O pós-guerra foi marcado na URSS por uma ofensiva do partido soviético no terreno da luta ideológica. A presença destacada de A. Zhdanov neste processo tem levado à caracterização deste período da vida cultural soviética como o período do “zhdanovismo”. Esta denominação, embora útil na periodização da história da cultura soviética, é contudo insuficiente porque não se trata de concepções exclusivas de Zhdanov (1). Ainda que caiba examinar mais de perto as suas intervenções trata-se em verdade de examinar a experiência soviética e do partido bolchevique, sob a direção de Stalin, no trato de problemas ideológicos, em particular na esfera das relações entre Ciência e Filosofia.

A primeira grande intervenção de Zhdanov no terreno cultural ocorreu ainda antes da Segunda Guerra, em 1934, por ocasião da fundação da União dos Escritores Soviéticos da URSS. Este congresso marca na URSS o início da fase do realismo socialista na arte soviética. Não nos referimos aqui ao realismo socialista enquanto tendência literária que tem suas origens nas reflexões de Gorki e de Lukács e cujos méritos e limitações não nos cabe aqui examinar. Para o nosso estudo queremos realçar que 1934 é o início da fase do realismo socialista enquanto concepção e método obrigatório a toda a literatura soviética. A própria União dos Escritores nasceu de uma resolução do partido soviético, em 23 de abril de 1932, que dissolveu todos os grupos literários então existentes. Este dirigismo e monopólio de uma tendência sobre o conjunto de uma esfera da vida cultural encontram-se expressos nos próprios estatutos da União (2).

No pós-guerra a vida cultural soviética foi marcada por uma intervenção de Zhdanov, em nome do Comitê Central, em agosto de 1946, no Smolni, em Leningrado, sobre as revistas literárias Zviezda e Leningrado (3). O alvo da intervenção era a existência de visões que defendiam a “arte pela arte” e os alvos concretos: os escritores Zostchenko e Anna Akhmatova. O Comitê Central resolve também dissolver uma das revistas em tela. Aqui não vamos entrar no mérito da intervenção, mas tentar apreender os métodos partidários e o ambiente reinante na vida cultural soviética de então. É no mínimo bastante discutível que na URSS vitoriosa na Segunda Guerra a existência de mais de uma tendência ideológica na literatura colocasse em risco o poder soviético. Quanto ao clima gerado por intervenção desta natureza, um depoimento pode nos ilustrar:

“(…) O relator calou-se por um instante e começou a falar. E após poucos minutos, instaurou-se o mais fantástico silêncio. A sala se fazia muda e imóvel, ia se tomando de gelo até que, no curso de três horas, transformou-se num só bloco duro e branco.
O que o relator disse causou espanto.

Depois da reunião, as pessoas foram embora em silêncio. Era mais de meia-noite.
Em agosto as noites são escuras. O jardim do Smolni estava envolto por uma úmida névoa de outono… Algumas centenas de pessoas saíam do edifício lentamente e em silêncio. Sempre em silêncio, percorreram a longa avenida diretamente até a praça, naquela hora já deserta, e tomaram em silêncio os seus ônibus e lotações” (4).

A intervenção do partido soviético para assegurar o realismo socialista não ficou restrita à literatura. Em fevereiro de 1948 o Comitê Central, a partir de uma intervenção de Zhdanov, aprova uma resolução condenando a ópera “Grande Amizade” de V. Muradeli (5). A resolução tem um alvo mais amplo. Trata-se de “condenar a tendência formalista na música soviética como antipopular e que conduz na realidade a sua liquidação”. Os principais compositores visados são Chostakovitch, Prokofiev, Khatchaturian, entre outros. A resolução chega ao detalhe de apresentar o seguinte receituário para a música:

“Traço essencial da tendência formalista é também a rejeição da música polifônica e do canto – que se baseiam na combinação e no desenvolvimento simultâneo de linhas melódicas independentes – e a atração pela música unitonal, uníssona e um canto frequentemente sem palavras, o que representa uma violação do sistema polifônico de música e canto de nosso povo e conduz ao empobrecimento e à decadência da música”.

A convicção da onipotência e infalibilidade do partido soviético para alterar radicalmente o desenvolvimento da música soviética está expresso quando o Comitê Central resolve: “Propor à Direção de Propaganda e Agitação do Comitê Central e ao Comitê das Artes a modificação da situação em que se acha a música soviética, a liquidação dos defeitos assinalados na presente resolução do
CC e assegurar o desenvolvimento da música soviética dentro da tendência realista”.

Mas, para o assunto em tela, a relação entre ciência e filosofia, a intervenção fundamental de Zhdanov neste período ocorreu em junho de 1947 por ocasião do exame do livro História da Filosofia da Europa Ocidental, de G. Alexandrov. O discurso (6) deixa entrever que existe a consciência de uma crise no desenvolvimento da Filosofia soviética ao reconhecer que “a ausência de discussões criadoras de crítica e autocrítica não pode deixar de repercutir de maneira prejudicial na elaboração dos trabalhos filosóficos científicos. Todos sabem que a produção filosófica é inteiramente insuficiente em quantidade e fraca na qualidade. Monografias e artigos de Filosofia são um fenômeno raro”. Embora não proponha métodos para o estabelecimento de uma ‘discussão criadora’ ele apresenta uma clara diretriz sobre o rumo a adotar no desenvolvimento da Filosofia. Sustenta que “A história científica da Filosofia, consequentemente, é a história da germinação, nascimento e desenvolvimento da concepção materialista científica e suas leis.

“Duas revoluções na Física vistas como se fossem coisas superficiais”.

À medida que cresce o materialismo e este se desenvolve na luta contra as correntes do idealismo, a história da Filosofia é também a história das lutas do materialismo contra o idealismo. Nesta história é difícil imaginar que espaço teria a dialética de Heráclito ou a dialética hegeliana. Mas, Zhdanov expressa-se com clareza quanto ao problema da utilidade ou não, para a filosofia marxista, do estudo de Hegel. Ele afirma: “as opiniões e idéias filosóficas há bastante tempo derrotadas e enterradas não merecem muita atenção” e referindo-se diretamente a Hegel afirma: “Desse ponto de vista, parece-nos estranho que tenha havido aqui discussão sobre Hegel. Os participantes dessa discussão quiseram forçar a porta aberta (…) A questão sobre Hegel há muito já foi resolvida. Para revivê-la não existe qualquer fundamento, nenhum novo material, além dos que já foram apresentados e apreciados. A própria discussão seria desapontadoramente escolástica”.

Não se encontra no texto de Zhdanov uma única palavra sobre a necessidade do desenvolvimento dialético da teoria do conhecimento, das formas de determinismo presentes na natureza e na sociedade, por exemplo. Vemos, portanto, que para o dirigente soviético as debilidades da filosofia soviética, para a época, não estão no insuficiente desenvolvimento da dialética, mas nos resquícios de idealismo (7). Logo, a direção da luta na filosofia estará no combate a estas influências idealistas e não no desenvolvimento materialista da dialética hegeliana. Porém, o materialismo no século XX só pode desenvolver-se desenvolvendo a dialética sob pena de desenvolver-se como uma materialismo mecânico, ou de sentido mecanicista. Retomaremos esta questão mais adiante. Cabe ainda registrar que Zhdanov faz uma incursão direta no relacionamento entre Filosofia e novas teorias científicas. Vale a pena transcrevermos porque ela será uma espécie de paradigma a ser desenvolvido:

“A ciência burguesa contemporânea fornece ao clericalismo, ao fideísmo, nova argumentação, que precisa ser implacavelmente desmascarada (…) muitos continuadores de Einstein, transferindo certamente os resultados das investigações das leis do movimento de uma parte limitada e finita do universo para todo o universo infinito, chegam até a idéia de que o mundo é finito, até à sua limitação no tempo e no espaço (…) Igualmente, as manobras kanteanas dos físicos atômicos da burguesia contemporânea, os conduzem à conclusão lógica sobre o ‘livre arbítrio’ no electron, às tentativas de interpretar a matéria tão somente como um conjunto de ondas, com o diabo a quatro”.

Cabe assinalar que os problemas referidos com tanta ligeireza e superficialidade dizem respeito a duas revoluções científicas ocorridas na Física na primeira metade deste século: a Relatividade Geral, formulada em 1916, e sua aplicação ao conjunto do universo, dando origem à moderna cosmogonia científica, trazendo para o plano científico a idéia de um universo em expansão, não estacionário, um universo com história. O outro problema citado diz respeito à Teoria Quântica formulada em 1927 e que introduziu uma descrição de tipo probabilística entre outras importantes inovações conceituais.

Vejamos como esta concepção e as práticas referidas repercutiram nos problemas científicos em exame.

Nesta questão é preciso registrar todo um debate que tomou conta da Física nos anos 1930 e, portanto, antecedendo aos acontecimentos soviéticos dos anos 1947-48 (8). Este debate teve início no ocidente em 1927 quando foi formulada e interpretada uma teoria consistente para dar conta das propriedades dos átomos, das moléculas e da interação destas com a radiação eletromagnética. Esta teoria, denominada de Teoria Quântica foi o ápice de todo um período de transição e de crise na Física. As inovações conceituais acarretadas pela Teoria Quântica tinham uma dimensão filosófica muito evidente. O ponto de partida era a introdução de descontinuidades essenciais nas grandezas físicas.
Obtinha-se uma descrição probabilística no trato dos fenômenos atômicos. As interações necessárias ao estudo dos objetos microscópicos eram introduzidas na própria interpretação da teoria, usando a noção de fenômeno como uma espécie de totalidade entre o objeto atômico e as interações necessárias ao seu estudo. Usava-se um conceito de excludência mútua ou de “complementariedade” entre os modelos ondulatório e corpuscular para enfrentar a dualidade onda-partícula que tinha sido revelada pelas ondas eletromagnéticas e pelos corpúsculos microscópicos. Esta noção de excludência mútua expressava tanto a equivalência entre os dois modelos quanto a necessidade de um recurso aos dois modelos para a descrição dos fenômenos atômicos. O principal formulador desta interpretação foi o físico dinamarquês Niels Bohr. Estas novas idéias embora expressas num conjunto de pouca consistência filosófica representavam momentos dialéticos na formulação de um conhecimento novo e traziam, diretamente de um campo estritamente científico, formulações que poderiam enriquecer uma teoria marxista do conhecimento que ainda estava em curso de elaboração.

“Autores como Fock não eram publicados porque divergiam da opinião dominante”.

Esta teoria encontrou resistências entre físicos contemporâneos. O mais destacado opositor à Teoria Quântica foi Albert Einstein. As razões das restrições do renomado cientista são variadas, mas incluem o seu próprio programa de desenvolvimento da Física, sua restrição a uma descrição probabilística com o estatuto de lei fundamental da natureza e sua peculiar concepção física e filosófica de realidade objetiva. O diagnóstico de Einstein era de que a Teoria Quântica era uma teoria de um conjunto estatístico de objetos atômicos, cabendo aos físicos o desenvolvimento de uma outra teoria que desse conta dos objetos atômicos individuais. Contudo a interpretação formulada por Niels Bohr terminou impondo-se na comunidade científica apesar desta ilustre oposição.

Num campo estritamente filosófico devemos registrar que cientistas como Jordan, Eddington e Heisenberg procuraram conferir à Teoria Quântica um sentido idealista e positivista. Por outro lado, físicos de formação marxista, como Langevin, Fock e Taketani realçaram os elementos dialéticos da teoria e buscaram interpretá-la numa perspectiva materialista. Este debate também repercutiu na URSS dos anos 1930 com artigos de Fock alinhando-se a Niels Bohr e de Nikolsky alinhando-se a Einstein.

Em 1947-48 este debate foi retomado com a publicação de artigos divergentes na revista Problemas de Filosofia e, surpreendentemente, logo encerrado com a substituição de B. M. Kedrov, diretor da revista e a conclusão de que “(…) O balanço da discussão de 1947-48, estabeleceu que a Mecânica Quântica não é uma teoria do micro objeto individual, como é considerado segundo o princípio da complementariedade. A Mecânica Quântica é uma teoria estatística, isto é, uma teoria aplicada somente aos conjuntos estatísticos de micro objetos” (9). Esta posição evidentemente alinhada à de Einstein adquiriu caráter de posição oficiosa do partido sendo expressa nas mais variadas publicações e mesmo em manuais e dicionários. Abriu-se então um “período do desterro da complementariedade na União Soviética” (10) que perdurou até o final dos anos 1950. Neste período, nas publicações em língua estrangeira, autores como Fock que tinham uma interpretação distinta daquela “dominante” não tinham seus artigos referentes ao tema publicados.

A polêmica na URSS sobre as teorias referentes à hereditariedade antecede a Segunda Guerra. Formaram-se basicamente duas escolas. A primeira delas sustentava na URSS a Teoria da Hereditariedade de Mendel/Morgan. Esta teoria situa-se no desenvolvimento do paradigma firmado por Charles Darwin com a Teoria da Evolução e buscava decifrar o enigma da hereditariedade. Entre os anos 1850 e 1860 Mendel estudou o cruzamento de ervilhas e formulou uma série de leis para explicar a transmissão de caracteres. Por mais de 30 anos estes trabalhos não tiveram uma repercussão imediata na Biologia sendo retomados no início do nosso século.

Morgan em 1910 retomou estes trabalhos cotejando-os a uma série de experiências realizadas com o cruzamento da mosca-da-fruta (drosophila melanogaster) e propôs que os fatores que intervinham nas leis de Mendel deviam ser unidades físicas concretas localizadas nos cromossomos (nos núcleos das células) e deu a estes fatores o nome de “genes”. Esta teoria abria uma nova área de conhecimento, a genética, e se punha o desafio não só de formular as leis da transmissão dos caracteres, mas explicar a própria natureza dos genes. Este segundo objetivo estava, contudo, limitado à época pela incipiência da Biologia molecular. Lembremos que em 1910 não tínhamos uma teoria consistente para explicar as propriedades dos átomos e moléculas.

A outra corrente foi liderada por T. D. Lyssenko e apoiava-se no mitchurinismo – experiência soviética de massas no desenvolvimento de novos métodos na agricultura – para defender seus pontos de vista. Esta corrente divergia da teoria de Mendel/Morgan desde a base, pois sustentava que a interação do organismo vivo com meio ambiente produzia no organismo alterações que seriam transmitidas aos seus descendentes. É evidente que esta teoria ligava-se à Teoria dos Caracteres Adquiridos, formulada por Lamarck no início do século XIX e superada pelos trabalhos de Darwin.

“Lyssenko usa como argumento a aprovação do Partido para suas teses”.

Já nos anos 1930 os partidários de Mendel/Morgan sofreram variadas restrições (11) e no pós-guerra este debate foi reavivado tendo o seu desfecho numa sessão da Academia Lênin de Ciências Agrícolas em agosto de 1948. O discurso de T. D. Lyssenko (12) nesta sessão é uma peça célebre na história da ciência e da URSS e seu exame nos ajudará a entender os problemas em tela.

Na abertura ele deixa clara a sua visão limitada sobre o papel da elaboração teórica no conhecimento científico, pois considera, referindo-se a Darwin, que “sua teoria sobre a seleção é um resumo das seculares experiências práticas dos criadores de plantas e animais”. A defesa de sua teoria enquanto uma teoria de transmissão dos caracteres adquiridos é explícita: “A teoria materialista da evolução da natureza viva compreende o reconhecimento da necessidade de transmissão hereditária de características individuais adquiridas pelo organismo nas condições de sua vida; ela é incompreensível sem o reconhecimento da hereditariedade de caracteres adquiridos”. Também é explícita a vinculação de sua teoria ao pensamento de Lamarck: “Em primeiro lugar, as conhecidas teses lamarckianas, que reconhecem o papel ativo das condições exteriores na formação do ser vivo, e a hereditariedade de caracteres adquiridos, ao contrário da metafísica do neodarwinismo (ou weismanismo) não são absolutamente errôneas. Elas são perfeitamente verdadeiras e científicas”. Nada mais precisamos acrescentar sobre as diferenças científicas entre as duas teorias ou os dois paradigmas. Mas, qual o critério usado por Lyssenko para sustentar a veracidade de seus pontos de vista? No terreno estritamente teórico era impossível em 1948 sustentar a superioridade das teses de Lamarck sobre a genética de Mendel/Morgan. No terreno dos resultados experimentais, embora faça referências a experiências desenvolvidas por ele mesmo no trato de cereais de inverno, não refuta nem polemiza com as décadas de resultados experimentais acumulados pela genética. Claro que são décadas de resultados experimentais no terreno da ciência básica e não no terreno de aplicações tecnológicas. E Lyssenko especula então com as escassas aplicações tecnológicas na discussão da veracidade de uma teoria científica que não tinha atingido tal estágio.

Contudo, a força da argumentação de Lyssenko, que leva à Academia a aprovação de seu relatório, reside em outros terrenos. O primeiro está na carga da argumentação ideológica. A teoria de Mendel/Morgan seria idealista e reacionária. A luta na Biologia seria parte da Guerra Fria em curso. Nas suas palavras: “Na época atual de luta entre dois mundos, as duas correntes opostas e antagônicas que penetram nos fundamentos mesmos de quase todos os ramos da Biologia estão definidas de maneira particularmente aguda”. Os subtítulos do seu discurso são significativos: “A história da Biologia: uma história de controvérsias ideológicas”; “Dois mundos – duas ideologias na Biologia”; “O escolasticismo do mendelismo-morganismo”.

Mas, o seu principal argumento é de autoridade: o apoio do partido soviético e de Stalin a sua teoria. Embora não haja resoluções formais do partido soviético a respeito deste tema o apoio não oficial é amplamente usado por Lyssenko no seu discurso. Afirma: é a “(…) doutrina de Mitchurin, a corrente mitchurinista na ciência, apoiada pelo Partido Bolchevique e pela realidade soviética”. E finaliza seu discurso afirmando:

“O Partido, o Governo, e Stalin, pessoalmente, dedicaram um interesse inabalável ao futuro desenvolvimento da doutrina de Mitchurin”.

“Eleição na Academia converte a teoria de Mitchurin em doutrina oficial do Estado”.

Cabe ainda uma importante questão. Como os biólogos soviéticos converteram-se ao “michurinismo” a ponto de aprovar o informe de Lyssenko? Ele mesmo admite: “nos mais altos círculos científicos oficiais de biologistas, também, os seguidores de Mitchurin e Williams estiveram frequentemente em minoria. Foram uma minoria igualmente na Academia Lênin de Ciências Agrícolas da URSS”. Ou seja, os mitchurinistas tinham sido minoria no próprio fórum onde Lyssenko estava discursando. Qual o milagre da conversão? O próprio Lyssenko dá a resposta que é representativa de um conjunto de práticas e concepções vigentes na URSS de então. Segundo o autor:

“Um número considerável de mitchurinistas foi eleito como membros, e membros correspondentes da nossa Academia, e outros serão acrescentados brevemente, nas próximas eleições. Isto criará uma nova situação na Academia e novas oportunidades para o futuro desenvolvimento da doutrina de Mitchurin”.

Com a aprovação do relatório Lyssenko vieram as consequências. Biólogos como Orbeli foram destituídos de seus cargos. Outros fizeram humilhantes “auto-críticas”. A carta do eminente cientista A. Shebraka ao jornal Pravda ilustra toda uma concepção de que o partido tem sempre razão, em todas as questões, e mesmo contra todas as convicções pessoais o militante deve adotar as opiniões do partido. Nesta carta Shebraka afirma:

“Enquanto o Partido reconheceu as duas orientações da genética soviética e valeram as diferenças de critério sobre problemas teóricos como discussões frutíferas eu tenho defendido insistentemente meus pontos de vista (…) Mas agora, depois que me convenci que as teses fundamentais de Mitchurin na genética soviética foram aprovadas pelo Comitê Central do Partido Comunista (bolchevique) da URSS, na condição de membro do Partido, considero já impossível aferrar-se por mais tempo a essas opiniões que o Comitê Central de nosso Partido tem declarado errôneas” (13).

Nesta questão, os problemas têm uma história anterior à Segunda Guerra e guardam relação com um cientista, Pavlov, e com sua proposta para o desenvolvimento da Psicologia. Pavlov (1849-1936) foi discípulo do grande fisiologista russo do século passado L. M. Sechenov (1829-1905) que estudou em bases materialistas os mecanismos fisiológicos do sistema nervoso em preparações neuro-musculares de rãs. A sua mais destacada contribuição científica foi a descoberta e a conceituação dos reflexos condicionados. Por estes trabalhos ele ganhou o Prêmio Nobel de 1904. E Pavlov também formula todo um paradigma para a pesquisa científica: a reflexologia. Nesta formulação Pavlov e seus seguidores consideram possível estudar processos psicológicos mais complexos pelo estudo das partes mais simples de seus comportamentos considerando que para processos psicológicos mais complexos continuam a valer as leis próprias dos reflexos condicionados (14).

Pavlov exerceu enorme influência científica e filosófica na União Soviética. Sua força no terreno filosófico estava em ter oferecido uma base material para os fenômenos psíquicos. No entanto, o programa pavloviano apresentava enormes dificuldades no terreno científico e filosófico. Deixava de fora do objeto da Psicologia processos psicológicos superiores como a linguagem, a inteligência, a memória, características especificamente humanas. Portanto, situava-se no terreno filosófico numa posição materialista estreita, de fundo mecanicista. Outros caminhos eram tentados. A Psicologia no início deste século estava ainda a firmar-se como disciplina científica e apresentava outros paradigmas como o introspectivismo fundado pelo alemão W. Wundt e o gestaltismo liderado por Wertheimer, Koffka e Kohler. Com outra denominação, mas com os fenômenos psíquicos como objeto de estudo, desenvolvia-se a Psicanálise fundada por Sigmund Freud.

É neste quadro que na URSS, a partir de 1924, desenvolveu-se toda uma pesquisa e um projeto próprio para a Psicologia, de grandes potencialidades, formulado por Lev Vygotsky (1896-1934). De sólida formação marxista, ele examinou o conjunto da história da Psicologia, criticando suas limitações e sustentou que “(…) a consciência era um conceito que deveria permanecer no campo da Psicologia, argumentando que ela deveria ser estudada por meios objetivos” (15). A especificidade deste programa é dada pela sua concepção de que “(…) nem a psicologia subjetiva nem as tentativas muito simplificadas para reduzir o todo da atividade consciente a simples esquemas reflexos proporcionariam um modelo satisfatório da psicologia humana. Uma nova síntese das verdades parciais dos modos anteriores de estudo deveria ser encontrada. Foi Vygotsky quem anteviu os contornos desta nova síntese” (16). Neste programa ele buscou a descrição e a explicação dos processos psicológicos superiores situando-os como processos que ocorrem em interações sociais.

“Vygotsky deixou de ser editado por 20 anos, a partir de 1936”.

No período que vai até 1935, embora houvesse uma valorização da psicologia pavloviana, existiu espaço filosófico e institucional para todo o trabalho de Vygotsky e de seus discípulos como Luria e Leontiev. Já a partir de 1936 o partido bolchevique proibiu os testes psicológicos, as revistas especializadas em Psicologia foram desativadas e Vygotsky deixou de ser publicado por vinte anos (17). Mas, depois da Segunda Guerra, a psicologia soviética teve também o seu fórum institucional para dar a última palavra nos problemas científicos em investigação. Em 1950 uma Sessão Comum da Academia de Ciências da URSS com a Academia de Ciências Médicas sobre os problemas fisiológicos da teoria do acadêmico I. P. Pavlov afirma o programa pavloviano como o programa para a psicologia soviética (18).

Este conjunto de proposições científicas e filosóficas teve para o movimento comunista internacional o caráter de verdadeiras resoluções políticas. Os textos afinados com as posições “dominantes” foram os únicos divulgados. Ocorreu toda uma orientação para a jovem intelectualidade marxista trabalhar nestas teses (19). Contudo, cometeríamos uma grave omissão se concluíssemos este relato sem afirmar que nem todos aderiram ou fizeram “autocríticas”. Entre os físicos, por exemplo, de formação marxista Fock, russo, Taketani, japonês, Schenberg, brasileiro e Haveman, alemão, sustentaram suas posições com independência relativamente às posições predominantes na URSS. Porém, o exame crítico destes problemas pelas correntes marxistas-leninistas não é um problema resolvido mesmo na década de 1980. No Brasil, por exemplo, a revista Princípios publicou durante toda a sua existência (1979-1991) um único artigo sobre Psicologia. Trata-se de uma crítica filosófica à psicanálise freudiana de autoria do soviético Stoliarov (Princípios, n. 8, 1984).

O desenvolvimento da ciência neste período foi adverso às teses aqui examinadas. O “lyssenkismo” teve pernas curtas dada a dificuldade de sustentar, nos anos 1950 a tese de Lamarck da transmissão dos caracteres adquiridos. Mas, o início dos anos 1950 trouxe resultados mais adversos.

Estabeleceu-se uma corrida no campo da ciência para decifrar a estrutura molecular dos genes, os corpos que continham a informação da hereditariedade. Para o lyssenkismo, esta procura era sem fundamento, e a ciência soviética ficou à margem desta corrida. Em 1953 Watson e Crick ganharam a corrida revelando ao mundo a estrutura, de dupla hélice, da molécula do DNA, a molécula responsável pela transmissão do código genético, abrindo assim toda uma nova fase na biologia molecular. A ironia é que Watson e Crick buscaram auxílio no livro-texto Ligações Químicas de L. Paulling, também criticado na URSS (20).

No terreno da física, a questão não foi tão simples e podemos dizer que mesmo hoje a investigação epistemológica e científica sobre os fundamentos da Teoria Quântica tem significado. Mas, esta teoria, nos marcos da interpretação de Bohr, tem resistido a décadas de testes teóricos e práticos. Ainda em 1948 ela gerou seu produto tecnológico mais importante, o transistor, base de toda micro-eletrônica moderna. Nos anos 1960 o físico J. Bell apresentou resultados teóricos que revelavam forte discrepância entre as previsões da Teoria Quântica e toda uma classe de hipotéticas teorias alternativas, as chamadas teorias de variáveis escondidas. Estes resultados, denominados de desigualdades de Bell, foram submetidos aos mais refinados testes experimentais e no início dos anos 1980 a análise dos testes experimentais realizados deixou claro que a Teoria Quântica havia vencido. De tal forma que uma posição como a que prevaleceu entre os soviéticos tem hoje seu espaço reduzido.

Na Psicologia, todo o desenvolvimento recente em torno das teses de Vygotsky, que está em rápida expansão no mundo, traz consigo uma informação factual: estas teses foram marginalizadas na União Soviética do final dos anos 1930 até o final dos anos 1950.

Não se pode deduzir desta relação desastrada, que efetivamente existiu entre filosofia marxista e ciências, que se deva abrir-mão desta interação, mesmo porque a interação entre ciência e filosofia de uma forma geral é uma interação que não pode ser abstraída, seja nos momentos de criação científica seja na interpretação dos resultados obtidos (21). O desafio é examinar concretamente esta interação. Penso que algumas conclusões preliminares podem ser extraídas.

A primeira diz respeito ao grau de “acabamento” da filosofia marxista.

“Lênin propõe uma sociedade de amigos materialistas da dialética de Hegel”.

Afirmar que a filosofia marxista não é uma teoria acabada é talvez uma trivialidade. O problema aparece quanto aos rumos do seu desenvolvimento. Vejamos um exemplo ilustrativo. Lênin escreveu, em 1908, uma obra essencial para a filosofia marxista que foi o Materialismo e Empiriocriticismo, num contexto de luta contra tendências idealistas que se apresentavam no próprio campo do marxismo (Bogdanov etc). Neste livro ele retoma a tese de Engels da “Teoria do Reflexo dos Objetos pelo Pensamento” e sustenta: “(…) as coisas existem fora de nós. As nossas percepções e as nossas representações são as imagens delas. O controle dessas imagens, a distinção entre as imagens exatas e as imagens errôneas, nos são fornecidos pela prática” (22). Porém, esta obra não dá conta do conjunto da visão leninista sobre a filosofia como mesmo hoje alguns pensam (23). No período entre 1914 e 1916 Lênin desenvolveu estudos mais sistemáticos de filosofia, estudou Hegel, estudou a dialética num contexto de mudanças bruscas que se avizinhavam na Rússia e na Europa. E seguramente beneficiou-se deste estudo nas revolucionárias formulações deste período, especialmente em Teses de Abril e Imperialismo, etapa superior do capitalismo. Estes estudos estão registrados em anotações pessoais publicadas pela primeira vez em 1929-1930 e posteriormente republicadas sob o título de Cadernos Filosóficos.

Num destes fragmentos, escrito em 1915, ele afirma: “eis os domínios do saber dos quais deve formar-se a teoria do conhecimento e a dialética: história da filosofia, das ciências singulares, do desenvolvimento intelectual da criança, do desenvolvimento intelectual dos animais, da linguagem (mais Psicologia, mais fisiologia dos órgãos dos sentidos), em suma: a história do conhecimento em geral” (24). É claro que isto aponta para todo um desenvolvimento a ser realizado na teoria do conhecimento, até porque algumas das áreas científicas citadas ainda eram embrionárias, e é uma formulação mais rica e abrangente que a teoria do reflexo como formulada no Materialismo e Empiriocriticismo. A teoria do reflexo está essencialmente correta se contextualizarmos o Materialismo e Empiriocriticismo enquanto obra crítica em relação a formulações idealistas sobre o problema do conhecimento, mas é uma formulação insuficiente para uma teoria dialética do conhecimento. E este é, em última instância, um reflexo da realidade, mas é também uma construção humana. Esta visão filosófica “madura” de Lênin está indicada num artigo de 1922 quando ele, traçando um programa para a principal revista filosófica bolchevique (Sob a Bandeira do Marxismo), sustentou a necessidade de os colaboradores da revista organizarem o “estudo sistemático da dialéctica de Hegel do ponto de vista materialista” e constituírem-se em “uma espécie de sociedade de amigos materialistas da dialéctica hegeliana” (25). Não está no nosso objetivo um exame do desenvolvimento da filosofia soviética entre 1922 e 1947, mas é claro que nesta época, entre os bolcheviques, a principal obra elaborada foi o Materialismo Dialético e Materialismo Histórico, de Stalin, que é uma obra de sistematização e divulgação e não de desenvolvimento de questões filosóficas. Fica evidenciado então o equívoco expresso no diagnóstico da filosofia soviética (e da marxista de uma forma geral) quando Zhdanov indica serem os resquícios idealistas e não o insuficiente desenvolvimento dialético a raiz das debilidades no terreno da filosofia. Esta concepção levou ao desenvolvimento de uma materialismo mecanicista incapaz de perceber, valorizar e desenvolver os elementos dialéticos que o próprio desenvolvimento da ciência tinha trazido à tona especialmente, nos exemplos aqui examinados, com a teoria quântica e a psicologia de Vygotsky.

“Marxismo não tem acúmulo teórico e prático em artes, estética e cultura”.

A segunda indicação guarda correlação com a primeira. Trata-se, ainda hoje, de desenvolver a dialética bebendo na fonte do próprio desenvolvimento das ciências. Mas, esta própria interação entre filosofia marxista (em desenvolvimento) e ciências naturais, ou ciências do comportamento (também em desenvolvimento), está numa esfera distinta daquelas onde o marxismo e o leninismo originariamente se desenvolveram. E, se aplicarmos o critério marxista de verdade (a prática) ao próprio pensamento marxista, é claro que este não tem acúmulo (teórico e prático) expressivo em áreas como estética, artes, ciências naturais, cultura. O reconhecimento destes problemas não deveria levar a não enfrentar tais problemas, mas fazê-lo, levando em conta as limitações da teoria e não adotando sobre temas como estes posições acabadas e resoluções partidárias. E mesmo em questões melhor desenvolvidas a filosofia marxista não pode ser um critério externo para validar ou não determinado conhecimento. Há que ir a fundo do mérito dos problemas buscando formular/identificar as categorias, os conceitos, as relações, os processos que lhes são especificamente relevantes.

No entanto, não foram só concepções filosóficas equivocadas, mecanicistas e dogmáticas. Do pouco aqui examinado, fica claro que se tratava de toda uma prática de fechamento de questões filosóficas, científicas e culturais que revelou-se equivocada enquanto prática da elaboração da teoria e enquanto prática social. O deslocamento, institucional e físico, dos oponentes e o partido como última instância destas questões gerou práticas sociais difusas de medo, seguidismo, de estímulo à mediocridade.

Práticas estas que desarmaram a sociedade soviética para os desafios ulteriores da construção socialista. Aqui, a questão da liberdade como questão política para o socialismo aparece como indispensável não só para a incorporação das amplas massas no desafio da construção socialista, mas também como pré-requisito para o próprio desenvolvimento científico e tecnológico. A história da ciência e da tecnologia está repleta de exemplos que evidenciam que só em ambiente de liberdade podemos ter elevada criatividade. Mais do que isso, a liberdade é necessária para a própria tomada de decisões sobre políticas científicas e tecnológicas. É que este desenvolvimento científico e tecnológico não pode ser completamente previsto e planejado. Exemplo recente do que estamos sustentando diz respeito às expectativas econômicas, sociais e tecnológicas geradas em relação à energia nuclear e, portanto, em relação à Física Nuclear. No final dos anos 1940 e início dos anos 1950. Entretanto o principal salto tecnológico veio de outra parte, a informática e a microeletrônica que têm por base física uma outra teoria física: a do estado sólido.

A prática do Partido e do Estado Soviético nestas questões e neste período apresenta resultados essencialmente negativos. É evidente que não examinamos aqui a política científica posta em prática na experiência socialista e que levou a um rápido desenvolvimento da ciência e da técnica. Expressão desse desenvolvimento é o fato de que a URSS colocou o primeiro satélite artificial, o Sputnik, e o primeiro homem no espaço, I. Gaguárin, no final dos anos 1950. E nem examinamos o conjunto das experiências de relacionamento entre marxismo e ciências naturais que apresenta importantes elementos de riqueza filosófica e científica. Também não foi objeto do nosso exame as imensas conquistas sociais no terreno do emprego, educação, saúde, habitação etc., obtidas pelos trabalhadores nesta primeira experiência socialista. Mas, o exame das questões da relação ciência/filosofia apresenta este resultado que formulamos. Estes resultados essencialmente negativos guardam correlação também com os seus efeitos propriamente políticos. É que estes acontecimentos fixaram aos olhos de uma parcela importante da opinião pública mundial uma imagem do materialismo dialético como uma filosofia superada, incompatível com o moderno desenvolvimento científico. São problemas que já vinham de antes da guerra, mas apresentam-se cristalizados no pós-guerra.

Orival Freire Jr. é Professor da UFBA e doutorando em História da Ciência pela USP.

Notas
1. Por ocasião da morte de Zhdanov, em 10 de setembro de 1948, Rui Facó, então dirigente do Partido Comunista do Brasil, publicou na revista Problemas, n. 13, p. 106, um artigo que situa a trajetória de Zhdanov no partido bolchevique, mostrando que desde 1930 quando foi eleito membro do Comitê Central no 16º Congresso ele integra o núcleo dirigente do partido. O historiador Vittorio Strada mostra que a partir do início dos anos 1930 as duas principais referências do marxismo leninismo no campo da cultura serão Gorki e Zhdanov (in Hobsbawn, E. J. História do Marxismo, Paz e Terra, 1987, v. 9, p. 148). Além disso sobre o tema em foco foram adotadas resoluções pelo Comitê Central do partido bolchevique.
2. “O realismo socialista, o método fundamental da literatura soviética, exige do artista uma figuração verídica e historicamente concreta da realidade em seu desenvolvimento revolucionário. Ao mesmo tempo, a veracidade e a concreticidade histórica da figuração artística da realidade devem se unir à tarefa da remodelação ideológica e da educação dos trabalhadores no espírito do socialismo (História do Marxismo, v. 9, p. 1, 1992). Ou seja, a obra literária que não adotasse o realismo socialista como “método” seria considerada uma obra não soviética ou anti-soviética, com todas as implicações políticas desta caracterização.
3. Problemas, n. 20, 1949, p. 88-106 e Princípios, n. 8, 1984.
4. Na doklade Zdhanova. Rasskaz D. D., in Pamiat, Istoritcheski Sbornik, Paris, n. 2 ,1979, p. 449-450, apud História do Marxismo, v. 9, p. 217-218.
5. Problemas, n. 21, 1949, p. 19-39.
6. Problemas, n. 7, 1947, p. 62-81.
7. Este sentido a ser dado à luta na Filosofia foi apreendido pelos marxistas no mundo inteiro. No Brasil, por exemplo, Rui Facó, então dirigente comunista escreve num artigo necrológico sobre Zhdanov que este “faz uma crítica arrasadora de todas as influências idealistas ainda existentes no setor da filosofia soviética, mostrando serem essas influências as causas fundamentais de suas debilidades”. Problemas, n. 13, 1948, p. 120. Esta orientação impressa à filosofia soviética teve variados desdobramentos. Em 1953, por exemplo, num artigo denominado “Contra o subjetivismo nas ciências da natureza”, publicado no Pravda e reproduzido no mundo inteiro, Y. Jdanov apóia-se na obra Os problemas econômicos do socialismo na URSS, de Stalin, para extrair conclusões filosóficas gerais onde a objetividade das leis naturais é apresentada como que implicando uma absolutização do objeto e conferindo um papel passivo e completamente subordinado ao sujeito. Neste artigo ele investe em defesa do “método objetivo pavloviano” e contra a visão de Niels Bohr sobre a relação sujeito/objeto na Física Quântica, problemas que examinamos neste artigo. (La Nouvelle Critique, n. 44, 1953, p 104-110 e Problemas, nº 47, 1953).
8. Para o exame deste debate ver Freire Jr., O. “Estudo sobre interpretações (1927-1949) da teoria quântica. Epistemologia e física”, dissertação, USP, 1991.
9. TERLETSKY, I. P. “Problemes du development de la theorie quantique”, in Questions Scientifiques, t. 1, p. 131-146, Les Editions de la Nouvelle Critique, Paris, 1952.
10. GRAHAM, L. R. Ciencia y Filosofia en la Unión Sovietica, Siglo Veintiuno de España, Madrid, p. 102, 1976.
11. As restrições aos partidários da genética de Mendel/Morgan começaram bem antes do período que estamos examinando. Em 1930 a Academia Comunista conclamando à bolchevização da ciência, condena os trabalhos do geneticista Serebrovisky, mas não aprova as teses lamarckistas. Expressivo desta tendência, já nos anos 1930, a resolver institucionalmente disputas científicas e filosóficas é que um ano antes o geneticista I. I. Agol tinha proposto, sem êxito, a condenação das teses lamarckistas (“Soviet Marxism and Natural Science”. Joravsky, D. Routledge and Kegan Paul, London, p. 301-7). No final da década as restrições foram ainda mais fortes. Vavilov, geneticista de renome mundial, ficou marginalizado do Congresso de Genética realizado em Moscou em 1939, teve que recusar a sua eleição para a presidência do VII Congresso Internacional de Genética a se realizar em Edimburgo e, desde outubro de 1939, nenhuma notícia sua foi obtida no Ocidente, supondo-se a sua morte no exílio em Magadan (Sibéria). (WETTER, G. A Filosofia y Ciencia en la Unión Sovietica, Guadarrama, Madrid , 1968, p. 110).
12. Problemas, n. 16, 1949, p. 52-79.
13. WETTER, idem, p. 111-112.
14. WETTER, idem, p. 139.
15 LURIA, A. R. “Vygotsky”, in Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, VYGOTSKY, L. S. et alii, EDUSP, SP, 1988, p. 22. Este texto é uma boa apresentação à obra de Vygotsky. Para uma visão de conjunto deste pensamento ver Cadernos Cedes, n. 24, 1991, “Pensamento e Linguagem, estudos na perspectiva da psicologia soviética”, Ed. Papirus.
16. LURIA, idem, p. 22-23.
17. COLER, M. e SCRIBNER, S. “Introdução”, in A Formação Social da Mente, VYGOTSKY, L. S., Livraria Martins Fontes, SP, 1984 e CIPPOLA-NETO, J.; MENNA-BARRETO, L. S.; ROCCO, M. I. F.;OLIVEIRA, M. Kohl de, “Apresentação”, in Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem, VYGOTSKY, L. S. et alii, EDUSP, SP, 1988.
18. WETER, idem, p. 142-143. Ver repercussão destas posições entre psicólogos marxistas franceses em La Nouvelle Critique, nº 45; 1953, p. 228-232 e p. 322-323.
19. Dois exemplos: Na França os marxistas desenvolveram intensa atividade editorial no pós-guerra onde estas teses encontraram a mais ampla acolhida. O PCF editou, a partir de 1952, uma coleção denominada Questions Scientifiques, com números dedicados à Física à Química e à Biologia. Os volumes apresentavam exclusivamente artigos de autores soviéticos defendendo as teses aqui examinadas. A leitura do La Nouvelle Critique no período que vai até 1955 apresenta uma extensa gama de artigos franceses e soviéticos laudatórios destas teses. Mas o movimento comunista francês não só divulgou tais posições como desenvolveu-as. Já em 1949 uma “comissão de filosofia da ciência do círculo de estudos dos filósofos comunistas” publica um artigo assinado por M. Darciel, J. Desanti e G. Vassail com o título “Ciência burguesa, ciência proletária”. Este artigo trata o problema da ciência sem estabelecer nenhuma diferenciação entre ciências humanas, onde se põe o problema dos interesses de classe no conhecimento, e ciências da natureza onde o problema não tem esta conotação. Mas a definição dada por estes autores para este problema dispensa comentários. Vejamos o que eles dizem: “Que chamamos nós, efetivamente, hoje, de ciência burguesa? Aquilo que a burguesia dos países imperialistas continua a produzir para subsistir como classe exploradora e perpetuar seus benefícios. Que chamamos hoje ciência proletária? Aquilo que o proletariado vitorioso na União Soviética, construtor da sociedade sem classes” (La Nouvelle Critique, n. 8, p. 41). Este movimento teve seu ápice em 1953 com a realização das Jornadas Nacionais de Estudos dos Intelectuais Comunistas (La Nouvelle Critique, nº 45, 1953, com as atas destas jornadas). Nestas jornadas os chamados Círculos de físicos e de psicólogos chancelaram todas estas teses que aqui estamos discutindo. Chama a atenção que o relatório do grupo de biólogos, feito por Mareei Prenant, não contém uma única referência a Lyssenko e a suas teses.
No Brasil a revista Problemas em seus 66 números, entre 1947 e 1955, publicou dois únicos artigos sobre ciências da natureza: a intervenção de Lyssenko de 1948 e um artigo de W. Rochet, da direção do PCF, (Problemas, n. 18, 1949, p. 89-101) elogiando as teses de Lyssenko.
20. Para uma análise da polêmica estabelecida em torno da teoria da ressonância de Linnus Pauling consultar: “L’exemple de la chimie sovietique, a propos de “questions de chimie”, le cercle des chimistes”, La Nouvelle Critique, n. 45, 1953, p. 61-73 e WETTER, obra citada, p. 75-79.
21. Na interpretação de uma dada teoria o exemplo aqui examinado das divergências entre Bohr e Einstein é ilustrativo desta interação ciência/filosofia. Na criação de uma nova teoria esta interação é bem mais complexa. Porém, se considerarmos que o conhecimento científico tem a dimensão de representação da realidade, mas tem também uma dimensão de construção, de elaboração de conceitos, de formulação de leis e relações, é claro que não só a concepção filosófica, mas toda a bagagem cultural interfere no processo de elaboração/construção. Contudo, pensamos como Paty: “as considerações gerais sobre a natureza exata desta relação são ainda imprecisas e somente o exame das situações efetivas e das idéias dos cientistas, em sua diversidade, pode nos instruir.” (PATY, M. “A dimensão filosófica do trabalho científico”, Novos Estudos CEBRAP, n. 28, 1990, p. 130).
22. LENINE, V. I. Materialismo e Empiriocriticismo, Estampa, Lisboa, 1975, p. 95.
23. Em 1984 escrevemos uma resenha deste livro sem situá-la no conjunto do pensamento filosófico de Lênin incorrendo no erro que aqui criticamos. (Princípios, n. 8, 1984, p. 39-43).
24. LENINE, V. I. “Cadernos Filosóficos”, Avante, Lisboa, Obras Escolhidas em 6 tomos, t. 6, 1989, p. 295.
25. LÊNIN, V. I. “Significado do materialismo militante”. Obras Escolhidas em 3 vol., v. 3, Alfa-Ômega, 1980, p. 567-68.

EDIÇÃO 21, MAI/JUN/JUL, 1991, PÁGINAS 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78