Convivência difícil com a social-democracia
O trabalho de massas e as alianças entre comunistas e social-democratas sempre se revelaram difíceis. Implicam intrincados problemas da tática e da estratégia, da própria batalha da hegemonia e direção de luta de classes, demarcando os campos na era da superação do capitalismo pelo socialismo.
Assim, o debate de um problema tático fundamental, a frente única operária, atravessou quase toda a trajetória da III Internacional. Em cada Congresso da IC assumiu novos contornos, derivados dos combates de classe em nível mundial. A partir do 2º Congresso (1920), Lênin e o Komintern situam o problema da frente operária “para ganhar a maioria da classe”. Em 1922 o fascismo ascende ao poder na Itália, pondo em relevo uma viagem na situação européia. Entre 1922 e 1923 (3º e 4º Congressos da IC) a frente operária orienta-se para “arrancar as massas sob influência da social-democracia”.
É, porém, o 5º Congresso, de junho-julho de 1924, meses após a morte de Vladimir Lênin, que inaugura a radicalização do debate e as dificuldades na prática política dos partidos comunistas. É exatamente sobre esse congresso que intelectuais ex-marxistas e historiadores de várias tendências procedem a análises incompletas, retocadas pela manipulação ou requintada mutilação do nexo dos fatos. Aferrados ao formalismo lógico, alguns concluem até que o 5º Congresso foi o “da viragem da concepção tática da IC”.
O congresso caracteriza o período em curso como “estabilização temporária, parcial, do capitalismo”. Entre 1922 e 1924 inicia uma fase de ascenso na economia capitalista. A produção industrial de 1925 supera em 25% a de antes da guerra. O capital se concentra e se centraliza. Datam de então os grandes monopólios” Imperial Chemical (Inglaterra), Ford (EUA), Citroen e Renault (França). O Tratado de Versalles-Washington, de fins de 1919, busca repartir o mundo diante da nova correlação de forças. E o Plano Dawes (1924) exime a Alemanha das reparações de guerra. Os acordos de Locarno garantem a inviolabilidade das fronteiras ocidentais alemãs, sem qualquer compromisso com os limites a Leste, indicando rumo da futura expansão germânica.
Pequenas melhoras salariais, embora circunscritas a alguns ramos da economia, são repassadas aos operários de 87 a 92 (em pontos); a França, de 107 a 109; na Alemanha de 74 a 98. Ainda assim, em 1924 a Alemanha registra 682 mil grevistas, a Áustria 294 mil, os Estados Unidos 655 mil, a França 275 mil, a Grã-Bretanha 613 mil e a Itália 183 mil grevistas.
Kautsky imagina o Estado cada vez mais como um órgão supraclassista
O informe do húngaro Eugen Varga, especialista em economia da IC, apontava: “(…) a economia mundial não alcançou ainda, em 1923, que é o melhor ano do pós-guerra, o nível de 1913”. Distinguia a situação dos EUA comparativamente ao velho território industrial europeu: “Em 1913 os EUA produziam 42% do aço mundial, em 1924, 62%. A Inglaterra produzia 10,2 milhões de toneladas, agora produz 7,6 milhões. A Alemanha passou de 19,2 para 5 milhões”. Varga registrava ainda de 5 a 6 milhões de desempregados nos países capitalistas, “subestimados, aduzia, incluindo casos como o da Inglaterra, onde operários estavam desempregados há três anos”.
Ainda segundo Varga, três “fenômenos novos”marcavam o quadro internacional:
1- O fim da economia capitalista enquanto um sistema que abarca o mundo todo;
2- uma crise especial dos países industrializados da Europa Ocidental, em meio à crise geral; e
3- a crise agrária. “Acreditamos que vamos para uma crise mundial geral”, afirmava, ponderando que “as reparações (de guerra) conduzirão a uma melhoria da situação européia”.
A atmosfera mundial, no entanto, entusiasmava até o magnata americano Henry Ford que, embalado pela idéia corrente da “era da prosperidade eterna”, afirmou, em 1924: “Agora somos sócios. Nós investimos dinheiro na produção, os operários investem sua energia e sua maestria”.
Entre 1924 e 1927, Karl Kautsky e Rudolf Hilferding, principais dirigentes e ideólogos do Partido Social-Democrata Alemão, difundiram largamente suas teorias: o crescimento dos monopólios e as tendências monopolistas do Estado restringem a concorrência, conduzem à superação da anarquia da produção e significam a passagem ao “capitalismo organizado, onde o Estado é cada vez mais um órgão supraclasssista. Ao se organizar a representação da classe operária no Estado, nos órgãos econômicos dos monopólios, pode-se conseguir a transferência gradual da direção do capitalismo organizado à própria sociedade, o que será a transição ao socialismo”.
O 5º Congresso da IC, em suas resoluções, combatia firmemente as teses social-reformistas do PSDA: “A estabilização temporária ocorria nos marcos do capitalismo e carregava a possibilidade de novas explosões sociais e choques interimperialistas”.
Após a morte de Lênin inicia-se uma longa etapa de divergências políticas e ideológicas sobre o papel e os objetivos dos comunistas. Grigori Zinoviev – até então aliado de Stalin na crítica ao trotskismo – abre a discussão política do 5º Congresso. O informe A atividade e a Tática da Executiva interliga dez questões e destaca “Os problemas da tática”.
Ele inicia reafirmando a atualidade da resolução do 3º Congresso da IC, que condicionava a vitória sobre a burguesia e a social-democracia à conquista da maioria (dos operários), dizendo: “Quanto mais escandalosas sejam as traições dos social-democratas, (…) mais (…) devemos, pois, continuar lutando para arrastar a maioria decisiva das categorias do proletariado. É uma das consignas essenciais de Lênin”.
Ao entrar no problema da tática de frente-única, Zinoviev busca atualizá-la em relação ao 4º Congresso. Aponta “concessões” ali onde deduziu-se das resoluções da IC a aliança dos comunistas com os “governos operários” em geral, contra os governos burgueses. Em verdade, a burguesia levou ao governo “partidos operários” na Inglaterra, Dinamarca e Austrália, produzindo grande desilusão entre os trabalhadores e resultados desastrosos. Recordando o artigo de Lênin Acerca dos compromissos (que considerava, em setembro de 1917, uma possibilidade “extremamente rara na história”, a defesa do governo social-revolucionário e menchevique), Zinoviev distingue tática e manobra estratégica como sendo coisas muito diferentes de uma teorização acerca da participação dos comunistas numa coalizão democrática e pacífica com todos os partidos operários, “que só de nome são operários e na realidade são o terceiro partido da burguesia”. O fato é que não era possível reafirmar a mesma conduta política frente à social-democracia.
Qual a fórmula da frente única? Como abordar a relação dirigentes-massas social-democratas? Assim sintetizava Zinoviev: “Frente-única por baixo quase sempre (exceto, na guerra civil, com os operários contra-revolucionários); frente-única por baixo e por cima (com chefes social-democratas) com bastante frequência, tomando-se todas as precauções para a mobilização revolucionária das massas; frente-única somente por cima, jamais”.
Esquerdistas tchecos e alemães consideravam a frente-única uma tática revisionista
Zinoviev critica o trotskista Rádek, que o acusa de revisar a tática do 4º Congresso; qualifica de esquerdismo as posições de dirigentes comunistas alemães e tchecos, que consideravam “revisionismo” a tática de frente-única; argumentava ainda contra o reboquismo dos comunistas que atuavam como ala esquerda do Partido Trabalhista (Independente) da Inglaterra, mas omitiam-se na crítica à fração majoritária do partido. Sem deixar margem a dúvidas sobre a tática de frente-única, Zinoviev enfatiza: “Não se trata de revisá-la. Não há necessidade. Não se trata de inventar uma ‘nova’ tática (…) Trata-se simplesmente de precaver a Internacional Comunista contra sua interpretação oportunista”.
Durante os debates, Clara Zetkin fustiga Zinoviev, argumentando que inevitavelmente governos operários como os de MacDonald e Scheidemann chegariam ao poder antes da vitória da revolução proletária. Os governos operários que defendemos – responde Zinoviev – são resultado da luta da classe operária pela revolução proletária. Rádek pergunta, ironizando, se os comunistas nunca figurarão num mesmo governo com os social-democratas. Zinoviev rebate dizendo que o importante é estabelecer que existem dois sistemas políticos que se confrontam. Amadeo Bordiga, ultra-sectário, diz que ninguém pode garantir que a IC não venha a se transformar em uma Internacional reformista.
O núcleo da resolução do 4º Congresso sobre a frente-única diz que seu objetivo principal é unir, através da agitação e da organização, as massas operárias; que a tática deve ser aplicada de diferentes maneiras, conforme cada país e suas condições concretas. Encerrando o debate sobre o tema, Zinoviev afirma: “Considero, camaradas, que há, sem dúvida, coisas que devem ser mudadas em suas fórmulas, mas a linha do 3º e do 4º Congresso permanece. O que temos que revisar e liquidar são as alterações oportunistas”.
O 5º Congresso da IC aprova exatamente a compreensão manifestada por G. Zinoviev na questão da frente-única. Nada além.
O episódio do assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, em 1919, covardemente acobertado por Ebert, chefe do PSDA, e P. Scheidemann, em seguida chefe de um governo social-democrata, assinala a nova rota de traição da social-democracia.
Durante o I Congresso da IC, em março de 1919, Lênin caracterizou a conferência dos partidos social-democratas e centristas no mês anterior, em Berna, como a reorganização dos agentes do imperialismo internacional que trabalhavam no interior do movimento operário, para fazer penetrar “as idéias burguesas e a depravação burguesa” (1).
Entretanto, só em 1923 há a unificação entre a II Internacional e a Internacional “dois e meio”, centrista, encabeçada especialmente por Otto Bauer, líder do Partido Social-Democrata Operário da Áustria. Com o nome de Internacional Operária Socialista, ela realizaria mais três congressos: em Marselha, 1925; em Bruxelas, 1928; e o último em Viena, 1931. Dois anos depois, uma conferência da IOS em Paris resolve chamar “à luta contra o fascismo…”. E com isso implode a organização, pois na prática libera os partidos filiados para atuarem como quiserem quanto à unidade com os comunistas contra o fascismo. Em 1940 a IOS deixa oficialmente de existir.
O movimento fascista surge na Itália durante a Primeira Guerra. Continua através dos Fasci di Combattimento fundados por Benito Mussolini em 1919, em Milão. Tem como direção central do ataque os bolcheviques. De 1919 a 1922, o país passa por situações de crise revolucionária, derrocada das instituições políticas, grande insatisfação das massas operárias e camponesas, confluência de forças populares e revolucionárias. Em 1922, Giolitti, velho estadista burguês, propõe um programa com base da colaboração entre os dois maiores partidos, o popular e o socialista (este ligado à II Internacional). Mas apóia-se no movimento fascista armado. Operários sublevam-se e ocupam as fábricas. A burguesia Italiana adere ao fascismo. Mussolini defende no partido fascista um pacto de pacificação com o PS. “Os socialistas, sob pressão da ala direita e com a saída dos comunistas do partido, em 1921 (referência à 'ala esquerda' que em seguida funda o PCI), aceitam o pacto. Mussolini o assina e sob este texto vocês podem encontrar as assinaturas dos elementos mais destacados do movimento socialista”. (2) O pacto não resolve a crise italiana e em fins de 1922 Mussolini marcha sobre Roma, tomando o poder. O colaboracionismo dos social-democratas com os governos da burguesia vem da Primeira Guerra. Inúmeros dirigentes de partidos social-democratas participaram diretamente da gestão dos Estados capitalistas. Após a ascensão do fascismo italiano, o problema volta com força a ser debatido, no 1º Congresso da IOS, em 1923.
Ala direita tratava as massas como ignorantes e incapazes de dirigir o Estado
Uma ala direita do congresso adotava a via do cretinismo parlamentar. Ramsay MacDonald, do Partido Trabalhista (Independente) inglês, chefe de governo, justificava o reformismo amplamente majoritário na IOS, afirmando que as massas são ignorantes e incapazes de dirigir o Estado. Mas foi o próprio K. Kautsky que fundamentou a inevitabilidade dos “governos de coalizão”. Já em 1922, no livro A revolução proletária e seu programa, após tergiversar sobre a desilusão que esperava os socialistas “parlamentaristas”, ele recomendava, em quaisquer condições, a participação de social-democratas em governos burgueses, “enquanto o proletariado não tem ainda condições de conquistar cabalmente para ele o poder político, mas já é forte o suficiente para impedir que qualquer um dos partidos burgueses se sustente no poder à revelia da vontade da classe operária” (3).
Os “centristas” e a “esquerda” da IOS protestavam, negando “as regras parlamentares do jogo”. Mas não representavam uma alternativa no 1º Congresso. O desgaste, especialmente perante as bases operárias, e a enérgica oposição do Partido Socialista Francês e do Partido Social-Democrata Operário da Áustria, impediram a oficialização do colaboracionismo nas resoluções do congresso. Aliás, dos grandes partidos filiados à IOS, apenas estes dois não participaram de nenhum governo entre 1924 e 1929.
Na Bulgária, em setembro de 1923, o governo fascistóide de Tzankov mandou matar cerca de 5 mil comunistas, prender, espancar e mutilar 15 mil pessoas. Mulheres foram violentadas, cidades e povoados devastados. Segundo o dirigente comunista búlgaro, George Dimitrov, foram “crueldades e atrocidades que o povo búlgaro nunca suportou em tão grande escala, nem sequer durante os cinco séculos de jugo otomano” (4). Era a repressão à insurreição de setembro. Tzankov reuniu contra ela banqueiros, generais, velhos militares macedônios, “socialistas de direita, covardes, carreiristas… O Partido Social-Democrata, que está a serviço deste governo para cobrir sua vergonhosa nudez, está minado por uma crise aguda e dolorosa” (5). A insurreição de setembro foi afogada em fogo e sangue com ajuda direta da social-democracia búlgara.
Em agosto de 1923, na Alemanha, uma poderosa greve geral põe abaixo o ministério Kuno, submisso às imposições da França quanto ao cumprimento do tratado de Versalhes. Uma profunda crise político-social agita o país. A ala direitista da social-democracia entra novamente no governo. E a história parece repetir-se, meio tragédia, meio farsa. Em outubro, Ernst Taelmann, do PCA, assume pessoalmente a sublevação operária e popular em Hamburgo contra o governo. Cerca de 6 mil soldados massacram os insurretos que, isolados, resistem por três dias. O setor contra-revolucionário da social-democracia colabora na carnificina, tal como ocorrera em 1919, no assassinato de Rosa e Liebknecht.
Assim, no período que antecede o 5º Congresso da IC (1928) e mesmo a seguir, a grande maioria dos partidos social-democratas evoluiu para posições abertamente burguesas e contra-revolucionárias.
Linha de colaboração encontra resistência de um setor de esquerda combativo
Evidentemente este desenvolvimento teve suas contradições. Na França, por exemplo, as tradições combativas do proletariado dificultaram o assalto oportunista às fileiras da Seção Francesa da Internacional Operária (SFIO) e do PS. Leon Blum, dirigente da SFIO, manteve-se à esquerda de Kautsky. Contrapunha, ao “governo de coalizão” kautsquista, o “exercício e a conquista do poder”. Em 1927, frente à “racionalização capitalista”, Blum afirmou: esta “leva o capitalismo à revolução social”. Como dirigente da “esquerda” social democrata francesa, criticou abertamente a via parlamentar para o socialismo: “Prevemos – dizia, em 1928 – que a revolução social ficará diante dessa mesma necessidade prática (histórica) e é por isso que consideramos a ditadura do proletariado como uma conseqüência quase inevitável da revolução social”.
Largo Caballero, dirigente da UGT espanhola e ligado ao PSOE, em 1924 aceitou o cargo de conselheiro de Estado no governo ditatorial e corporativista de Primo de Rivera. Logo a seguir o PSOE passa à oposição. No início dos anos 1930, Caballero derrota a ala direita do PSOE, é eleito secretário-geral da UGT e destaca-se no chamamento às massas para o combate à reação fascista. Em 1936, encabeça o primeiro governo da Frente Popular, com participação dos comunistas. Em um ano de grandes dificuldades no relacionamento entre PSOE e PCE, ele afirmava, no periódico O Socialista: “O proletariado não deve aceitar a necessidade de defender a democracia burguesa, mas sim lutar por todos os meios para conquistar o poder político para realizar através dele sua própria revolução, revolução socialista”. Diferenças entre os “caballeristas” e trotskistas e anarquistas, principalmente, levaram à renúncia de Caballero em 1937.
O intervalo que corresponde à “relativa estabilidade” capitalista, antes da crise de 1929-1933, assinala a expansão fascista. A falência do Plano Dawes leva os EUA, Inglaterra e França a tutelarem a Alemanha, que responde iniciando sua militarização. Aparecem as teses do “ultra-imperialismo”, defendidas por Kautsky-Hilferding. A burguesia alimenta a “psicose da guerra”; a social-democracia insiste no pacifismo, na defesa dos “princípios da democracia”, mas apóia a política colonial burguesa. Na Iugoslávia, Hungria, Bulgária, Romênia, Polônia, países de grande base agrária, a burguesia e a reação feudal-fascista lançam-se furiosamente contra os sindicatos, principalmente onde surgia, entre os trabalhadores, um segmento de esquerda, contrário à colaboração de classe.
No movimento sindical em particular, a política de frente-única estimulava e unia certas bases operárias social-democratas, contrárias à burocracia sindical da Internacional Sindical de Amsterdã. Na Itália, o Estado fascista jogou tudo no desmantelamento dos sindicatos, enquanto a IS de Amsterdã exigiu a expulsão dos comunistas. Na França, dirigentes social-democratas saíram às ruas em apoio ao governo no ataque aos sindicatos “revolucionários”. Na Bélgica houve uma verdadeira campanha de expulsão dos comunistas dos sindicatos, a pretexto de impedir os fundos de greve, doados pelas Uniões Profissionais Soviéticas. O Partido Social-Democrata finlandês, que apostava na divisão sindical, lançou a palavra-de-ordem: “Por Amsterdã, contra Moscou!”.
Diante das posições revolucionárias da URSS, que denunciava o perigo da guerra como desdobramento da crise, a IOS, em 1927, chegou a tomar a posição de “combater o fascismo e os bolcheviques, que ameaçam a paz”. E enquanto esta alardeava o “perigo vermelho”, o PSDA passou a defender a neutralidade da classe operária, caso invadissem a URSS.
Em 1930, Karl Kautsky, no livro O bolchevismo num atoleiro, afirmava: “Ainda podemos esperar um grande dia de toda a Europa, se na Rússia a situação chega a uma insurreição democrática e esta é vencedora (…) A revolução democrática na Rússia colocaria toda a Europa em movimento”.
Algumas questões merecem um breve comentário:
1- Nos documentos finais do 5º Congresso da IC encontra-se a caracterização do fascismo, e da social-democracia, como sua ala esquerda, Stalin, que não interveio durante os informes, mas participou das comissões de trabalho do congresso, escreve pouco depois, em setembro de 1924: “O fascismo é uma organização de choque da burguesia e que conta com o apoio ativo da social-democracia. A social-democracia é, objetivamente, a ala moderada do fascismo. Não há razões para supor que a organização de choque da burguesia possa ter êxitos decisivos nos combates ou no governo do país sem o apoio ativo da social-democracia. (…) Não são antípodas, mas gêmeos”.
A opinião de Stalin não deixa espaço para a definição de um alvo principal, entre os dois “gêmeos”, embora esquematize a conduta geral da social-democracia. Por outro lado, só no início dos anos 1930, e particularmente em 1935, com o célebre informe de Dimitrov ao 7º Congresso da IC, a caracterização do fascismo se completa. Antes disso, também a diferenciação das alas da social-democracia a princípio era incipiente.
2- Mesmo inspirado em um viés ”esquerdista”, o conteúdo fundamental das idéias de Zinoviev sobre a frente-única operária estava ajustado à correlação de forças de então. Não eram pequenos as debilidades, os doutrinarismos, as influências reformistas dentro da grande maioria dos jovens partidos comunistas. Também por isso o 5º Congresso dedicou grande espaço ao debate da “bolchevização” dos partidos, via reforço ideológico e organizativo.
3- Os trabalhos do 5º Congresso foram abertos com a presença de 504 delegados de 49 partidos comunistas e operários, afora outras organizações. Em julho de 1928, o 6º Congresso registra 532 delegados de 57 partidos, representando 1 milhão e 799 mil membros (inclusive os soviéticos), cerca de 480 mil a mais que em 1924.
É significativo que a IOS, em 1931, ano de seu último congresso, aglutinasse 36 partidos, com 6.204.112 filiados e 24,6 milhões de eleitores. Isto revela a envergadura de uma força política considerável, com influência operária, principalmente na Europa. Leva à conclusão de que a Revolução de 1917 desferiu um golpe demolidor nos “revisores” do marxismo, aninhados na II Internacional, mas não chegou a desbaratar as bases da social-democracia.
* Membro da Executiva Nacional da CUT e coordenador geral da Corrente Sindical Classista (CSC).
Notas
(1) LÊNIN, Vladimir I. Revista Temas. Editora de Ciências Humanas, São Paulo, 1978, p. 1.
(2) TOGLIATI, Palmiro, op. cit, p. 10 a 18.
(3) “El movimiento obrero internacional”. V Tomo, Historia y teoria, Editorial Progresso, Moscou, 1986, p. 426.
(4) DIMITROV, George. Obras Escolhidas. Vol. 1, Editorial Estampa, 1976, Lisboa, p. 223.
(5) Idem, p. 224.
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À sombra da suástica
Berlim, setembro de 1930. Nas eleições para o Reichstag (o parlamento alemão), o Partido Comunista Alemão tem 4,6 milhões de votos; o Partido Social-Democrata Alemão, 8,6 milhões; os nazistas, 6,4 milhões (oito vezes mais que no pleito de 1928!). No outono, Ernest Thalmann, dirigente do PCA, conclama os operários socialdemocratas, e todos os operários, cristãos e sem partido, assim como os comunistas, a terminarem juntos com a pirataria fascista. Propõe a luta contra o nazismo e a organização das massas para a autodefesa. O PSDA proíbe os operários filiados de participarem dos comitês, o que não impede parte deles de ingressar na "União".
Na primavera de 1932, o CC do PCA propôs finalmente uma candidatura comum à Presidência da República (Otto Braun, dirigente do Partido Social-Democrata Alemão da Prússia) contra o ascenso hitlerista. A maioria do PSDA rejeitou cabalmente a proposta, não lançou candidato e passou a apoiar o monarquista von Hindenburg, ex-marechal de campo do kaizer. Hindenburg, eleito, indicou Adolf Hitler para chefe de governo. Em janeiro de 1933, com Hitler na chancelaria, a direção do PCA faz um novo chamamento ao PSDA no sentido da adesão à Frente Antifascista Nacional. A direção do PSDA recusa o apelo, pretextando concentrar esforços nas ações constitucionais e parlamentares.
Em fevereiro de 1933, os fascistas simulam o incêndio do Reichstag e acusam os comunistas. Naquela noite, cerca de 10 mil pessoas são presas, inclusive George Dimitrov. Em março, o PCA recolhe 4,8 milhões de votos nas eleições, o PSDA 7,2 milhões, os nazistas 17,3 milhões. Hitler, para obter maioria, cassa os mandatos de 81 deputados comunistas. Em maio, a fração social-democrata no Reichstag vota favoravelmente à política exterior hitlerista. Em 22 de junho, Hitler manda fechar o Partido Social-Democrata Alemão.
Paris, 1941: Rudolf Hilferding morre nas mãos da Gestapo!
EDIÇÃO 23, NOV/DEZ/JAN, 1991-1992, PÁGINAS 36, 37, 38, 39, 40, 41