Mais do que para decretar o fim da história, os ideólogos do poder esforçam-se para inventar uma nova história e atribuir a esse ícone que se tomou a queda do muro de Berlim a queda de toda a memória mundial, sobre todos os fatos que se passaram antes da tão famosa queda. Ler essa coletânea de textos de Nelson Werneck Sodré permite-nos resgatar a própria memória. Não fomos nós brasileiros que sonhamos. Nossa memória está funcionando perfeitamente.

O crescimento da dívida externa brasileira e o seu uso como mecanismo de dependência; fusões bancárias, tão em moda; "estatização" de empresas falidas fraudulentamente para que depois sejam "privatizadas" em leilões burlescos, campanhas gigantescas da mídia, com objetivo de tomar verdadeiras certas versões. Esses mecanismos, intrínsecos ao processo neoliberal, revisitados à luz da história e com o olhar de um estudioso brilhante como Werneck, vão permitindo ao leitor que ainda tem alguma dúvida, ou que busca fundamentar mais solidamente suas convicções, ter um levantamento e uma análise relevantes na luta contra o projeto neoliberal.

A coletânea prefaciada por Luis Fernando Veríssimo, além de trazer dois artigos inéditos, reúne textos publicados nos jornais Correio Brasiliense, Hora do Povo e Zero Hora no período de 1991 a 1995. Nela, Werneck dedica especial atenção ao papel da mídia e dos Chicagoboys na formulação do ideário e do tratamento publicitário dado ao neoliberalismo no mundo e no Brasil. O autor faz uma compilação das principais campanhas publicitárias a que a imprensa norte-americana chama de crusade (bombardeio pela mídia, das mais variadas formas, em torno de uma figura ou fato que se queira ressaltar ou denegrir, até que ele se tome "verdade"). Podemos citar como exemplo dessa crusade no Brasil a campanha pela venda da Vale do Rio Doce, mas Werneck lembra inúmeras outras, bem mais antigas e reincidentes.

Assuntos atuais como a reforma da previdência, o congelamento de salários como medida anti-inflacionária e a necessidade de "desprivatizar o Estado para que ele se volte aos assuntos do povo e deixe de ser instrumento de suporte à iniciativa privada" são assuntos tratados no livro com vasta fundamentação de dados e cifras, para neoliberal nenhum contestar, sendo excelente fonte de consultas para estudiosos e ativistas.

A farsa do neoliberalismo, de Nelson Wemeck Sodré, não deixa dúvida de que o combate ao neoliberalismo está muito longe de ser apenas um "nhénhénhé" contra o Sr. FHC.

EDIÇÃO 41, MAI/JUN/JUL, 1996, PÁGINAS 82