Golpe no Peru. O ambiente para isso pode ser descrito em poucas palavras: 15 dos 23 milhões de peruanos vivem na miséria. O salário médio no país é em torno de 15 dólares por mês. Nos últimos três anos, a queda do Produto Interno Bruto (PIB) chegou a 25%. No ano passado, o presidente Alberto Fujimori se comprometeu a pagar mais de 1 bilhão de dólares de prestação da dívida externa – o que equivale a 20% do orçamento nacional – aos banqueiros estrangeiros. E, com a chamada “reinserção internacional”, procura chegar a acordos com o FMI e outros organismos internacionais para obter outros empréstimos. O atual ditador reclamava que o Parlamento, o sistema jurídico e a já tradicional “agitação popular” emperravam suas reformas.

Na Venezuela, em 1988, a população considerada mais pobre representava cerca de 15% dos habitantes. No final do ano passado esse índice já subira para 41%. Em fevereiro de 1990, um protesto contra pacote do governo aumentando preços e arrochando os salários resulta em violência generalizada e 300 mortos. No ano de 1991 foram realizadas mais de 800 manifestações de protesto e, em dezembro, um panelaço mobiliza todos os bairros de Caracas. Vinte mil pessoas participam de um comício na capital. Repressão violenta. Morrem nove estudantes e meia centena de pessoas saem feridas. Em fevereiro de 1992 dez batalhões de elite se rebelam e por pouco o presidente Andrés Perez não foi deposto. A situação continua tensa, greves e protestos de massas retomam as ruas.

No Brasil, direitos elementares são agredidos pelo governo. Depois do assalto à poupança no início do governo, Collor arrocha os salários em geral, recusa-se a pagar reajustes conquistados legalmente pelos aposentados. Empresas estatais são leiloadas a troco de títulos “podres”. Medidas governamentais violam flagrantemente os preceitos constitucionais. A cada dia a presença de Collor no governo torna-se mais inviável. O malabarismo para cooptar até mesmo gente que se revelou tão fisiológica, como os tucanos, resulta em novas confusões. A equipe de Collor, que assumiu com ares modernosos, incorpora aceleradamente, e não por acaso velhos serviçais da ditadura militar. Mantém o rumo entreguista, mas, no lugar dos trapalhões da chamada “República das Alagoas”, coloca profissionais do ramo, homens testados no ofício de trair a pátria e o povo.

Peru, Venezuela e Brasil. Os três têm em comum governos de orientação neoliberal. E nos três a experiência comprova que a receita do FMI só pode ser imposta com a violação das normas democráticas. Com o desmonte das instituições que preservam qualquer vínculo com a soberania nacional. E que a consequência dessa política é o empobrecimento maior de uma população já miserável.

Em todos três, o ritmo antipovo e antinacional aponta para conflitos crescentes. Os governos inclinam-se para o golpismo e para tendências inclusive de caráter fascista. Os trabalhadores e todos os setores interessados em democracia, independência e progresso marcham para medidas radicais de resistência. A revolução, embora não esteja à vista, apresenta-se para os povos como única perspectiva.

Vale ainda observar que a condenação do golpe por parte dos EUA fica restrita à superfície – e tem muito a ver com interesses conjunturais, ligados à campanha sucessória. O imperialismo americano, de uma forma ou de outra, sempre está vinculado com o assassinato da liberdade e da democracia em nosso continente. E, em particular, nesse momento, é o patrono do neoliberalismo nessa parte do mundo – e cúmplice dos desdobramentos políticos que essa orientação acarreta.

EDIÇÃO 25, MAI/JUN/JUL, 1992, PÁGINAS 3