O processo sindical francês se concretiza após longa e penosa trajetória, completando-se entre as décadas de 1880 e 1890, depois de quase um século de existência. O início se dá nos fins do século XVIII, quando aparecem as associações mutualistas ou fraternais, constituídas por ofício ou pelos locais de moradia, destinadas a prover o trabalhador dos riscos profissionais; na década de 1830 temos a propagação de idéias do inglês Robert Owen; nos anos 1860 é a vez de Bakunin e Proudhon, com suas idéias de associação. Todas essas correntes privilegiam a ação econômica.

Com a II Revolução Industrial – a partir de 1860 –, passamos da indústria de bens de consumo à indústria de bens de produção e, consequentemente, entre outros fatores, temos a concentração populacional urbana. Apesar de medidas repressivas – principalmente na França e na Alemanha –, o operariado conquista alguns direitos sociais, como o da “idéia corporativa”, designação antiga de corporação, isto é, “agrupamento de operários de uma mesma profissão” (o que os patrões chamam de “Câmara Sindical”) (1). No reinado de Napoleão III temos a Câmara de Emprego (1852), Caderneta do Trabalhador (1854), O Direito de Coalizão (1864) e o das Associações Sindicais (1865). O Direito de Coalizão é avanço importante, pois permite ao trabalhador fugir de alguns artigos restritivos do Código Penal, como os que rezam ser a coalizão “punível em todos os casos, qualquer que fosse a intenção das pessoas, qualquer que seja a pretensão, mesmo que fossem regulares os meios empregados para formar ou manter a coalizão”. A lei, no entanto, continua restritiva, pois a administração continua a ter direitos de impedir sua realização, o que torna impossível a liberdade de ação nas grandes corporações. É só com a Lei 6, de 10 de junho de 1868, que “as reuniões políticas podem ter lugar sem autorização anterior, desde que elas sejam precedidas de uma declaração assinada por sete pessoas, domiciliadas na comuna, e que, por sua vez, não tivesse de tratar de matérias políticas e religiosas” (2).

Os anos de guerra – unificação alemã, guerra franco-alemã, unificação italiana etc –provocam mal-estar no movimento operário. As medidas restritivas dos anos 1870 obrigam o trabalhador a preservar suas conquistas anteriores – sindicatos corporativos, de Auxílio Mútuo, de Solidariedade – e se bater pela melhoria de salários, horas de trabalho, direito de greve etc. No entanto, surge, espontaneamente, um grande número de sindicatos ou Câmaras Sindicais. À medida que cresce o seu número, são formadas Federações e Confederações, enquanto as reivindicações continuam limitadas. É o que se pode comprovar no Congresso de Paris (1876), no de Lion (1878), no de Marselha (1879). O primeiro deles é composto unicamente de operários e nas suas conclusões se afirma:

“que se devia, a todo preço, evitar que os políticos, que os homens teóricos, viessem a dispersar os espíritos, dirigir e se servir do Congresso, como de um trampolim para aspirações políticas e eleitorais. Queremos que ao operário não falte jamais trabalho, que o preço pago seja verdadeiramente remunerador, que ele tenha meios de assegurar-se contra o desemprego, a doença e a velhice”.
Além dessas objeções, são apresentadas reivindicações de caráter social (3).

O renascimento organizacional operário, em grande parte, é obra de trabalhadores sem filiação ideológica; de socialistas, em sentido amplo; e de alguns anarquistas. A trajetória que o país sofre leva, no entanto, parte dos trabalhadores a encarar mudanças de estratégia. O que pretendem é romper com um dos laços básicos do passado, isto é, da adoção do modelo de Trade Unions, que os franceses importam após uma delegação operária ter ido à Inglaterra, na véspera da Exposição Internacional de Londres, em 1864.

Agora a situação exige ação mais estruturada e ágil, que se traduz quando se dá a formação de um novo Partido Socialista. Quem o orienta é Jules Guesde, antigo anarquista, que em 1877 rompe com seus companheiros e funda o jornal Égalité; e, no Congresso de Marselha, define nova linha de ação: “a coletividade do solo, subsolo, instrumentos de trabalho, matéria-prima, que são oferecidos a todos e tornados inalienáveis a favor da sociedade, a quem deve retornar”, não se trata de lutar contra um patrão, do qual pode-se esperar obter melhores condições de trabalho ou contra o qual pode-se criar uma cooperativa operária de produção. Trata- se de lutar contra um regime. A luta é, em primeiro lugar, política. O Partido torna-se, assim, mais importante que o Sindicato” (4).

Depois do surgimento do Partido Socialista – isto é, do Partido Operário Francês –, temos a aparição da Federação dos Trabalhadores Socialistas da França –, isto é, a tendência possibilista. Ela nasce como resultado das divergências acentuadas durante o Congresso de Saint-Etiénne (1882), quando, contrário à vontade dos marxistas – J. Guesde, Paul Lafargue, G. Deville –, sai vencedora a tese federalista, isto é, cada unidade territorial teria programa próprio. Desta maneira nasce o Partido Operário Socialista Revolucionário Francês. Posteriormente temos outros partidos – Partido Blanquista (Comitê Revolucionário Central), Federação dos Trabalhadores Socialistas, Partido Operário Socialista Revolucionário, Aliança Comunista Revolucionária, os Independentes – que irão se fundir todos num só Partido Socialista, em 1905.

“Operários com tradição anarquista, e também individualista, compõem diferentes tendências”

Ao mesmo tempo em que se dá a afirmação dos partidos socialistas, temos o crescimento numérico dos sindicatos de tendência profissional e política. Enquanto isso, não deixa de existir na França grande número de operários com tradição anarquista e, também, individualista. Eles compõem tendências as mais diferentes, como os proudhonistas, bakuninistas, corporativistas, saint-simonistas, fourienistas etc., cujo objetivo e fins se confundem em muitas circunstâncias. Ao final da década de 1870, com o crescimento econômico e o avanço capitalista, muitos deles, principalmente os de tendência anarco-comunistas, começam a duvidar do método de ação preconizado por Kropotkin e outros teóricos da mesma escola. Esta incerteza põe em xeque a sua estratégia para atingir a sociedade ideal. E, pouco a pouco, começa a se delinear a necessidade de o operariado se organizar, fator necessário para que possa lutar contra a burguesia.

A mudança que se observa ainda é precária: socialistas e anarquistas estão se definindo, não tendo chegado ao seu momento maior, que se dá na última década do século. Mas este alicerce inicial, que começa e se esboçar, beneficia-se de outros fatores: a anistia política de 1878 e a lei sindical de 1884.

Ambos apresentam-se como fundamentais. O primeiro, não se pode deixar de lembrar, está ligado à repressão da época de Napoleão III, à Comuna de Paris e ao início da III República, principalmente ao governo de Thiers. A reação se traduz nos 30.000 fuzilados no Père-Lachaise; nos milhares de operários enviados às Colônias Carcerárias da Guiana Francesa, onde morrem de doenças e pelas más condições de vida; e nas centenas de refugiados no exterior – Suíça, Espanha, Inglaterra, Brasil etc. Com a anistia, grande número de exilados retorna ao país e volta às atividades anteriores.

É a lei sindical de 1884 que vai dar um impulso à organização operária. Ela é resultado de esforços anteriores, como os estatutos da sociedade de crédito mútuo e de solidariedade, de 1864, da Câmara Sindical dos operários cordonniers; do Socorro Mútuo La Progressive, de 1870 etc., e dezenas de outras entidades organizadas pelos operários. Neste e em outros estatutos se apresentam itens sobre direitos de ensino profissional, de aprendizagem, de horas de trabalho, de salários, de conduções de trabalho, de salário-mínimo, de formação de comissão mista com patrões para resolver pendência entre ambos etc. Muitos destes direitos aparecem na lei de 1884, sobre sindicato profissional. Ao contrário das anteriores, ela, pelo artigo 1º, reza:

“Os sindicatos profissionais, compostos de mais de 20 associados, exercendo a mesma profissão ou o mesmo ofício, poderão se constituir sem a autorização preliminar do governo, segundo as condições prescritas pelos artigos seguintes; artigo 2º: os sindicatos profissionais têm exclusivamente por objeto o estudo e a defesa dos interesses profissionais, econômicos, industriais e comerciais comuns a todos os seus membros” (5).

As estatísticas mostram os efeitos da nova conquista. É verdade que, nesta hora, o movimento operário, por iniciativa de suas lideranças mais radicais, age livremente, se organizando segundo as formas que lhe são mais caras. Agora, o mutualismo e o corporativismo, por exemplo, estão superados pelo sindicato profissional e pelas Bolsas de Trabalho. Os dados estatísticos mostram a expansão resultante do processo pós-1884 que, por sua vez, traduz as novas condições econômicas e sociais resultantes da expansão do sistema capitalista.

Quadro (p. 72)

Pelos dados acima, de 1890 a 1905 temos um aumento de 460% em número de sindicatos, enquanto o de sindicalistas aumenta 600%. E efetivo de membros de um sindicato passa de 138 a 170 (6). O avanço rápido se deve não só à maior pressão operária, mesmo que se infrinja a lei em muitos casos, como também o governo, não podendo mais cercear o movimento que cresce e se torna mais poderoso, acaba por aceitar nova legislação social, mais modernizante. Esse processo, no entanto, prima pela aparição e o amadurecimento de novas formas de luta, cujo escopo principal é a organização operária. A valorização do individualismo e do espontaneísmo, fundamental nas correntes anarquistas de Kropotkin, Malatesta, Bakunin etc., agora começa a ser contestada. O último desses movimentos é a corrente dita da violência, isto é, a dos que incentivam atentados a membros e à propriedade burguesa, como veremos adiante. É assim que, a partir de 1886, temos o aparecimento das Bolsas de Trabalho e, logo após, os primeiros sindicatos anarco-sindicalistas. Como resultado, formula-se a teoria da Ação Direta (que sofre influência de George Sorel).

“As Bolsas de Trabalho devem ser independentes para prestar serviços que se esperam delas”

A expansão das Bolsas de Trabalho deve-se a Fernand Pelloutier. É a partir de 1895, hora em que ele se torna secretário da Federação, que se dá o seu deslanche. A idéia aparecera alguns anos antes, em 1887, quando o Conselho Municipal de Paris funda uma Bolsa de Trabalho. Sua intenção é a de oferecer aos sindicatos “escritórios, salas de reunião e documentação”. O resultado é de tal maneira satisfatório que eles somam 14 em 1892; 40 em 1895; 51 em 1898; 74 em 1901; 110 em 1904; e 157 em 1908. Só que o objetivo sonhado no começo por alguns – o de ser instrumento de integração com o Estado ou o de ligação com o partido no poder – não se realiza. As diversas unidades, espalhadas pela França, resumem seu objetivo, em 7 de fevereiro de 1892, ao realizar seu Congresso e inaugurar a Federação das Bolsas de Trabalho: “as Bolsas de Trabalho devem ser absolutamente independentes para prestar serviços que se esperam delas” (7).

Resumindo melhor, elas se destinam a “se voltar para a organização e a educação”. Em primeiro lugar, desejam “ser uma sociedade de resistência a favor dos assalariados, resistência contra a redução de salários, contra o prolongamento excessivo da duração do trabalho e, na medida do possível, contra o aumento do custo de vida”. E como se define um pouco mais tarde: 1) pretende prestar serviço de mutualidade, monopolizando “todo serviço relativo à melhoria da classe operária” e “criar um Estado no Estado”; 2) serviço de ensino, ou seja, ela quer ser a Universidade do operário, da cultura, fatores de emancipação e reivindicação desejada pelos anarquistas; 3) serviço de propaganda, destinado a levar a todos os operários os benefícios de sua ação educativa (8).

“O conflito ideológico entre marxistas e anarquistas aumenta principalmente durante a II Internacional”

No seu início faz parte dela grande número de militantes socialistas, divergindo da linha do Partido Operário Francês, de tendência marxista, sob a direção de Jules Guesde; e de outros agrupamentos, como o dos possibilistas, de Paul Brousse, os blanquistas de Edouard Vaillant, os alemanistas e os Independentes, de Jean Jaurés; além dos anarquistas propriamente ditos. Pouco a pouco, os primeiros abandonam a Federação das Bolsas de Trabalho, a adesão dos anarquistas aumenta e são eles que preenchem a maior parte dos cargos executivos. As ondas de adesão multiplicam de maneira contínua, pois o conflito ideológico entre marxistas e anarquistas se avoluma, ano após ano, principalmente durante os congressos da II Internacional. No 2º Congresso (Bruxelas, 1891), no 3º (Zurique, 1893), e no 4º (Londres 1896), temos debates tensos entre as duas correntes, até que, em Londres, os socialistas impõem restrições radicais para impedir a participação acrática nas futuras reuniões. Desta maneira, a crescente onda de anarquistas favoráveis à idéia organizacional só encontra nesta primeira uma única saída para realizar o seu intento: a Bolsa de Trabalho.

A ampliação do movimento sindical provoca o surgimento de novas linhas táticas destinadas a pôr em xeque o sistema capitalista. As correntes dominantes até os anos 1870-1880, que pregam o “elogio do terrorismo individualista” e vivem em “contínuas discussões acadêmicas”, são substituídas pela certeza de que o sistema burguês poderia ser abatido unicamente pelo proletariado organizado. As contínuas investidas policiais e o reforço de medidas legislativas do governo contra a classe operária levam logicamente os militantes a enxergarem que “se o anarquismo quisesse ser mais que um protesto individual teria que procurar uma nova base nas massas, e novos meios de ação numa sociedade dia a dia mais industrializada” (9).

Diante de novos dilemas e do impasse sofrido pelos adeptos do anarco-comunismo – isto é, corrente evolucionista e pacífica de Kropotkin –, nova corrente sindical considera-se como “escola prática de anarquismo”. Laboratório das lutas econômicas, longe das competições eleitorais, administrando-se anarquicamente, não é ela a organização ao mesmo tempo revolucionária e libertária que, unicamente, poderia contrabalançar e destruir a nefasta influência dos políticos social-democratas? E ao elogiar os sindicatos afirma:

“no dia em que estourar a revolução, não haveria aí, pronto a suceder à organização atual, uma organização quase libertária, suprimindo de fato todo poder político, e na qual cada parte, dona dos instrumentos de produção, regularia ela própria os seus negócios, soberanamente e pelo livre consentimento de seus membros?” (10).

Desta maneira, o sindicato é a “célula do organismo social” e é a partir dele que se inicia a reação à burguesia. As relações de classe fazem-se agora, para os anarco-sindicalistas, através de uma mobilização total contra o sistema e pelo instrumental da Ação Direta. Nada de intermediários neste jogo de luta de classes, nada de parlamentarismo, nada de socialismo marxista e não marxista, nada de mecanismos usados pelo operariado, como as formas moderadas e reformistas. E, fundamentalmente, não aceitar os exemplos dos sindicatos da Inglaterra e Alemanha, que se voltam unicamente para a pressão a favor de melhores salários e estabilidade no emprego.

“Década de 1890: surgem acontecimentos de caráter trágico. A polícia acusa anarco-sindicalistas”

No entanto, antes de prosseguir, não podemos deixar de esclarecer a questão da justificativa do uso da violência, violência de classe; isto é, do operariado contra a classe dominante, idéia que se espraia em várias outras correntes, operárias e não operárias. Bakunin e George Sorel são exemplos desta diversidade. Mas, no início da última década do século, surgem acontecimentos de caráter trágico que, intencionalmente, a polícia diz ser obra de anarco-sindicalista. Neste momento gera-se clima de insegurança, a classe dominante fala em extirpar a doença anarquista, inicia-se o Processo dos Trinta.

De maneira resumida, temos o seguinte: nos anos 1880 uma série de publicações anarquistas faz ameaças à burguesia, falando em envenenamento da água, incêndio de imóveis etc; e, paralelamente, ocorre uma série de assassinatos por anarquistas. A partir de 1892, a esses incidentes isolados soma-se uma “verdadeira epidemia terrorista”. O primeiro ato da série a provocar o clima de incerteza é o caso Ravachol. Este, em março de 1892, torna-se responsável por duas explosões de dinamite, em residências de autoridades judiciais. Ele é preso e confessa ter violado sepulturas, estrangulando uma velha e se apossado do seu dinheiro. Em dezembro de 1893 temos a explosão da Câmara dos Deputados, ato praticado por Vaillant. Em fevereiro de 1894, Émile Henry joga bomba no café Terminus, localizado na Estação de Saint-Lazare. Em junho de 1894, o italiano Caserius assassina o presidente da França, Sadi-Carnot.

Essas e dezenas de outras ações individuais mostram a determinação latente de castigar os membros do sistema dominante, mas a iniciativa parte de indivíduos anarquistas, sem compromissos com qualquer grupo ou agremiação acrática; o que pretendem é fazer justiça por conta própria (11).

Os atentados provocam mal-estar e comprovam a visível falta de segurança de boa parte da população parisiense. A resposta do governo é a edição de leis repressivas, que cerceiam as atividades anarquistas e socialistas; e, afinal, a abertura do Processo dos Trinta, em agosto de 1894.

O processo é antecedido por perseguições, pressões, desmantelamento de grupos, fechamento de jornais, recuo do movimento anarquista e até socialista. A arbitrariedade torna-se regra geral, com as autoridades prendendo e abrindo processo contra todo ativista acrático que, até então, mostrara ou não simpatia pelos atos de violência individual. Entre os detidos estão Jean Grave, Sébastien Faure, Charles Chate, Felix Feon, Matha. Do outro lado, alguns dos acusados fogem para a Inglaterra: Paul Reclus, Constant Martin, Émile Pouget, Louis Duprat, Alexandre Cohén. No entanto, desde o começo nota-se a arbitrariedade governamental, que aparece nítida no decorrer do processo. Os argumentos jurídicos da acusação englobam artigos que consistem: “(…) em confundir no mesmo processo revolucionários e pessoas comprometidas em assuntos do direito comum. É necessário confessar que os anarquistas ilegalistas, que reivindicam o direito de roubar – é para eles o direito à vida, à margem da lei –, ajudam a criar parte do clima de confusão. Assim, vê-se, ao lado de militantes, cujo único crime era o delito de opinião, ocupar o banco dos réus, com ladrões como Ortiz, Chericotti e Companhia; em pouco tempo, dezenove teóricos e propagandistas e onze ladrões se confessam anarquistas” (12).

O processo mostra-se inoperante para o governo, o que o leva afinal a confessar o seu fracasso. Com a libertação dos acusados, o retorno dos exilados e o término do clima repressivo, os sindicatos e as atividades partidárias voltam a deslanchar. Novos jornais aparecem, entre eles La Sociale (que se transforma em Le Perepeinard), La Voix du Peuple (da Confederação Geral do Trabalho), Les Temps Nouveaux (de Jean Grave), Le Libertaire (de Sébastien Faure).

Nestes anos, que marcam o fim do século, temos a consolidação da Bolsa de Trabalho, de sindicatos socialistas, de sindicatos anarquistas etc. Mas os grandes beneficiados são os sindicatos profissionais, porque respondem mais profundamente às reivindicações das massas. Também, a partir de então, os anarquistas enxergam a necessidade de “maior contato com a massa assalariada: onde, porém, encontrar o povo operário, senão no seio do sindicato, onde instintivamente ele se agrupa?” Essa é a posição de vários líderes e grupos anarquistas, que se manifestam desde alguns anos, como veremos (13).

“Ao lado da tendência conservadora, há necessidade maior de contato com a massa assalariada”

Émile Pouget é filiado a sindicato desde 1879; Pièrre Monatte está ligado também a este organismo; Jean Grave adere ao anarco-sindicalismo durante anos de exílio na Inglaterra; Sébastien Faure, Yvetot, George Delasalle tomam a mesma direção. Desta maneira, ao lado do movimento de tendência conservadora, dita amarela ou independente (com pequeno número de aderentes), temos um crescente aumento das Bolsas de Trabalho (109, em 1905), de sindicatos ligados aos partidos políticos, e um número cada vez maior de sindicatos de resistência ou revolucionários, definidos por seus próprios membros como radicais anarco-sindicalistas. No entanto, revolucionário é termo que deve ser examinado com cuidado, pois a adesão dos anarquistas leva este organismo a mudanças táticas, não estruturais: “aos olhos dos anarquistas, os sindicatos continuam impotentes se seu fim consiste em obter para o operário um aumento de salário ou uma diminuição do tempo de trabalho. Num caso como no outro, a melhora obtida não pode ser senão temporária ou ilusória”. O aumento do custo de vida põe em xeque esta ilusão.

“Entretanto, é possível utilizar os sindicatos. Até hoje eles estiveram nas mãos de marxistas e de pequenas capelas autoritárias. Tornar-se-ão, graças aos anarquistas, centros de livre discussão, de onde serão banidas as controvérsias políticas; eles só serviam para adormecer o proletariado com a promessa de impossíveis reformas, e se tornarão, graças aos companheiros, bases de educação, onde os operários aprenderão que a emancipação econômica não pode ser obtida senão pela revolução e o fim do assalariado” (14).

A mudança de linha leva os que aderem agora a este tipo de sindicato a seguirem novas direções, tática e estratégica, que os distinguem de outros. O que querem é instrumentalizar o seu trabalho, denominado por eles Ação Direta.

“Ação Direta: benévola e pacífica, ou vigorosa e violenta dependendo das circunstâncias”

Ação Direta significa que os explorados, isto é, o proletariado, têm que enfrentar, por si só, o sistema dominante, a burguesia. Nada de auxílio do Estado, e sim contra o Estado; nada de ação parlamentar, e sim contra o Congresso; nada de partido, e sim contra o partido. Em outras palavras:

“Sim! Eis o que é a Ação Direta (…) Ela é uma manifestação da consciência e da vontade operárias; ela pode ter marcha benévola e muito pacífica e, também, avanço vigoroso e violento (…) Isto depende das circunstâncias. Mas, num caso como no outro, ela é de ação revolucionária porque não se importa com a legalidade burguesa e sua tendência não é obter melhorias que possam diminuir os privilégios burgueses” (15).

Para o anarco-sindicalismo, a idéia de autonomia é fundamental. Ela começa com a liberdade dos sindicatos, das federações e das confederações, e a ação de cada uma “faz-se naturalmente, logicamente, como todas as manifestações da vida – e não arbitrariamente, segundo um programa anteriormente elaborado”. O sindicato é a célula da organização corporativa. Sua razão de ser é “criar uma força capaz de resistir às exigências patronais”, agrupar espontaneamente os que têm o mesmo interesse econômico, sem nenhuma intenção egoísta, mas, pelo contrário, em “um sentido profundo de solidariedade social, comunista, que lhe são próprias” (16). Ou como diz outro teórico:

“Entrei para o sindicato, para aí lutar contra o patronato, instrumento direto da minha servidão, e contra o Estado, defensor natural do patronato. Foi no sindicato que eu adquiri toda a minha força de ação e foi no sindicato que as minhas idéias começaram a precisar-se” (17).

Os sindicatos, por sua vez, ligam-se entre si, na medida do mesmo interesse ideológico ou de circunstância, formando a federação local; e na medida de expansão, quando cresce o número de federações, passam a lutar pela organização de uma confederação. A primeira delas é de 1895, hora em que a Federação Nacional dos Sindicatos passa a denominar-se Confederação Geral do Trabalho. A sua vida é breve, mas em 1902 ela ressurge, quando os anarco-sindicalistas se expandem novamente e encontram apoio dos companheiros da Bolsa de Trabalho. É no Congresso de Amiens, em 1906, entretanto, que se consolida definitivamente a existência da Confederação Geral do Trabalho, momento alto do movimento sindical, revolucionário ou não.

“Com efeito, Bem 500 sindicatos que nos dão as estatísticas oficiais, os mais ativos, os mais enérgicos – os chamados sindicatos vermelhos – fazem parte da Confederação Geral do Trabalho. Esta agrupa de fato, na sua seção das Federações, 2.500 sindicatos; e se considerarmos que da seção das Bolsas de Trabalho fazem parte muitos sindicatos que não estão filiados a nenhuma Federação corporativa, constata-se que mais de dois terços dos sindicatos estão confederados. Além dos sindicatos aderentes a uma federação e a uma Bolsa de Trabalho, o número dos que aderem somente a uma bolsa eleva-se, na seção das Bolsas de Trabalho, a cerca de 900. Estes sindicatos, junto aos 2.500 filiados às Federações Corporativas, dão um total de 3.400 sindicatos confederados” (18).

Esta expansão não cerceia o avanço de sindicatos de outras tendências ideológicas. Mas, de qualquer maneira, os anarco-sindicalistas agem com bastante resultado nas greves e reivindicações da classe, e até se unem a outras forças ideológicas, como na mobilização feita durante a revisão do processo do capitão André Dreyfuss, em 1897.

“Marcado por consciência revolucionária, o episódio da greve sobrepassa o motivo econômico”

Se o anarco-sindicalismo pretende se distinguir de outras tendências e deseja pôr fim à sociedade burguesa, qual a tática que usa para a luta? Já analisamos o conceito e o uso da chamada Ação Direta. É através da sua utilização que podemos avaliar o conteúdo da tática que defendem. Aí aparece nítida a questão da greve e da Greve Geral. A primeira trata de manifestação de descontentamento, o que provoca a recusa do trabalhador, isto é, temos a paralisação dos operários em sua tarefa. Quando se trata de trabalhadores com consciência revolucionária, o episódio da greve sobrepassa o motivo econômico propriamente dito e “manifesta-se como episódio da guerra social”. Daí ser a greve um ato revolucionário, que positivamente nada tem de negativo ou catastrófico, e sim um ato que se materializa todos os dias, graças ao esforço da classe operária em revolta, sendo a greve considerada como um dos fenômenos desta revolução; a greve é um bom acréscimo do espírito de revolta, manifestando-se como fenômeno de expropriação parcial do capital (19).

À greve propriamente dita se acrescentam outras medidas, que tornam mais eficiente a luta contra a burguesia: é o label, a boicotagem e a sabotagem. A boicotagem é a medida de excomunhão especificamente voltada contra o industrial ou o comerciante, quando qualquer um deles explora de maneira desumana a sua mão-de-obra, ou vende por um preço abusivo os seus produtos. Nos dois casos, o sindicato usa o boicote, recomendando a todos que não comprem os produtos de fabricação industrial, nem o da casa comercial indicada. O label tem sentido inverso. É da recomendação para que os sindicatos consumam os produtos dos estabelecimentos industrial e comercial onde os operários são condignamente tratados e onde recebem salário justo; comum, também, a indicação ser positiva para os estabelecimentos que contratam operários sindicalizados. Nestes casos, o sindicato afixa, na parte dianteira do prédio, um adesivo com seu emblema, para que os operários dêem preferência a eles: “apesar de o label não constituir uma manifestação revolucionária muito aparente, não deixa de derivar do mesmo princípio: os trabalhadores lutando e defendendo-se diretamente do capitalismo, contando com as próprias forças, sem procurar protetores de fora” (20).

Afinal, a sabotagem é a aplicação de métodos negativos ao patrão: “a má paga, o mau trabalho”. Desta maneira, atinge-se no seu coração o sistema capitalista. Para exemplificar: lentidão no trabalho (operação tartaruga, na expressão atual), mau acabamento do produto, quebra parcial das máquinas etc. “A sabotagem constitui, a maior parte das vezes, um ato individual, que corrobora a ação coletiva. É preciso dizer que o receio da sabotagem é um calmante precioso suficiente, muitas vezes, para fazer o patrão mais intransigente ceder” (21).

Essas medidas parciais reforçam os mecanismos gradativos na luta contra o sistema capitalista. O choque final, o instrumento básico da quebra do domínio da burguesia, elemento revolucionário, é a Greve Geral. A ruptura entre os dois sistemas – capitalista e proletário – seria então completa, pois, moral e ideologicamente, os anarco-sindicalistas já tinham posto em prática o arcabouço de seus valores e mostrado as suas divergências com a classe dominante. A autonomia da classe operária, sendo um fato real, leva a afirmar que ela possui “todos os elementos reais da vida social, tendo adquirido a força e consciência necessárias para impor a sua vontade e, assim, passar aos atos, recusando-se a produzir para a classe burguesa – e, com isso, a revolta traduz a Greve Geral” (22).

“Fernand Pelloutier expõe em 1892 a tese sobre a Greve Geral, que então se torna sinônimo de revolução”

A idéia de Greve Geral aparece desde a I Internacional. É aceita por socialistas e anarquistas, os primeiros se desgostando logo dela, enquanto os acráticos continuam a aplaudir. Fernand Pelloutier é quem expõe a tese, mais largamente, em 1892. A partir de então, a concepção de Greve Geral se fixa e torna-se sinônimo da “própria Revolução; porque, interpretada de outro modo, não seria mais do que uma nova mistificação. Greves Gerais corporativas e regionais a devem preceder e preparar” (23). Ela representa:

“(…) a recusa dos produtores a trabalharem para a satisfação e gozo dos que não produzem; é a explosão consciente dos esforços operários, tendo em vista a transformação social; é a consequência lógica da ação constante do proletariado sedento de emancipação (…) Implica, como ato final, uma consciência muito elevada da luta e uma prática prolongada da ação. É uma etapa da evolução, assinalada e precipitada por sobressaltos (…)” (24).

Definidos os parâmetros da nova linha sindical, posto de lado o problema da diferenciação entre correntes socialistas e anarco-sindicalistas, avaliados os simpatizantes da nova corrente – anarquistas individualistas, Bolsa de Trabalho etc. –, o movimento se encaminha para a formação da nova Confederação Geral do Trabalho, que se concretiza, afinal, no Congresso de Amiens, em 1906. Esta nova história terá altos e baixos, mas ela pertence a um novo momento da história do anarquismo.

* Professor titular do Departamento de História da USP.

Notas

(1) LEFRANC, George. Le syndicalisme en France, p. 8.
(2) SEILHAC, Léon de. Syndicats ouvriers, Federations, Bourse de Travail, p. 26-27.
(3) KRUTSKY, Mlle. L’evolution du syndicalisme en France, p. 126-127.
(4) LEFRANC, George. Ibidem, p. 16-17 (o grifo é do original).
(5) SEILHAC, Léon de. Ibidem, p. 71.
(6) LOIS, Paul. Histoire du mouvement syndical en France, I, p. 149.
(7) LEFRANC, George. Le syndicalisme en France, p. 20.
(8) MAITRON, Jean. Ibidem, I, p. 294-298.
(9) JOLL, James. Anarquistas e anarquismo, p. 23.
(10) As citações são de Fernand Pelloutier, em artigo de 1895, in GUERIN, Daniel. L’anarquisme, p. 91.
(11) A literatura sobre os atentados é vasta: MAITRON, Jean. Ravachol et les anarchistes (há edição portuguesa). Do mesmo autor: Le mouvement anarchiste en France (2 vols.). Maspero, Woodcock, James Joll, Daniel Guerin trazem informações úteis.
(12) MAITRON, Jean. Ibidem, p. 253.
(13) MAITRON, Jean. Ibidem, p. 265-266.
(14) MAITRON, Jean. Ibidem, p. 267.
(15) A citação é de autoria de Pouget, in GRIFFUELLES, Victor. L’action syndicaliste, p. 26.
(16) POUGET, Émile. A Confederação Geral do Trabalho, p. 6-7.
(17) GRIFFUELLES, Victor. Ibidem, p. 11.
(18) POUGET, Émile. Ibidem, p. 14-15.
(19) POUGET, Émile. Ibidem, p. 47-48.
(20) POUGET, Émile. Ibidem, p. 52.
(21) POUGET, Émile. Ibidem, p. 52.
(22) POUGET, Émile. Ibidem, p. 56.
(23) GRIFFUELLES, Victor. A ação sindicalista, p. 41.
(24) GRIFFUELLES, Victor. Ibidem, p. 42.

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EDIÇÃO 37, MAI/JUN/JUL, 1995, PÁGINAS 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77