A legitimidade do uso da força para modificar situações políticas ou mudar a sociedade é reconhecida há séculos. Em plena Idade Média, Tomás de Aquino, um dos padres da Igreja, dizia não ser pecado lutar contra os governos tirânicos. A Constituição norte-americana de 1787 registra idêntico direito, e mesmo os militares que deram o golpe de Estado de 1964 no Brasil admitiram, de forma indireta, a legitimidade do uso da força ao registrar, no preâmbulo do Ato institucional n. 1, que “a revolução vitoriosa, como o poder constituinte, se legitima por si mesma”.

O exercício desse direito no Brasil pós-1964 é o tema de Luta armada – no Brasil dos anos 60 e 70, publicado pela editora Anita Garibaldi, de autoria de Jaime Sautchk, jornalista veterano, ligado à imprensa popular desde Opinião e Movimento, em plena resistência contra a ditadura.
Logo de saída, Jaime adverte que sair por aí dando tiro a esmo não é luta armada. Ela é um instrumento de luta política, de mudança social, e só tem sentido num exemplo mais amplo, quando outros instrumentos são ineficazes ou impossíveis, ou quando a desagregação social e política está muito avançada e trata-se de demolir o poder antigo e erigir um novo em seu lugar. Ela implica, assim, a existência de uma organização política e de um programa de mudanças econômicas e sociais cuja implantação exige variados instrumentos de luta política – entre eles a insurreição armada.

Jaime procura definir o que é luta armada. Conta sua história – de maneira sumária – no Brasil e no mundo. Caracteriza a variada forma em que ela se apresenta, desde o banditismo social de Robin Wood ou Lampião até as lutas do século XX, com o objetivo de construir um sistema social superior, mais avançado que o capitalismo.

O livro descreve as organizações que participaram da luta armada no Brasil, entre 1960 e 1970, os programas que elas defendiam e, finalmente, seus protagonistas.

Seus personagens são Che Guevara, Mário Alves, Carlos Marighela, Carlos Lamarca, Eduardo Leite (o Bacuri). Joaquim Câmara Ferreira, José Porfírio, Osvaldo Orlando Costa (o Osvaldão), Dinalva Oliveira Teixeira (a Dina), Maurício Grabois e muitos outros que viveram e morreram em defesa da causa do povo brasileiro.

Sob a ditadura, esses homens e mulheres tiveram o estigma de bandidos, foram perseguidos e a sua luta foi enxovalhada como criminosa pelo regime militar e por seus arautos dos meios de comunicação. Mesmo hoje, depois do fim dos governos militares e da abertura de uma nova página democrática na história do país, ainda existe quem insista em ver aquela luta como aventureirismo, voluntarismo, caracterizados pela desorganização e improvisação.

Sem dúvida, foram cometidos muitos erros táticos e estratégicos. Erros de avaliação. Erros de conduta política. Erros quanto a segurança das organizações – e esses foram trágicos: a infiltração policial quase sempre resultou na destruição de muitas das 50 organizações de esquerda que existiram no país e no assassinato de seus dirigentes e militantes. No balanço daquele período, pode-se aprender com os erros cometidos. Eles permitem uma compreensão melhor do país, de sua história, do comportamento de seu povo. Hoje, podemos saber que muitas daquelas ações foram erradas porque, postas em prática, muitas teses e programas então defendidos revelaram-se inadequados para a revolução brasileira. Muitas ações podem ser consideradas equivocadas, mas fizeram parte do doloroso aprendizado histórico da esquerda brasileira.

Aqueles homens e mulheres foram a vanguarda da luta política em nosso país, foram os políticos que, de armas nas mãos, defenderam os interesses das classes operárias e dos trabalhadores em geral. Que sustentaram muitas vezes com o sacrifício da vida, a causa da soberania e da independência nacional. Que, nas condições adversas da ditadura terrorista, não deixaram morrer o sonho utópico de acabar com a exploração capitalista.

Para os militares, foram criminosos; para o povo brasileiro, têm um lugar de destaque na história. Ao lado de outros que, em seu tempo, também foram “criminosos”, mas que ficaram consagrados como heróis de nossa gente – Filipe dos Santos, Ajuricaba, Zumbi, Sepé Tiaraju, Tiradentes, Pedro Ivo, Frei Caneca, Luíza Mahin, Eduardo Angelim, Manoel Balaio e muitos mais – fazem parte do patrimônio comum de todos os que lutam pela democracia e pelo socialismo no Brasil.