Em certa medida, o desenvolvimento da automação microeletrônica, a partir da década de 1960, tem grande relação com a própria "consciência operária". Os investimentos do patronato em novas tecnologias e métodos organizacionais objetivaram, entre outras vantagens, superar um tipo de resistência nas fábricas verificado naquele período. Ela não era organizada, mas contribuiu na queda do ritmo de crescimento da produtividade nos EUA e na Europa. Nos Estados Unidos, por exemplo, ele caiu de 3,2% entre 1958-66 para 1,6070 no período 1966-74.

Essa "resistência informal" se manifestou no crescimento do absenteísmo (faltas ao trabalho) e do turn-over (abandono do emprego), no descaso crescente dos trabalhadores para com a produção (refletido no aumento dos refugos e reparos), e mesmo nas sabotagens e greves espontâneas do final da década de 1960. Só para ilustrar, em 1969, diariamente faltavam 5% dos trabalhadores horistas da General Motors nos EUA; esse percentual pulava para 10% nas sextas e segundas-feiras. Já na Ford, o índice de abandono de emprego (turn-over) foi de 25,2% no mesmo ano. Na Chrysler de Detroit, mais da metade dos funcionários não chegou a completar três meses de trabalho em 1969.

Somado às falhas da organização taylorista e da linha de produção fordista e à crise crônica do capitalismo, esse tipo de resistência influenciou a burguesia a procurar novas técnicas de racionalização do trabalho (CCQ, Kanbam, just-in-time e outras) e a investir em tecnologia mais avançada, na microeletrônica. Um de seus objetivos era exatamente o de "moldar" a consciência operária para enfrentar os novos desafios econômicos. É nesse esforço que a burguesia vem promovendo intensas mudanças nas normas de produção. Esse processo ainda não está concluído, mas as linhas essenciais desse novo paradigma produtivo já são visíveis.

Rosa Maria Marques, no livro Automação microeletrônica e os trabalhadores, cita quatro normas de produção que integram esse novo paradigma: "produzir com estoque reduzido, em particular o de processo; capacitar seu aparelho produtivo de flexibilidade; organizar a produção e o trabalho de forma a aumentar significativamente o controle sobre o processo produtivo; reduzir substancialmente o tempo necessário para produzir". Essas normas resultam em impactos na economia e no comportamento de classe dos trabalhadores.

“Sensações de solidão, opressão e isolamento angustiam os operários diante da automação”.

Não há dúvida de que as máquinas-ferramentas de controle numérico computadorizado (CNC), os controladores lógicos programáveis (CLPs), os robôs e o sistema CAD/CAM afetam a consciência dos operários. Além do "desemprego tecnológico", esses novos equipamentos alteram a qualificação profissional e mudam radicalmente o processo de produção – com a passagem da máquina-ferramenta tradicional para o sistema de máquinas auto-reguladas. Como ocorreu em outros momentos históricos de alteração brusca do processo produtivo, esses avanços tecnológicos tendem a jogar os trabalhadores numa certa defensiva, já que passam a enfrentar algo desconhecido e assustador.

O efeito psicológico, pelo menos no primeiro momento, é de retração, expectativa e impotência. Com base em entrevistas feitas nos Estados Unidos, no período de 1986-87, Graziela de Oliveira conclui que o conformismo e a resignação são características marcantes da atitude dos trabalhadores diante da automação microeletrônica. O psicanalista Emílio Rebecchi chega a conclusões idênticas ao analisar os efeitos na Europa, em particular na Itália. Ele fala em sensações de isolamento, de solidão, de opressão, de agressividade e outras que angustiam os operários. Há um sentimento de perda real do conteúdo do trabalho, o que confunde e dificulta o desenvolvimento da consciência.

Laís Wendel Abramo, no texto "A subjetividade do trabalhador frente à automação", publicado no livro Automação e movimento sindical no Brasil, também observa esses sintomas entre os metalúrgicos das montadoras de automóveis de São Paulo. Para ela, a introdução da microeletrônica gera uma certa robotização do trabalhador – e lembra que o termo robô é de origem tcheca e significa escravo. Com base numa série de depoimentos, ela avalia que os trabalhadores "estranham as máquinas 'que fazem tudo sozinhas', sentem-se pequenos, frágeis e diminuídos frente a elas". O curioso é que sua pesquisa também aponta um certo fascínio dos operários pelo imenso avanço tecnológico, o que num outro modo de produção poderia significar o rompimento da alienação do trabalho e melhores condições de vida.

Um outro componente importante na questão da consciência operária é que a desqualificação operada pela microeletrônica atinge principalmente os profissionais especializados, que até recentemente detinham maior controle sobre o processo de produção, maior poder de barganha nas empresas e auto-valorizavam o seu trabalho. É o caso dos ferramenteiros, principalmente os da indústria automobilística. Desde quando esse setor passou a ser o pólo dinâmico da economia capitalista mundial, eles sempre estiveram na linha de frente na resistência à exploração. No caso do Brasil, por exemplo, a retomada das greves no final da década de 1970 se deu a partir desses profissionais no ABC paulista.

Por ser um trabalho não repetitivo, e por isso mesmo não padronizado, o capital sempre teve dificuldades de controlar esses profissionais. Os métodos tayloristas e fordistas e as anteriores inovações dos instrumentos de produção não conseguiram moldar essa e outras profissões especializadas. Agora, com a microeletrônica, isso já se torna possível. Através de um comando numérico computadorizado, por exemplo, o ferramenteiro deixa de ter o controle sobre a máquina. O seu conhecimento é repassado para o programa de computador (soft) e este – na maioria das empresas – é localizado fora da produção. "O trabalhador agora simplesmente aperta um botão e a máquina inclusive diz para ele se a operação foi certa ou não", relata um operário de uma montadora de automóveis instalada em Taubaté (SP). Os efeitos dessa mudança já se fazem sentir na Europa, onde esses setores especializados passam por uma fase de certo defensismo e há inclusive queda no índice de sindicalização.

Na outra ponta, entre as poucas funções que são valorizadas com o advento da microeletrônica, encontram-se as dos técnicos – principalmente os vinculados à eletrônica e à informática. Esses trabalhadores sempre foram mais reticentes a participar das lutas operárias. Eles estão mais próximos da hierarquia das empresas; rejeitam inclusive a definição de operários (blue collors), considerando-se funcionários do escritório (white collors). É verdade que a microeletrônica faz com que se aproximem dos produtores diretos, mas o que se observa é que ainda não possuem consciência de classe, são mais facilmente envolvidos pela ideologia patronal. Nos cursos promovidos pelas empresas, eles são treinados unicamente numa visão tecnocrática, individualista.

"Em vez de musiquinha os robôs vão anunciar que tal dia nós entramos em greve".

Nesse sentido, a disputa pela hegemonia desse setor ganha destaque e essa é uma questão-chave na atualidade. Na maioria, são trabalhadores jovens, com certo nível de escolaridade, novas exigências culturais e ardorosos defensores das novas tecnologias – porque, no momento, são beneficiados por ela. Como já se observa na Europa, o simples discurso sindical, economicista, não atrai essa parcela de trabalhadores. O mesmo se dá com o discurso doutrinarista, dogmático. Essa camada exige maior preparo da militância sindical e/ou revolucionária para se engajar nas lutas. Mesmo os instrumentos usuais do sindicalismo, como as assembléias, não possibilitam maior aproximação, já que dificilmente aprofundam o debate sobre a nova realidade.

Com a microeletrônica também aumentam de importância algumas funções de operação e de manutenção dos novos equipamentos. E aqui se encontra um perigoso gargalo para a burguesia. Esses trabalhadores são responsáveis pela manutenção e otimização de máquinas avançadas e caras. Equipamentos que funcionam num sistema integrado que envolve toda a fábrica, garantindo a rapidez e a flexibilidade na produção. Além disso, esse novo paradigma produtivo, adaptado ao mercado em crise, exige que o estoque seja reduzido, diminuindo o capital circulante, e que não haja refugos e retrabalhos. Todos esses fatores demonstram a importância crucial que esses operários adquirem nas novas condições. Na era da microeletrônica, a parada de uma máquina ou a queda da qualidade do processo produtivo pode ter como consequência a paralisação do conjunto dos trabalhos da fábrica. Uma greve na central de computadores, por exemplo, afeta toda a produção. Na prática, o que a microeletrônica mostra é que a fábrica moderna é mais dependente da ação coletiva dos trabalhadores. O capital se torna mais vulnerável. Conscientizados, os trabalhadores detêm muito maior poder em suas mãos, mesmo com a diminuição do número absoluto de empregos.

O depoimento do metalúrgico de uma montadora de automóveis do ABC paulista, reproduzido por Laís Abramo, é emblemático: "O robô quando passa toca uma musiquinha. Então nós começamos a falar: 'isso aqui nós vamos usar um dia'. Quando entrarmos em greve, nós vamos trocar as fitas dos bichos e eles vão fazer o nosso trabalho. Em vez de tocar a música, eles vão falar: 'Olha pessoal, tal dia, tal hora, estamos em greve'! Se eles produzem para um lado, vamos tentar, de uma maneira ou de outra, que eles produzam para nós".

A burguesia já percebeu esse grande perigo. Não é para menos que ela tem combinado a introdução da microeletrônica com a difusão dos novos métodos de organização – na maioria dos casos, estes são inclusive implementados primeiro para garantir a plena utilização das novas tecnologias. Para o capitalista, torna-se vital o maior envolvimento desses trabalhadores, sejam eles operadores, técnicos em eletrônica, analistas de sistema, controladores ou operários da manutenção. A sofisticação dos equipamentos e a maior integração do processo produtivo exigem o aumento da sua "participação", a sua corrupção ideológica. CCQ, just-in-time e outras técnicas "participativas" – verdadeiras ratoeiras do capital – se alastram em função disso.

Outra medida usada pelas empresas é a de isolar essas tarefas de ponta. O Centro de Processamento de Dados da Volkswagen no Brasil, por exemplo, que é considerado o mais avançado da indústria automobilística, está dividido em dois. Um funciona na unidade de São Bernardo do Campo e outro no bairro paulistano do Jabaquara. Essa duplicação decorre das normas de segurança da empresa. Em caso de greve, o CPD do Jabaquara entra imediatamente em funcionamento. A burguesia também procura afastar ao máximo os quadros médios dos operários da linha de produção. Conforme alerta Benjamin Coriat, "para conduzir e manter as instalações automatizadas, as direções se orientam, na prática, para os 'jovens com potencial'. Formação intensiva e constantemente atualizada, classe de promoções específicas, mas também isolamento em determinadas partes da instalação, refeições tomadas em comum (…) servem para constituir um 'espírito' que pode se desenvolver com mais facilidade na medida em que o trabalho com os autômatos é específico, limitado, supõe cooperação e interesse pela tecnologia".

“Surge o "homem de vidro", transparente, vigiado pelo patrão, via computadores”.

Além disso, é sempre bom lembrar que as novas tecnologias permitem um maior controle do capital sobre o trabalho. Surge o que está sendo chamado na Europa de "homem de vidro", um operário mais transparente, mais facilmente vigiado pelos patrões – via computadores. Consequentemente, diminui a autonomia dos operários no interior das fábricas. Mesmo as tarefas de supervisão, antes facilmente identificadas na figura do chefe, passam a ser desempenhadas pelos próprios trabalhadores com o auxílio da microeletrônica. O resultado é o acirramento da divisão no seio da própria classe.

Pode-se dizer inclusive que as novas tecnologias representam um salto de qualidade no que se refere ao controle do capital sobre o trabalho. Desde o nascimento do capitalismo a burguesia procura aperfeiçoar esse domínio. Mas, como já foi dito, todas as técnicas anteriores de gerenciamento e mesmo os antigos instrumentos de trabalho nunca conseguiram estabelecer um controle mais rígido sobre uma parcela dos operários especializados e nem se expandir para outros setores da economia. Só a microeletrônica é que vai possibilitar esse salto. Ela irá simplificar as tarefas mais complexas, menos repetitivas.

Através da microeletrônica e da informática, o capital passa a deter maior controle em setores como o comércio, os escritórios, os bancos e mesmo na agricultura – que estavam imunes aos princípios tayloristas. "A tecnologia da informática é uma tecnologia de coordenação e controle de força de trabalho dos trabalhadores de escritório, os quais a organização taylorista não consegue abranger", reconhece o gerente-geral da Olivetti, Franco Benedetti. Com o uso do sistema CAD/CAM, até mesmo tarefas de concepção, como a dos projetistas, são simplificadas, codificadas. O levantamento da rede ferroviária francesa que exigia, em média, três dias de trabalho de um desenhista, com o CAD/CAM passou a ser feito em 40 minutos. O desenho de uma casa, que um projetista no sistema anterior demorava dois dias para executar, agora é feito em duas horas no terminal de um computador.

Rosa Maria Marques também destaca o fato de a "microeletrônica possibilitar às multinacionais acompanharem, em tempo real, o que ocorre em cada filial. Essa maior integração, somada à homogeneização dos processos alcançados pela automação, permite que as empresas tenham maior possibilidade de alterar a produção e o envio de material, de acordo com as variações de preço, mercado e mesmo em decorrência de questões sindicais". Henrique Rattner, no livro Informática e Sociedade, lembra que uma multinacional, que ele não nomeia, dispõe de um serviço de comunicação interno ligando mais de 500 computadores, espalhados por 100 cidades situadas em 18 países. Já Gonzalo Falabella cita, no livro Automação e Movimento Sindical no Brasil, o caso da Ford de Detroit, "que recebe dia e noite, e a cada momento, informações sobre todas as suas fábricas no mundo".

Todos esses transtornos gerados pela microeletrônica foram sentidos de imediato pelo movimento sindical dos países industrializados. Segundo Piercarlo Maggiolini, autor do livro As negociações trabalhistas e a introdução de inovações tecnológicas na Europa, os sindicatos da Noruega foram os primeiros a firmar acordos tratando da questão, no início da década de 1970. Atualmente, as várias centrais sindicais européias tomam iniciativas para contornar os efeitos devastadores da microeletrônica.

Na Inglaterra, por exemplo, já existe mais de uma centena de acordos administrativos sobre as novas tecnologias. Na França, a pressão sindical dos trabalhadores conseguiu que o governo introduzisse, em 1982, mudanças no código de trabalho, garantindo maior acesso às informações e o uso de peritos na discussão dos efeitos da automação. Na Alemanha, as leis sobre co-gestão, a partir de 1972, também prevêem a participação dos conselhos de empresa, dos sindicatos e da central sindical (DGB) na discussão do assunto.

“Sindicatos cuidam de preservar empregos e proteção dos dados sobre cada operário”.

Levantamento feito pelo autor indica que a maior parte das reivindicações do sindicalismo europeu diz respeito ao direito de informação e participação no processo de introdução das novas tecnologias. Para garantir esse acesso, a Federação dos Sindicatos Nórdicos (NFS), por exemplo, conquistou o chamado "delegado para informática", que acompanha os projetos de implantação dos equipamentos microeletrônicos desde o seu estágio inicial. Como explica um documento da central inglesa (TUC, Trade-Union Congress), "é na fase de projeto de um novo sistema que serão tomadas as decisões que se referem à influência da tecnologia sobre aqueles que trabalham com ela".

A preocupação básica do movimento sindical na atualidade é com a preservação do emprego. Nesse sentido, a bandeira da redução da jornada de trabalho faz parte do grosso das pautas de reivindicação. Sem dúvida, é a exigência que mais corresponde ao estágio atual da automação microeletrônica. Há ainda outras propostas, como a da diminuição da idade de acesso à aposentadoria e da ampliação da idade de ingresso no mercado de trabalho. Apesar de objetivarem o aumento da oferta de trabalho, ambas são questionadas e têm pouca eficácia. Primeiro porque o desemprego tecnológico já vitima principalmente os jovens, as mulheres e os idosos. Além disso, a proposta teria um conteúdo discriminatório, excluindo do mercado de trabalho importantes segmentos da população. Há também a exigência da reciclagem profissional, garantindo cursos e o reaproveitamento em tarefas de qualificação comparável para os afetados pela automação.

Outra preocupação é com o aumento assustador do controle do capital sobre os trabalhadores. O que se reivindica é a democratização dos locais de trabalho e a chamada proteção dos dados individuais, proibindo que as empresas utilizem informações de caráter pessoal para interferir na produção. Esse perigo é permanente, como atesta o caso da IBM da Itália, que montou um complexo sistema de informática nas suas sedes de Segrate e Vimercate. Através dele, registra os horários de início e fim de um trabalho, eventuais pausas e tempos mortos, quantidade de operações realizadas, erros eventuais e tempo empregado nas operações individuais. A IBM detém inclusive códigos personalizados de cada funcionário, utilizando-os na sua política de recursos humanos (promoções, prêmios por mérito etc.). Apesar de atentar contra vários artigos do Estatuto dos Trabalhadores italianos e de ser processada pela comissão de fábrica, a multinacional foi absolvida pelo Tribunal de Milão, em dezembro de 1984.

Todas essas reivindicações e mesmo os acordos firmados, entretanto, não têm conseguido barrar os efeitos nefastos da automação sob domínio do capital. Apesar da pressão do sindicalismo mundial, que reflete o anseio das bases, há consenso entre os vários estudiosos do assunto de que nem na Europa e nem no resto do mundo ocorrem conquistas mais duradouras nesse terreno. Pela própria lógica do sistema, o capital entende a fábrica como um lugar sacrossanto. Para garantir lucratividade, ele não pode permitir que os trabalhadores interfiram no processo de produção e discutam a distribuição da riqueza produzida. A própria microeletrônica e os métodos de racionalização do trabalho, como já foi dito, visam exatamente a afastar os trabalhadores dessas decisões. Nessa hora, a burguesia lembra o sagrado direito da sua propriedade privada.

Como reconhece Piercarlo Maggiolini, o poder dos trabalhadores de influenciar na aplicação das novas tecnologias é limitado. "O direito à informação, consulta e negociação desde a projeção, não raramente, é frustrado pelas direções das empresas que temem dificuldades, atrasos ou mesmo vazamento de informações sigilosas que as prejudiquem". Mesmo a participação nas comissões "paritárias" de automação, tão comuns atualmente na Europa, apresenta suas limitações. "Há o risco de que os participantes da projeção dos sistemas acabem se tornando uma espécie de 'reféns' da direção e dêem cobertura a escolhas, na realidade, feitas totalmente pela empresa", afirma o estudioso italiano.

“Ao mesmo tempo em que se conquista a redução da jornada, cresce o ritmo do trabalho”.

As restrições próprias do capitalismo se fazem presentes inclusive quando os trabalhadores conquistam a tão almejada diminuição da jornada. Exemplo disso é que as recentes reduções na Alemanha, França e Espanha, que variam de uma a quatro horas semanais, não conseguiram conter o desemprego. A microeletrônica e as técnicas de racionalização permitem o aumento da produção com um número bem menor de trabalhadores. Ao mesmo tempo em que a redução é conquistada, o capital intensifica o ritmo de trabalho. Na França, por exemplo, esperava-se que a redução da jornada em uma hora semanal, ocorrida em 1981, preservasse 350 mil empregos. Mas ela "beneficiou" apenas 50 mil operários.

Essas limitações, impostas pela lógica do capital, não devem jogar os trabalhadores no imobilismo e na apatia. A própria experiência internacional indica ser possível obter avanços, mesmo que parciais e temporários, na luta contra os efeitos da automação. Além disso, deixar de apresentar propostas concretas que abordem o problema, levaria os que não se iludem com o capitalismo ao total isolamento diante dos trabalhadores. O seu discurso cairia no vazio, dando espaço para os que defendem apenas reformas no sistema. Reformas, inclusive, que o novo paradigma produtivo em curso não permite, já que a exclusão de milhões de pessoas do mercado de trabalho e de consumo lhe é algo intrínseco.

Ao aprofundar a contradição entre apropriação privada e produção social, o avanço da automação indica ser cada vez mais necessário vincular as lutas imediatas às lutas por transformações revolucionárias – pelo fim do modo de produção capitalista. O discurso e a prática reformistas, predominantes no sindicalismo europeu, só desarmam os trabalhadores diante da ofensiva do capital. Segundo um documento da própria Organização Internacional do Trabalho (OIT), o que se observa em vários países atualmente é a generalização da chamada concession bargaining – a concessão barganhada. Diante da difusão da microeletrônica, os sindicatos vinculados à social-democracia aceitam cortes salariais e até mesmo perdas negociadas do nível de emprego. Sem qualquer perspectiva de transformação do sistema, eles se submetem à lógica trituradora do capitalismo sem oferecer uma resistência mais global e combativa.

Do ponto de vista do sindicalismo classista, o avanço da microeletrônica indica a necessidade de reforçar os sindicatos. Como atesta a Federação dos Metalúrgicos Italianos (Fiom), "em todos os países industrializados, inclusive na Itália, a nova fase tecnológica coincidiu com uma iniciativa empresarial avassaladora que destruiu relações industriais consolidadas. Foram e são instrumentos dessa ofensiva tanto as demissões em massa quanto um novo estilo gerencial caracterizado pela agressividade anti-sindical". Mais do que nunca também é preciso garantir autonomia dos trabalhadores frente às políticas patronais de envolvimento e cooptação. É necessário ainda priorizar a organização de base, aumentando a representatividade de organismos independentes, tipo comissões de fábrica. Outro grande desafio dessa nova fase é o da integração dos operários produtivos com técnicos, disputando ideologicamente esse setor e elevando sua consciência de classe.

Esses desafios tendem a ser colocados cada vez com mais força para o sindicalismo brasileiro. Isto porque está havendo uma intensa incorporação de tecnologias de ponta na indústria. Segundo Alvaro Dias, "na atualidade, o Brasil é o país latino-americano que mais rapidamente avança na produção e instalação de novas tecnologias". Um exemplo é o da recente produção e instalação de máquinas-ferramentas de controle numérico computadorizado (MFCNC). Em 1972, foram produzidas e instaladas apenas 17; em 1986 já existiam 2.548 equipamentos desse tipo em funcionamento no Brasil.

“A microeletrônica vem sendo implantada no Brasil por pressão da concorrência externa”.

É verdade que o avanço da microeletrônica no país ainda é limitado e deformado. Uma das razões desse atraso é o próprio baixo custo da mão-de-obra. Mas a questão salarial não deve ser absolutizada. É só lembrar o caso do Japão, onde o salário médio na indústria também é baixo (38% menor que o americano e 33% menor que o alemão), mas a automação é meteórica. Com a maior integração do mercado capitalista, outros componentes forçam o seu rápido desenvolvimento. O que se observa é que a microeletrônica está sendo implantada no Brasil em função da concorrência internacional. Ela se vincula, por exemplo, à fabricação do carro mundial – seja o produzido num único país para a exportação ou o fabricado de maneira integrada em plantas industriais espalhadas pelo mundo. As exportações teriam, assim, um papel predominante.

Se hoje, segundo cálculos parciais, somente 10% dos operários brasileiros das grandes fábricas estão em contato direto com a microeletrônica, a tendência é do crescimento desse contingente. E aqui entra outra questão que deve gerar preocupações. É que esse desenvolvimento das novas tecnologias se dá precisamente onde o movimento sindical tem mais força nos setores de ponta da economia, como o automotivo. "Em consequência", alerta Álvaro Dias, "os setores mais avançados dos trabalhadores se confrontam com um novo desafio. A grande maioria dos trabalhadores não se enfrenta ainda com as novas tecnologias, mas esta já é a vivência dos que trabalham nas grandes empresas e que constituem a base fundamental de apoio do sindicalismo brasileiro".

Por último, algumas considerações sobre o perfil da classe operária – sobre as mudanças provocadas pela automação microeletrônica na sua composição social. Esse é um ponto em que o bombardeio de idéias é muito intenso. Há quem afirme que a tendência é a do total desaparecimento da classe operária. Muitos sonham com as "fábricas sem homens", plenamente automatizadas. Alguns amantes do capitalismo chegam a argumentar que também nesse ponto "o marxismo morreu" – que a classe operária não teria mais qualquer papel nas sociedades modernas, muito menos o de vanguarda das transformações revolucionárias.

Muitas dessas "teses" são formuladas por apologistas do atual sistema de exploração, não têm qualquer base científica. Outras, entretanto, partem de fatos reais e necessitam ser levadas em consideração a não ser que se escolha o caminho da cegueira política. É inegável que a automação microeletrônica resulta numa redução drástica do contingente de operários fabris. É indiscutível também que afeta o seu comportamento de classe e a sua conformação produtiva. Há necessidade, entretanto, de se relativizar essas questões para se ter uma dimensão real dos novos desafios.

“Alterações no perfil operário: redução numérica e mudanças nas diversas profissões”

Em primeiro lugar, porque a automação não reduz apenas o número de operários fabris. Ela afeta todos os setores da economia. Com a informática e a microeletrônica, o capital acelera o processo de exclusão dos assalariados do mercado de trabalho. Se até há pouco tempo os setores de serviços tinham crescido, servindo inclusive como absorvedores da mão-de-obra expelida pelas indústrias, hoje eles são duramente atingidos pela automação. Os "caixas automáticos" desempregam no setor bancário; o "código de barras" demite no comércio; o sistema CAD/CAM afeta inclusive profissionais vinculados à concepção, ao projeto. Segundo pesquisas oficiais, até o final da década passada cerca de 30 milhões de empregados em escritórios e bancos foram afetados pela informatização nos EUA – enquanto a microeletrônica vitimou 7 milhões de operários na indústria.

Por outro lado, mesmo em fábricas de avançada automação, se observa ser inviável a eliminação plena do trabalho operário, inclusive das tarefas puramente manuais. Rosa Maria Marques cita o caso da seção 54 da Volkswagen de Wolfsburg, na Alemanha, considerada a mais automatizada do mundo. Apesar de a automação na área de montagem ter eliminado 80% dos empregos, ainda persistem as funções diretamente vinculadas à produção. Para ela, a automação se dá de forma seletiva. Atinge a circulação de peças e subconjuntos, determinados trabalhos repetitivos, alguns pontos de estrangulamento e áreas onde o trabalho complexo pode ser encerrado num programa de computador – como é a usinagem. Benjamin Coriat tem a mesma opinião: "Os sistemas automáticos de trabalho são incapazes de se encarregar do conjunto das tarefas de circulação ou de operação. Uma grande parte delas permanece como tarefas manuais, de execução num ritmo rápido".

Ainda sobre o perfil da classe operária vale abordar uma outra questão – muito complexa e que merece maiores estudos. Como já foi dito, a automação microeletrônica faz desaparecer várias profissões, desqualifica outras e torna algumas poucas altamente especializadas. O pessoal técnico, vinculado à eletrônica e à informática, é o mais beneficiado. Isso é constatado pelo próprio crescimento desse setor. Pesquisa feita no Brasil indica que, no período de 1980-86, o contingente de técnicos de apoio à produção na indústria pulou de 14,9% para 16,1% e de técnicos em projeto de 2,2% para 3,2%. Essa é uma tendência observada em nível mundial. As profissões técnicas, no período 1970-80, saltaram de 3,1% para 10% na Coréia do Sul, e de 7,7% para 10,7% em Cingapura.

Mas o que importa destacar nesse ponto é que a microeletrônica aproxima o pessoal técnico do trabalho produtivo. Numa fábrica com equipamentos sofisticados e altamente integrados, as tarefas desses profissionais se vinculam diretamente à produção. Karl Marx, na sua obra O Capital, já havia apresentado uma visão mais abrangente de classe operária. Ele dizia que para pertencer à classe "basta ser um órgão do trabalhador coletivo ou desempenhar nele uma função qualquer. A determinação primária do trabalho produtivo, derivada da natureza mesma da produção material, permanece sempre verdadeira em relação ao trabalhador coletivo considerado como uma única pessoa". Pode-se arriscar a dizer, então, que o técnico ou mesmo o engenheiro na fábrica automatizada é tão produtivo quanto um operador de máquina de comando numérico. Ambos cooperam, juntos, na produção do mesmo produto.

“Especialistas ficam mais perto dos operários, sem as antigas funções de controle”.

É nesse sentido que alguns estudiosos argumentam que, apesar da diminuição do número absoluto de trabalhadores fabris, há um alargamento da base operária na fase atual. Segundo Jean Lojkine, "o que hoje está prestes a desaparecer não é a classe operária, mas a secular divisão entre os trabalhadores manuais (os 'colarinhos azuis') e os 'colarinhos brancos'. Engenheiros politécnicos dirigindo, juntamente com técnicos especializados, instalações automatizadas; 'operários' programando, num microprocessador, um ciclo de produção – eis a nova classe operária deste fim de século".

N. Gauzner também aponta essa aproximação. "À medida que aumenta o número de engenheiros e técnicos, estes vêem-se cada vez mais submetidos à hierarquia do poder capitalista. Na sua imensa maioria já não desempenham mais funções de controle e vigilância em relação aos operários. Estão a deixar de se identificar com a administração. A divisão capitalista do trabalho, que se torna cada vez mais profunda, priva o seu labor do caráter criador universal. Vai diminuindo a diferença entre o ordenado dos empregados e o salário dos operários qualificados. Essa diferença é com frequência a favor do salário dos operários". Ele conclui: "Nas condições atuais acentua-se a tendência para a sua aproximação da classe operária. A composição social do proletariado moderno é mais complexa e diversa".

É evidente que essa aproximação ainda ocorre apenas do ponto de vista objetivo. Subjetivamente, o pessoal técnico se mantém distante dos operários manuais. Essa mudança de composição nas fábricas inclusive cria problemas para o desenvolvimento imediato das lutas operárias. De acordo com Benjamin Coriat, "passa-se de um tipo de operário (Profissional-mecânico), que constitui a base do sindicalismo atual, a um outro tipo (elétrico, 'jovem' e escolarizado), cujos comportamentos culturais e políticos – em particular frente ao sindicalismo – arriscam-se a ser claramente diferentes".

Mas, como alerta Lojkine, "a revolução informacional obriga o capitalismo a brincar incessantemente com fogo ao revolucionar as suas próprias normas, a sua cultura, na tentativa de salvar o essencial – ou seja, o seu sistema de exploração". A conscientização desses trabalhadores, que já exercem funções produtivas nas fábricas modernas, coloca grandes riscos para a manutenção do atual sistema de exploração. Para integrar à classe operária esses "quadros médios" (técnicos, engenheiros, projetistas e outros) é evidente que será necessário muito esforço e criatividade. Mas isso é possível e eis aqui um grande desafio dos trabalhadores de vanguarda, dos revolucionários, na atualidade.

* Jornalista, presidente do Centro de Estudos Sindicais (CES) e Assessor do Sindicato dos Trabalhadores em Água. Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo.

Notas
(1) MARQUES, Rosa Maria. Automação microeletrônica e o trabalhador, SP, Bienal.
(2) NEDER, Ricardo Toledo (org.). Automação e Movimento Sindical no Brasil, SP, Hucitec, 1988.
(3) SCHMITZ, Hubert e CARVALHO, Ruy de Quadros (org.). Automação, Competitividade e Trabalho: a experiência internacional, SP, Hucitec, 1988.
(4) OLIVEIRA, Graziela. Do Conformismo à Reação. O trabalhador diante da automação do trabalho, Mimeo.
(5) MAGGIOLONI, Piercarlo. As Negociações Trabalhistas e a Introdução de Inovações Tecnológicas na Europa, RJ, Vozes, 1988.
(6) GAUZNER, N. O Capitalismo e as Consequências Sociais da Revolução Técnico-Científica, Lisboa (PO), Estampa, 1975.
(7) LOJKINE, Jean, A Classe Operária em Mutações, BH, Oficina de Livros, 1990.
(8) CORIAT, Benjamim, A Revolução dos Robôs, SP, Busca Vida, 1989.
(9) REBECCHI, Emílio, O Sujeito Frente à Inovação Tecnológica, RJ, Vozes, 1990.
(10) BRAVERMAN, Harry, Trabalho e Capital Monopolista – A Degradação do Trabalho no Século XX, RJ, Zahar, 1980.

EDIÇÃO 26, AGO/SET/OUT, 1992, PÁGINAS 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41