Modificações na situação internacional
Acontecimentos devastadores abalam o mundo neste final de século. Durante a Guerra do Golfo, em 1991, o então presidente dos Estados Unidos, George Bush, proclamou o aparecimento da nova ordem mundial. O anúncio coincidia com o colapso da União Soviética e dos países do Leste europeu. No lugar da bipolarização existente desde o pós-guerra, surgiu o mundo unipolar, onde os Estados Unidos passaram a impor sua supremacia militar e a exercerem sozinhos hegemonia política no conjunto das relações internacionais.
Desde então, o Conselho de Segurança de Organização das Nações Unidas, e outros fóruns numa completa subversão a consagradas normas do direito internacional, passaram a ser utilizados como instrumentos de intervenção direta sobre Estados soberanos que em maior ou menor grau contestassem a hegemonia norte-americana. Convocaram-se conferências a fim de oficializar os direitos de ingerência, pretextando a universalização dos direitos humanos. Apertou-se o cerco contra Cuba, Iraque, Líbia. Sucederam-se novas incursões e bombardeios contra o território iraquiano. Sob o slogan tão ridículo quanto hipócrita de devolver a esperança e combater o flagelo da fome, perpetrou-se a agressão militar à Somália.
O aumento da agressividade dos EUA combinou-se com flexões em sua diplomacia. Significativas alterações ocorreram nas relações entre esse país e a China, transformada em alvo de pressões na questão dos direitos humanos, pretexto para tentar forçar a grande nação asiática a promover alterações liberal-burguesas em seu regime político. A Coréia do Norte, que sustenta em meio a imensas dificuldades da construção do socialismo segundo um caminho próprio, sofre abertas ameaças de agressão e chantagem nuclear provenientes da Coréia do Sul e dos Estados Unidos.
O desaparecimento de uma força de contenção em nível mundial – a URSS, e os países do Leste europeu e seu sistema de defesa, o Pacto de Varsóvia – alterou bruscamente a correlação de forças existente desde o imediato pós-guerra. O mundo unipolar, a partir de então instaurado, cria condições favoráveis à intensificação da agressividade norte-americana.
Os Estados Unidos, donos de indiscutível poderio econômico e militar e influência política e diplomática, se erigem em árbitros das relações internacionais e gendarmes do mundo. A característica central de sua política é a luta para dominar e submeter os Estados soberanos, impedir o desenvolvimento dos movimentos de libertação nacional, restringir os direitos políticos dos povos, liquidar as soberanias nacionais, derrotar ou neutralizar os países socialistas remanescentes, encontrar meios para a sobrevida do capitalismo em crise, atirando seus perniciosos efeitos sobre os trabalhadores e os povos dos países dependentes.
A derrota do socialismo, a proclamação da nova ordem imperialista e o estabelecimento da dominação unipolar por parte dos Estados Unidos foram seguidos de ruidosa campanha propagandística, com a mobilização de fabulosos meios, tendo em vista desnortear as massas trabalhadoras e as forças progressistas, anular sua capacidade de resistência e luta, desacreditar o socialismo e as idéias revolucionárias e sacramentar como definitiva a vitória do capitalismo sobre o socialismo. Saliente papel nesse mister tem sido desempenhado pela social-democracia e pelas correntes oportunistas de direita no seio do movimento operário e popular. A ocasião tem sido propícia para anunciar a morte definitiva do socialismo científico, a caducidade do pensamento de Marx e Lênin e para oferecer os partidos social-democratas, como o lar comum das correntes progressistas. Enquanto não chega o apocalipse, tenta-se impingir o fim da História como noção corrente.
“Campanha anticomunista combate os valores da liberdade. Em seu lugar, surge o obscurantismo”.
A campanha anti-revolucionária em curso, com fortes doses de histeria anticomunista, é sem dúvida o maior movimento de caráter conservador e retrógrado que a humanidade jamais conheceu. Os valores da liberdade, do progresso social, das grandes transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, forjados em longa trajetória de luta dos povos, são combatidos com inaudita tenacidade. Em seu lugar ressurge o obscurantismo fantasiado de modernidade.
Diversas áreas do movimento revolucionário e socialista estão ainda impregnadas de derrotismo. Encontram-se desnorteadas política e ideologicamente, o que não deixa de se refletir negativamente na classe operária e em setores expressivos da intelectualidade progressista, no nível de organização de lutas, na influência política e incidência de massas dos partidos revolucionários.
Em tal ambiente, de refluxo revolucionário, é natural que os donos do mundo tentem persuadir e o senso comum suponha ser verdade inconteste o advento de uma nova era de paz, democracia, respeito aos valores humanistas, vigência do direito internacional e de boas normas de convivência entre os Estados. Certamente os donos do mundo e as pessoas de boa fé tinham todas as razões para sonhar que se vivia no melhor dos mundos. Mas, como a realidade muitas vezes contraria os sonhos, eis que surgem os fantasmas e o sono de muita gente parece hoje em dia bastante tumultuado. Muito pouco tempo depois do anúncio da nova ordem, as esperanças de uma nova era parecem desvanecer-se rapidamente pela vigência de grande desordem. Tudo leva a crer que a nova ordem traz em si os ingredientes de um imenso e incontrolável caos.
Em primeiro lugar porque a novas ordem, imperialista por natureza, apresenta inarredável paradoxo. A potência que domina as relações políticas e diplomáticas, e exige inigualável supremacia militar comparativamente a qualquer outra época histórica, apresenta evidentes sinais de decadência econômico-financeira. Já se assiste a dura luta pela redistribuição mundial dos mercados. Japão e Alemanha, sobretudo o país do sol nascente, já superam os Estados Unidos em muitos indicadores, e reivindicam exercer papel distinto do atual das relações internacionais, além de se candidatarem a ocupar o status de potências militares.
O paradoxo reside no fato de as relações econômicas realmente existentes e predominantes, no âmbito dos países imperialistas, encontrarem-se em franca contradição com o fenômeno de domínio unipolar. Não se pode aquilatar desde já os prazos históricos para o desencadeamento e o desfecho dos conflitos que esse paradoxo prenuncia, tampouco as formas que assumirão, mas é visível a tendência à instabilidade política e até mesmo o surgimento de embates de maior gravidade.
Conquanto na esfera político e militar as grandes potências imperialistas ainda apareçam unificadas no exercício do domínio sobre os povos, pode-se asseverar que o mundo caminha para grandes confrontos. Mais cedo ou mais tarde se formarão novos sistemas de alianças, tendo em vista conflitos inter-imperialistas de maior envergadura.
“Crise atinge os países capitalistas, contrariando todas as expectativas do mundo pós-guerra fria”.
É o corolário inevitável das contradições inter-imperialistas.
Um segundo elemento de instabilidade da nova ordem é a crise econômica que se estende e se aprofunda em todo o mundo capitalista. Quando a URSS e os países do Leste entraram em colapso, o mundo capitalista nutriu a expectativa de abrir novo período de desenvolvimento econômico, com a exploração dos novos mercados. Cogitou-se novo ciclo de crescimento e até mesmo a retomada da expansão dos tempos do pós-guerra. Mas a realidade vem demonstrando inexoravelmente que uma crise de grande vulto e profundidade atinge o conjunto dos países capitalistas. Na presente década observa-se a continuidade da tendência ao declínio das taxas de crescimento econômico dos países capitalistas desenvolvidos. Na década de 1960, a taxa média anual de crescimento desses países foi superior a 5%, caiu para 3,1% nos anos 1970 e para cerca de 2% no decênio passado. Nos primeiros anos da presente década, esses índices têm-se mantido em patamares baixíssimos. O crescimento dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) – que reúne os 24 países mais ricos do mundo – foi no ano passado de apenas 1,1%. Japão e Alemanha registraram índices negativos (-) 0,5% e (-) 1,5%, respectivamente. Os Estados Unidos obtiveram tímidos 2,8% de incremento do PIB comparativamente a 1992, e que já é motivo de grande onda propagandística sobre uma suposta retomada da economia norte-americana. Mas não se pode dizer que seja um crescimento sustentado, mormente se se considera que permanecem os gigantescos déficits nas contas externas da economia estadunidense.
Chama a atenção em particular a situação da Alemanha, cuja crise, além dos fatores estruturais, tem como agravante o alto custo de anexação da parte Leste, responsável por pesada carga financeira. Entre 1991 e 1993, o Estado alemão dispendeu com a anexação nada menos de que 450 bilhões de marcos, gerando um déficit financeiro de 100 bilhões de marcos, elevando a inflação e abalando a posição financeira do país no quadro da CEE e dos sete grandes.
A crise econômica é sinal evidente da estagnação do sistema. Componente essencial do capitalismo, a crise revela-se como estrutural e sistêmica.
Manifesta-se na tendência ao estancamento, na incapacidade de promover o equilíbrio entre a produção e a circulação de bens, entre a acumulação do capital e o poder aquisitivo dos trabalhadores, entre a capacidade produtiva instalada e as possibilidades de distribuição. Outrossim, a crise põe a nu a incapacidade de o sistema capitalista de satisfazer as demandas da sociedade e fomentar o desenvolvimento.
O retrato mais eloquente da gravidade da situação econômica do mundo capitalista são os reflexos na esfera social. O elevado número de desempregados nos países capitalistas desenvolvidos – 36 milhões na OCDE – constitui drama para o qual os governos burgueses não têm solução à vista.
Hoje, em todo o mundo capitalista desenvolvido está em curso uma ofensiva sem precedentes contra os trabalhadores e as conquistas sociais vigentes há décadas, resultados de lutas muitas vezes cruentas da classe operária. Por toda parte, procede-se à destruição sistemática da legislação social, à redução dos salários, à multiplicação das demissões, aos cortes dos direitos previdenciários, à deterioração das condições de vida e do trabalho. O Estado de bem-estar social entrou em bancarrota e a burguesia monopolista, mesmo quando seus negócios são administrados pela social-democracia no governo, já não tem condições de recuperá-lo.
Por outra parte, na Rússia e nos países do Leste europeu aparecem com força as chagas sociais decorrentes da destruição do antigo sistema produtivo e das conquistas socialistas, encetada pelos novos governantes burgueses. Em todos esses países aprofunda-se a dependência econômica, surgem fatores de desagregação social, cresce a miséria, o desemprego, proliferam as máfias e o banditismo. Pauperizados, esses países têm se convertido em exportadores de mão-de-obra barata.
O quadro de crise estrutural é agravado por problemas conjunturais, como a inflação, a instabilidade financeira, a especulação, a retração dos mercados, a acumulação de dívidas impagáveis e déficits fiscais.
“Tendências autoritárias e fascistas assolam vários países capitalistas, sobretudo na Europa”.
É inevitável que os conflitos sociais não tardem a se manifestar e desbordem para a esfera política. Com os fatores de desagregação presentes, aparecem nos países europeus fenômenos que até bem pouco eram privativos dos países pobres: bolsões de miséria nos grandes centros urbanos, violência indiscriminada, criminalidade crescente.
Em todo o mundo capitalista, e particularmente na Europa, são nítidas as tendências autoritárias, xenófobas e fascistas. Além da ofensiva sobre os direitos sociais dos trabalhadores, está em marcha uma perigosa cruzada contra os imigrantes, associada a tentativas para impor governos autoritários, que possibilitem à burguesia exercer em melhores condições o seu poder monopolista com práticas antidemocráticas e repressivas contra os momentos sociais.
Outro fator estrutural de instabilidade do mundo no quadro da nova ordem são os efeitos do neoliberalismo e da internacionalização da economia nos países do Terceiro Mundo. Na fase atual do seu desenvolvimento, o imperialismo erige um sistema de dominação neocolonial que atenta contra a existência dos Estados nacionais. O combate às eventuais barreiras ao domínio dos grandes países sobre os mercados e as fontes de matérias-primas e energéticas dá lugar a uma reestruturação profunda dos Estados nacionais, uma verdadeira operação-desmonte dos resquícios de soberania desses países, responsável pela implantação de um sistema ainda mais elitista, concentrador, centralizado, autoritário e inteiramente aberto ao capital estrangeiro. A internacionalização conduz objetivamente ao redesenho do mapa-múndi.
Sob o fraudulento pretexto de extinguir o Estado obeso, burocrático e ineficiente, de livrá-lo de encargos tidos como supérfluos, os arautos do neoliberalismo visam a converter os Estados nacionais dos países dependentes em meros aparelhos administrativos com funções secundárias, sem nenhum compromisso com o fomento ao desenvolvimento nacional e à defesa da soberania. Os países dependentes vão, assim, transformando-se em presas fáceis dos potentados imperialistas. Esta vasta ofensiva contra as soberanias nacionais inclui a desnacionalização das economias, a desindustrialização de países que atingiram níveis medianos de desenvolvimento, como Argentina, Brasil, Chile, México, entre outros, a abertura indiscriminada dos mercados internos à penetração dos produtos estrangeiros e se estende às esferas territorial e de defesa.
Em sua fase atual, o imperialismo não consente que as nações do Terceiro Mundo se potencializem economicamente. A lógica de ferro da internacionalização atua no sentido de transformá-las em dependência ou economias anexadas num processo de divisão internacional do trabalho no qual a essas nações está reservado o papel de importadoras e meras produtoras de determinados artigos ditados pela demanda internacional.
“Mesmo contraditórios e débeis, os primeiros sinais de resistência vão surgindo no mundo”.
As políticas de ajuste preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional e outros organismos controlados pelos banqueiros credores têm como fulcro a drenagem da renda nacional dos países dependentes através dos mecanismos de agiotagem da cobrança de dívidas.
Ao agravar a dependência dos países e povos do Terceiro Mundo, a nova ordem traz latente um imenso potencial de resistência e lutas anti-imperialistas, portanto, um forte componente de instabilidade e um motor de transformações em vastas regiões do Planeta.
Estes elementos estruturais combinados – as contradições inter-imperialistas, a intensificação da espoliação da classe operária e o aumento da dependência neocolonialista dos países do Terceiro Mundo – atuam com força como fatores de desestabilização da nova ordem imperialista. Muito embora o movimento revolucionário esteja ainda contido nos marcos do refluxo iniciado com as derrotas do socialismo, começam a surgir aqui e acolá os primeiros sinais de resistência das forças progressistas. Uma resistência ainda débil, condicionada, contraditória e marcada por altos e baixos, mas que ao se pronunciar já significa um pequeno passo adiante rumo à alteração da correlação de forças ainda desfavorável.
O ano de 1993 não assistiu apenas ao cortejo de atitudes agressivas e arrogantes do imperialismo. As tropas norte-americanas acabaram encontrando uma resistência tenaz na Somália e dali tiveram que se retirar.
Diversos processos eleitorais realizados em situações diferenciadas, em relação aos quais não se pode ter uma leitura única, levaram os defensores do neoliberalismo a acumularem derrotas, por distintas razões. No Canadá, quebrou-se o domínio centenário do partido conservador. Na Venezuela, um candidato apoiado por ampla frente de centro-esquerda, nela incluído o Partido Comunista, em campanha que teve como centro o combate ao plano neoliberal do imperialismo e das elites dirigentes, conquistou a Presidência da República. Em Portugal, o direitista partido do governo ficou minoritário nas recentes eleições municipais, num quandro eleitoral em que o Partido Comunista mantém-se como indefectível força de esquerda, com o respaldo de cerca de 14% da população que ocorreu à urnas.
Na França, o Partido Socialista, que levava a efeito política conservadora, praticamente desmoronou. Muito embora os resultados das últimas eleições tenham sido capitalizados pela direita, também ali o Partido Comunista galvanizou 10% do eleitorado nacional. Na Grécia, os conservadores foram batidos e o Partido Comunista conquistou 9 cadeiras no parlamento nacional. No Paquistão, ressurge vitoriosa a corrente nacionalista encabeçada por Benazir Ali Butho, com propostas em certa medida voltadas para a defesa da soberania nacional e a renovação da vida política. Na Itália, assiste-se à derrocada dos grandes partidos conservadores, nomeadamente a democracia-cristã, em eleições onde pontificaram as forças do antigo partido comunista e da Refundação Comunista. Na África do Sul, caiu o apartheid e todas as projeções sobre as futuras eleições dão como certa a vitória do ANC e do Partido Comunista.
Também em países do Leste europeu surgiram episódios alentadores. Na Polônia, o governo pré-imperialista de Lech Valesa foi derrotado por uma coligação de esquerda. Na Lituânia (novembro de 1992) os antigos comunistas voltaram ao poder. E as próximas eleições na Hungria prenunciam resultado semelhante.
Os fatos recentes mostram também uma resistência ativa das massas, ora organizada, ora sob a forma de manifestações espontâneas e explosivas, suficientes para levar pânico aos governantes reacionários. No ano passado, ocorreram combativas greves de trabalhadores europeus na França, Bélgica e Itália, além de massivas jornadas de luta contra o desemprego. Na Argentina, país sucateado pela política de ajustes neoliberais, explodiu a revolta popular em Santiago del Estere.
A situação da Rússia, onde o governo reacionário de Bóris Ieltsin mostrou sua face ditatorial durante o sangrento golpe militar de outubro, ainda se apresenta como ponderável fator de crise política e instabilidade, com inevitáveis reflexos nas relações de poder em nível internacional. Ieltsin tentou a todo custo estabelecer o monopólio do poder político num processo viciado, manietado e pleno de restrições antidemocráticas, mas sofreu fragorosa derrota nas eleições de dezembro último. Os comunistas, apesar de duramente reprimidos e desorganizados pela onda contra-revolucionária, obtiveram 13% dos votos e mais de 70 cadeiras no parlamento. A forte rejeição à política ieltsiana de reformas capitalistas torna ainda mais instáveis as posições do ditador russo e mais acidentado o caminho que terá de percorrer para levar a efeito os planos neoliberais do imperialismo para a Rússia. A demissão de Gaidar foi o primeiro sintoma pós-eleitoral de que a Rússia, sob Ieltsin, está muito longe de adquirir estabilidade governamental.
“Episódio protagonizado por camponeses de Chiapas ilustra o novo momento de resistência dos povos”.
O acontecimento mais significativo do novo momento de resistência dos povos e repúdio aos planos neocolonialistas do imperialismo foi protagonizado pelos camponeses indígenas do Estado mexicano de Chiapas. Precisamente no dia da entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio da América do Norte, que submete o México à condição de país subalterno aos Estados Unidos, os camponeses de Chiapas iniciaram operações armadas como não se via desde o triunfo da Revolução Mexicana há oito décadas.
Sob a simbólica denominação do Exército Zapatista de Libertação Nacional, numa alusão ao herói da revolução camponesa de 1910, os indígenas insurretos reintroduziram o elemento revolucionário no processo político latino-americano.
Se a onda contra-revolucionária atual será mais longa ou de curta duração, ninguém pode prever. Mas é inegável que o atual sistema de poder mundial apresenta sinais de esgotamento e encontra-se em franca contradição com as aspirações de trabalhadores, dos povos e das nações. Cedo ou tarde, a resistência que se esboça adquirirá volume e solidez, pois é alimentada por fatores objetivos que acabarão impondo o surgimento das condições de consciência e organização de um robusto movimento da classe operária e dos povos, pela democracia, a independência nacional e o socialismo.
Faz parte desse processo de resistência a reestruturação e reaglutinação dos partidos revolucionários e comunistas. Ultimamente, várias iniciativas com a repercussão mundial têm propiciado a articulação entre forças comunistas de diferentes países. Em fevereiro do ano passado realizou-se em Quito no Equador, o 2º Seminário Latino-Americano de Partidos Políticos, com a presença de 28 partidos comunistas e revolucionários do subcontinente. Também na Europa têm havido reuniões multilaterais, relacionadas sobretudo com a atividade comum contra o Tratado de Maastricht. Iniciativa de grande vulto e ressonância foi o Seminário Internacional sobre a situação Mundial e a Atualidade do Marxismo, convocado pelo Partido Comunista da Índia (marxista). O evento, que reuniu 21 partidos comunistas de diversos continentes, foi uma rara oportunidade para o intercâmbio de opiniões e se constituiu num cenário de amplo e profícuo debate de idéias. A Declaração de Pyongyang, documento pioneiro de defesa do socialismo lançado em abril de 1992 na capital RPD da Coréia, já conta com a adesão de cerca de 200 partidos comunistas e revolucionários de todo o mundo.
Tudo isso mostra que o movimento comunista vem progredindo gradualmente, reunindo pouco a pouco as condições para amadurecer teoricamente, assimilar os ensinamentos das derrotas sofridas, elevar o grau de unidade e potencializar sua influência política de inserção no movimento de massas.
A articulação das forças revolucionárias tem propiciado a reafirmação de convicções na superioridade do socialismo como único sistema político, econômico e social capaz de realizar as aspirações da humanidade; a confirmação da identidade comunista e da validade das idéias de Marx, Engels e Lênin; e a disposição de combater nos planos teórico e ideológico o oportunismo de direita, o dogmatismo e o sectarismo pequeno-burguês.
A luta revolucionária dos povos não caminhará em linha reta. Passará, certamente, por ínvios caminhos, atravessará obstáculos, ultrapassará encruzilhadas. A instabilidade econômica e o agravamento da problemática nacional e social dão lugar ao surgimento de sérios conflitos. O desmedido ataque às conquistas dos trabalhadores, as investidas contra a soberania nacional sob o signo do neoliberalismo e as políticas antipopulares dos governos burgueses acabarão despertando a reação da classe operária e dos povos. É lícito afirmar que a história não chegou ao fim, a realidade está em movimento e há espaço para a retomada do movimento pela emancipação nacional e social e para que se descortine uma vez mais e em outro nível a perspectiva do socialismo.
* Jornalista e Secretário de Relações Internacionais do PCdoB.
EDIÇÃO 32, FEV/MAR/ABR, 1994, PÁGINAS 40, 41, 42, 43, 44