.org/
(7) O petróleo é, há muito, um bem estratégico. Para não ir muito longe basta lembrar os abalos da primeira crise (choque) do petróleo em 1974-75; da segunda crise do petróleo 1980-82 ou ainda da Guerra do Golfo em 1991.
(8) Dados da EIA (Energy Information Administration), Official Energy Statistics, do governo dos EUA www.eia.doe.gov/
(9) http://www.bp.com/
(10) Ver os artigos “Petrolíferas vivem novo equilíbrio de forças”, de Carola Hoyos, Financial Times publicado pelo Valor Econômico de 13/03/07 e “A nova era do petróleo estatal”, de Jean-Pierre Séréni, Le Monde Diplomatique, março de 2007, http://diplo.uol.com.br
(11) Mann, Michael. O império da incoerência, a natureza do poder americano, p. 48, Record, 2006.
(12) Ver Entrevista coletiva de Vladimir Putin (texto integral) de 25/07/2008 em www.odiario.info

EDIÇÃO 91, AGO/SET, 2007, PÁGINAS 48, 49, 50, 51, 52, 53