A publicação pela Princípios desse artigo sobre a vida e obra do filósofo marxista italiano Ludovico Geymonat cumpre um duplo objetivo: tornarmos acessível a um público mais amplo uma informação básica sobre um dos pensadores mais instigantes do nosso tempo, além de prestar uma homenagem a esse homem de pensamento e ação, falecido em novembro de 1991. Uma de suas obras mais importantes, Galileu Galilei, será publicada no Brasil, este ano, pela Nova Fronteira.

Fabio Minazzi, o autor do artigo, é doutor em filosofia, autor de diversos livros, e foi aluno de Geymonat. O presente artigo foi publicado inicialmente na revista Fundamenta Scientiae, em 1989, e incluía uma informação bibliográfica detalhada sobre a obra de Geymonat, que aqui deixamos de publicar por falta de espaço. Nossos agradecimentos a Fábio Minazzi e Michel Paty (editor de Fundamenta Scientiae) pela autorização para a publicação desta tradução, feita por Sandra Lambert Damas, com revisão técnica de Olival Freire Jr.
Os Editores

“De fato, essas exigências internas críticas (elaboradas pela metodologia científica moderna) – uma vez liberadas no revestimento filosófico, posto pelos neopositivistas – não somente não estão em contradição com as linhas gerais do materialismo dialético, mas (…) podemos considerá-las como um desenvolvimento natural da tenaz polêmica conduzida por Engels e por Lênin contra todas as tentativas visando à absolutização do conhecimento científico. Uma simples reflexão poderia, na verdade, nos mostrar que elas fornecem a essa polêmica instrumentos conceituais particularmente eficazes, justamente porque elas não resultam de considerações gerais sobre o processo de conhecimento, mas de uma análise concreta dos procedimentos – os mais sutis – efetivamente presentes na ciência da época”. (…) “Se o epistemólogo marxista propõe um retorno ao materialismo, isso não ocorre por ‘fidelidade' aos clássicos do marxismo, mas por uma razão séria e convincente: é porque ele se encontra em condições de esboçar uma nova forma de materialismo – não mais mecânico e sim dialético – capaz de enunciar em termos filosoficamente corretos o que há de mais significativo na dinâmica real da ciência”.

Com essas palavras, Ludovico Geymonat, no seu ensaio de 1972, Metodologia neopositivista e materialismo dialético, motivava a exigência de integrar a lição do empirismo lógico com a lição marxista. Tal operação comportava, talvez, dificuldades teóricas, mas permitia entender a fundo a autonomia e a originalidade da reflexão filosófica de Geymonat, que o levaram a reelaborar de maneira inédita e crítica tanto as exigências internas neopositivistas como a linha diretiva tradicional marxista.

Na verdade, muitas vezes, ao longo de sua vida, Geymonat assumiu posições contra a corrente, e o fez com uma grande independência de espírito. Nascido em Turim em 1908, ele obteve na universidade dessa cidade sua licenciatura em Filosofia (em 1920), sob a direção de Peano, Pastore e Juvalta. Mesmo com a filosofia italiana dos anos 1930 sendo dominada pelo pensamento de Croce e Gentile, que negam a existência de qualquer relação significativa entre ciência e filosofia, Geymonat, inicia, em 1931, sua carreira de autor com seu primeiro livro, O problema do conhecimento no positivismo, no qual, ligando-se à tradição do positivismo, ele faz crítica detalhada ao neo-idealismo, defendendo abertamente o caráter totalmente cognitivo da ciência. Após uma breve estada na Alemanha, ele publica em 1934, o livro A nova filosofia da natureza na Alemanha, no qual dá as primeiras informações relativas às investigações de Dingler, Reichenbach, Schilik e Carnap.

Mas é em 1935 que, graças a uma estada de seis meses em Viena, ele entra em contato direto com Weiner Kreis (Círculo de Viena), tornando sua, de maneira crítica, a lição moderna dos neopositivistas. Nesse ano ele publicou na Rivista di filosofia austríaca, que Schilik “julga comoa melhor exposição de nossas idéias que tenha sido publicada, até hoje, onde quer que seja, por um observador neutro”.

Nesse mesmo período, Geymonat é obrigado a abandonar o posto de assistente na Faculdade de Ciências da Universidade de Turim porque se recusou a inscrever-se no partido fascista, como era exigido na lei daquela época. Foi pelo mesmo motivo que, de 1935 a 1940, Geymonat não pôde participar de nenhum concurso público, mesmo tendo obtido os diplomas necessários para o ensino da matemática, física, filosofia e história, não podendo ensinar nos liceus do Estado. A partir de 1940, as circunstâncias o impedem também de lecionar em escolas particulares, e é então que ele parte para Barge, na Província de Cuneo, de onde é originária sua família por parte de mãe. Ele continua suas pesquisas filosóficas e, ao mesmo tempo, dá início as suas atividades políticas clandestinas, que o levaram a organizar grupos de resistentes comunistas com os quais ele lutará até a Libertação.

Ele sofreu três meses de detenção nas prisões fascistas e tornou-se em seguida comissário político da 105ª brigada Garibaldi Carlo Pisacane, no Piemonte.

Geymonat traduziu os positivistas para que a Itália pudesse entender essas idéias inéditas

Contudo, em seus anos de luta, Geymonat consegue colocar em ordem seus estudos filosóficos elaborados anteriormente e publica os Estudos por um novo racionalismo, em abril de 1945, significativamente, alguns dias após a insurreição nacional. Depois de ter assumido por um curto período o cargo de diretor da edição piemontesa do L’unitá (órgão do Partido Comunista Italiano), e de ter participado do Conselho Comunal de Turim, Geymonat retorna a sua intensa atividade cultural.

Traduz várias obras dos neopositivistas a fim de se fazer melhor compreendida, na Itália, essa corrente filosófica até então inédita. Geymonat começa em seguida uma árdua batalha cultural e política com o objetivo de renovar profundamente a cultura italiana, colocando no centro das reflexões filosóficas os problemas que nascem no seio do empreendimento científico. Em 1948, ele pôde, enfim, se apresentar ao primeiro concurso universitário, no pós-fascismo – um concurso de filosofia; ele vence e é nomeado professor de filosofia na Universidade e Cagliari (1949), de história da filosofia na de Pávia (1952) e, em 1956, obtém a primeira cadeira italiana de filosofia das ciências na Universidade de Milão.

Nos anos 1950 participa com Abbagnano, Preti, Frola, Dal Pra e Bobbio do movimento amplo e diversificado do “neo-iluminismo” italiano (as “novas luzes”), elaborando um novo racionalismo que ele descreve nos Ensaios de filosofia neo-racionalistas de 1953. Graças ao seu ensino universitário, à sua atividade no CNP (Centro Nacional de Pesquisa) no setor lógico-matemático, na Domus Galileiana de Pisa (para a história das ciências e das técnicas), Geymonat não somente forma uma nova geração de pesquisadores que se dedicam ativamente aos estudos epistemológicos, lógicos, da história das ciências e da técnica, mas luta principalmente para introduzir essas disciplinas nas universidades (e na cultura italiana).

No início dos anos 1960, quando a cultura filosófica começa a fazer sua lição de rigor do neopositivismo, Geymonat adota uma nova direção com a publicação de Filosofia e filosofia das ciências, livro no qual desenha uma nova forma de epistemologia histórica. Seu projeto para um novo historicismo chega enfim à maturidade com a elaboração de sua monumental História do pensamento filosófico e científico, em sete volumes (1970-1976), escrita em colaboração com seus assistentes, e na qual a abertura ao marxismo baseia-se na tomada de consideração analítica da história do pensamento ocidental. Em 1974, a Academia Nacional de História das Ciências lhe confere a Medalha Koyré e, em 1985, a Academia dos Lincei lhe atribui o prêmio nacional de Filosofia. Geymonat continua a desenvolver em vários livros o seu programa de pesquisa filosófica para uma renovação profunda do marxismo. Entre eles devem ser citados Ciência e realismo (1977), os Elementos de filosofia das ciências (1985), As razões da ciência (1986), escrito em colaboração com Giorello e Minazzi (no qual se efetua, de maneira concisa e cuidadosa, uma comparação crítico-dialética entre as posições do historicismo científico marxista e as do empirismo literário, ligado à nova filosofia das ciências) e o muito recente A Liberdade (1988).

Até mesmo à luz de um perfil biográfico tão curto e esquemático, podemos compreender por que Geymonat não se restringiu jamais ao papel de repetidor passivo das idéias neopositivistas: ele sempre as reelaborou, de maneira crítica e pessoal. Aproximando-se das idéias de Weiner Kreis (Círculo de Viena), ele compreendeu que essa nova linha de pesquisa permitia ultrapassar duas graves limitações da diretriz tradicional do positivismo. Em primeiro lugar, conforme os positivistas clássicos, o conhecimento científico inevitavelmente desembocaria em problemas insolúveis que entrariam, segundo Spencer, no domínio do incognoscível, enquanto, para Du Bois-Reymont, tais problemas se tornariam verdadeiros enigmas do mundo. Para os neopositivistas, ao contrário, não há problemas insolúveis, e os que assim parecem ser são somente pseudo-problemas ou problemas que, por princípio, são privados de toda significação. Segundo essa perspectiva, toda a metafísica clássica seria constituída de pseudo-problemas que não merecem ser levados em consideração, porque não se pode atribuir-lhes qualquer significação.

Para os neopositivistas, no interior da ciência podem existir resíduos metafísicos indesejados

Por outro lado, o positivismo tradicional, segundo Augusto Comte, pensava que a metafisica representava uma fase do pensamento humano já definitivamente superada, já que tinha passado das primeiras formas imperfeitas do conhecimento (teologia e metafisica) à fase positiva e científica. Ao contrário, os neopositivistas, juntando-se à lição de Mach, pensam que os resíduos metafísicos podem estar presentes também no interior dos próprios conhecimentos científicos; o dever do epistemólogo seria justamente o de identificar essa metafisica interna às teorias científicas, a fim de eliminá-las. Para eliminar a metafísica do corpo das teorias científicas modernas, os neopositivistas propunham a realização de uma análise lógica rigorosa da linguagem científica, bem como a exigência de uma verificação empírica de igual rigor. Como dizíamos anteriormente, Geymonat compreendeu plenamente a enorme importância das teses do Círculo de Viena, capazes de libertar a atividade filosófica de todo vazio retórico, transformando-a num trabalho científico, no sentido próprio, tornando-a rigorosa e publicamente controlável. A atenção ao rigor linguístico e a preocupação com o controle empírico de nossos discursos parecem, de fato, oferecer a possibilidade de realizar uma filosofia que se subtraia à retórica e às rapsódias sentimentais literárias.

Geymonat, aceitando o núcleo fundamental da lição lógico-linguística do neopositivismo, coloca em destaque em particular, três teses: 1) o caráter convencional e o caráter hipotético típico de todas as leis científicas, que não podem obter um fundamento absoluto em nenhuma observação factual; 2) a importância que tem as teorias, face às leis singulares, porque o significado das leis depende sempre do contexto teórico global no qual elas estão inseridas, e do qual tiram seu determinado valor; 3) o elemento fundamental de uma teoria é representado por sua lei interna, que lhe dá solidez e certeza, ligando entre si os termos singulares e tornando precisas as relações de certos termos da teoria com os dados da observação.

Para Geymonat, a ciência não pode ser separada da história: é penetrada por ela inteiramente

Se é verdade que Geymonat, em sua leitura do neopositivismo, acentua seus componentes convencionalistas, em detrimento dos empíricos, é preciso também reconhecer que ele denuncia imediatamente, desde o inicio de seus trabalhos, o anti-historicismo decisivo e absoluto dessa filosofia. Em outros termos, mesmo que partilhe plenamente a tese de que a filosofia deva refletir seriamente sobre a ciência contemporânea, Geymonat se dá conta, claramente, do caráter abstrato e utópico do modelo de ciência perfeita perseguido pelos neopositivistas. De fato, ou essa ciência absolutamente rigorosa encontra seu lugar fora da dimensão histórica (o que é naturalmente discutível), ou ela constitui um ideal que só com dificuldade podemos atingir. (Por que, então, não considerá-la “metafísica”?) Nos termos de Geymonat:

“Se a procura do rigor é uma expressão natural de racionalidade, a conquista do rigor (quer dizer a posse do que esta busca se propõe a conquistar) ainda se enquadra na racionalidade, ou ela tem que ser considerada como algo hiper-racional?” (Reflexões críticas sobre Kuhn e Popper, 1983).

Criticando o anti-historicismo mais absoluto do empirismo lógico, Geymonat coloca em evidência ser justamente esse aspecto que diferencia o positivismo clássico. Retomando a lição de Comte, Geymonat prefere insistir sobre a historicidade intrínseca da ciência, escrevendo que “a ciência é realmente inteiramente penetrada por sua própria história e é inseparável desta” (A nova filosofia da natureza da Alemanha). Nos anos seguintes, mesmo se consagrando a uma extensa ação de atualização, de informação e de divulgação das idéias neopositivistas, Geymonat jamais negligenciou a dimensão histórica da ciência, alinhando-se ao ensinamento de F. Enriques em favor de uma visão dinâmica e histórica da ciência, e pôde publicar, em 1947, sua importante História e filosofia da análise infinitesimal.

De resto, Geymonat utilizou a lição do neopositivismo precisamente para desenvolver uma nova forma de racionalismo que:

“deve ser bem mais aguerrida e penetrante que os racionalismos que caracterizavam os séculos passados; ela deve ser, contudo: crítica, quer dizer, capaz de levar em justa consideração as objeções feitas contra a simples razão pelas filosofias místicas e decadentes que florescem nesses últimos anos; construtiva, quer dizer, pronta para satisfazer as exigências de reconstrução e de caráter lógico que são as características da nova época; aberta, quer dizer, capaz de enfrentar os problemas sempre novos que a ciência e a práxis colocam diante do espírito humano”.

É precisamente essa exigência de um novo racionalismo crítico, construtivo e aberto que o leva, nos anos 1950, a aderir ao neo-iluminismo italiano, aceitando as sugestões de Abbagnano, que o convencem a considerar as teorias científicas como técnicas da racionalidade humana concreta. O neo-iluminismo se qualifica, em Geymonat, como um programa de trabalho extremamente flexível e dúctil que acentua o desenvolvimento da racionalidade humana e a impossibilidade de reduzi-la a qualquer esquema arbitrário e não-modificável. Geymonat faz coincidir a racionalidade com as suas manifestações históricas concretas, permanecendo consciente da variabilidade dos parâmetros categoriais utilizados para a construção das teorias e dos conhecimentos sempre mais rigorosos. É por isso que, no ensaio A exigência de uma história integral da razão, Geymonat declara:

“O que me parece indispensável hoje é se conseguir inserir na concepção neopositivista a exigência interna da história, abrindo, por um lado, novos desenvolvimentos ao neopositivismo, e utilizando, por outro, os resultados da crítica neopositivista para fornecer novos métodos, uma nova acuidade e profundidade à pesquisa histórica”.

Assim, se ele publica em 1956 a sua monografia Galileu Galilei, cuja exposição de uma clareza excepcional lhe vale grande sucesso ainda hoje; em 1960 aparece Filosofia e filosofia da ciência, onde ele expõe, corajosamente, a exigência de um Historicismo integral da ciência, insistindo sobre a necessidade de elaborar uma nova forma de historicidade.

Alargando o exame metodológico das teorias cientificas da análise sintática àquela de caráter histórico-pragmático, Geymonat está capacitado para encontrar a dupla abertura que caracteriza globalmente a ciência. Verticalmente, as teorias científicas apresentam uma abertura típica em suas relações com a linguagem comum e com a experiência comum, das quais elas constituem um aumento progressivo do rigor, horizontalmente, as teorias são, ao contrário, ligadas entre si, pois cada teoria está sempre encerrada numa tradição conceitual específica. Através da utilização da categoria de patrimônio científico técnico, Geymonat está pronto para juntar a dupla “abertura” das teorias científicas à sua flexibilidade intrínseca e à sua capacidade contínua de se modificar, pois ele está convencido de que o problema filosófico do convencionalismo constitui “um problema tão importante e tão complexo que podemos considerá-lo como o nó central de toda filosofia contemporânea da ciência”. Segundo Geymonat, deve-se de fato conservar a ciência crítico-metodológica, elaborada pelo convencionalismo, sem ficar preso aos limites prejudiciais do convencionalismo filosófico. Enfim, é preciso saber aproveitar a lição profunda do convencionalismo sem nele permanecer.

É justamente o apelo à dimensão histórica da ciência e da técnica que permite a Geymonat não aceitar as pretensões do convencionalismo filosófico (que pretende reduzir as teoria científicas a meras hipóteses arbitrárias privadas de todo alcance cognitivo), reconhecendo a flexibilidade e a aptidão para se modificar, próprias do saber científico ao longo de sua história. A história do saber científico deve, além disso, levar a filosofia a compreender a ciência e a sua configuração autêntica e real sem seguir nenhum ideal abstrato de cientificidade.

O primeiro historiógrafo da ciência é o próprio cientista, que compara sua teoria com precedentes

É dessa linha geral que decorre um historicismo integral da ciência que valoriza a historicidade própria à ciência considerada pelo menos em três níveis: 1) toda ciência é sempre um produto ligado a um certo contexto histórico, cultural e social; 2) os conhecimentos científicos elaborados pelas ciências são também afetados por uma historicidade que não podemos eliminar: são conhecimentos “válidos, objetivos” que sempre podem ser aprofundados, retificados, precisados e modificados. O conhecimento científico não é um conhecimento absoluto e não modificável (metafísico), mas é um conhecimento “relativo”, quer dizer, aberto a integrações sempre novas; 3) a ciência vive e se desenvolve graças a sua historicidade intrínseca: o primeiro historiógrafo da ciência é o próprio homem de ciência, que elabora as novas teorias através de uma atenta comparação com as teorias precedentes, construindo traduções conceituais apropriadas aos resultados obtidos. Esses últimos não podem ser mais considerados, depois, “isoladamente”, pois o seu significado sempre deriva do contexto teórico (também do patrimônio cognitivo global) no qual estão inseridos. Essa dilatação do objetivo da epistemologia, da “estática” para a “dinâmica” das teorias científicas, é carregada, naturalmente de importantes consequências: ela não somente instaura um vínculo inseparável entre filosofia e ciências e a história das ciências, mas sublinha também a importância do estudo da complexa dialética histórica, teórica e técnico-experimental, pela qual a ciência se desenvolve progressivamente.

A obra de Geymonat está, adicionalmente, em harmonia com muitas teses formuladas nesses últimos anos, de modo completamente autônomo, por alguns intérpretes da corrente da nova filosofia das ciências que criticam o neopositivismo por sua indiferença face à história da ciências. Contudo, compreende-se bem a originalidade da posição de Geymonat, tomando-se em consideração ser justamente essa “nova forma de historicismo” que o levou a se ligar abertamente à lição filosófica de Marx e Engels e Lênin, proclamando de forma decidida a atualidade do materialismo dialético, baseado nos seguintes pontos fundamentais:

a) O historicismo integral da ciência sugere uma interpretação realista do próprio empreendimento científico, que se qualifica justamente como conhecimento objetivo, modificável ou parcial, de uma realidade exterior, independente do homem, que é sempre mais aprofundada;
b) “compreender o significado filosófico da ciência equivale a compreender o seu caráter histórico, sua dinâmica interna, e a flexibilidade de suas categorias” (Discussões modernas sobre a concepção galileana da ciência, 1982);
c) a dimensão heurística plena da sistemática descritiva e explicativa ligada ao uso da categoria de totalidade, que nos permite interpretar globalmente e de modo unitário o desenvolvimento do conhecimento humano;

Um novo racionalismo: realista, antidogmático, para eliminar do conhecimento o absoluto

d) a compreensão plena da componente técnica do saber humano (em conjunto com a inteligência da importância e da autonomia da história da técnica) leva a colocar em destaque o critério da práxis por intermédio do qual a história da civilização humana pode ser compreendida de maneira unitária;
e) a exigência de se alargar com coragem a noção tradicional de racionalidade, admitindo a existência de uma “racionalidade dialética” capaz de melhor compreender a complexidade e o caráter contraditório da história humana.

O materialismo dialético de Geymonat assume então a imagem de “um novo tipo de racionalismo: realismo, antidogmático, aberto, tendo como objetivo eliminar todo absoluto, tanto na ciência como na filosofia” (Primeiros elementos de uma teoria materialista-dialética do conhecimento, 1974). Sabe-se, por outro lado, que os cânones fundamentais da gnosiologia, de Engels e de Lênin, se desdobram em direção a uma ótica autenticamente materialista, e para a aceitação plena do caráter dialético e dinâmico de todo o complexo patrimônio cognitivo. Na perspectiva marxista de Geymonat, o realismo gnosiológico e a historicidade estão estritamente ligados, são justamente a modificação e o aprofundamento das teorias científicas que remetem a um realismo que caracteriza por seu caráter dinâmico intrínseco e pela sua variabilidade. De resto, é verdade que um dos pontos principais da gnosiologia marxista consiste em admitir, com Lênin, que a ciência humana que progride é realmente capaz de nos fazer penetrar progressivamente na realidade objetiva, então deve-se admitir também a consequência inevitável de que “a história da ciência (…) assume deste ponto de vista uma função central no debate que diz respeito ao problema gnosiológico”.

É preciso notar que, com essa abertura plena à tradição marxista, Geymonat terminou por se colocar numa posição autônoma em relação à epistemologia do século XX, assim como em relação à tradição marxista ocidental. De fato, contra o teoricismo excessivo dos pensadores pós-neopositivistas, Geymonat defende abertamente o materialismo e o realismo, colocando no centro da reflexão epistemológica o problema da objetividade do conhecimento científico e de seu alcance cognitivo autêntico; contra o marxismo ocidental, Geymonat reivindica, ao contrário, a atualidade plena das problemáticas traçadas na Dialética da natureza de Engels e no Materialismo e empiriocriticismo de Lênin. Assim, uma vez mais nestas últimas décadas do século XX, Geymonat, com uma total autonomia intelectual, sem sofrer os diversos modismos culturais efêmeros, desenhou um programa de pesquisa filosófico-científico original, pleno de desenvolvimentos interessantes, à medida que ele consegue traçar com rigor a linha de um novo historicismo científico realista dialético. De fato, podemos ler em Ciência e realismo, no capítulo consagrado ao problema do realismo:

“É justamente nesse caráter dialético que se enraiza o esforço contínuo que o homem faz para projetar novas teorias científicas, para não se deter frente às dificuldades e ao mesmo tempo para não se contentar apenas com alguns sucessos; quer dizer, o homem alarga, modifica, revoluciona as velhas noções e as velhas categorias a fim de chegar a ‘aproximar’ sempre melhor a realidade em seu próprio devir”.

EDIÇÃO 40, FEV/MAR/ABR, 1996, PÁGINAS 73, 74, 75, 76, 77