Educação, trabalho e o provão: o projeto neoliberal passa pela transformação da universidade
Perguntem a qualquer cidadão bem informado deste país: Qual foi a maior discussão educacional do ano de 1996? Sem hesitação, ele responderá que foi o provão.
Há tempos que não se tinha notícia de uma repercussão tão grande para um assunto ligado à universidade. Nas faculdades, nas esquinas,na imprensa, em todos os lugares, durante um bom tempo, a sociedade discutiu um assunto que muitos consideravam pouco interessante e muito afastado dela: a avaliação do ensino superior.
De um lado os estudantes, conselhos profissionais, docentes, técnicos administrativos, cientistas, intelectuais e juristas criticavam o modelo. Do outro lado o Governo Federal dispensou a mais alta atenção ao assunto, desencadeando umas das maiores campanhas publicitárias com gastos que, segundo seus próprios dados, aproximaram-se de um milhão de reais. Aos poucos o tema foi ganhando uma notoriedade incalculável. Virou tema relevante no discurso presidencial de balanço anual, realizado em dezembro, e motivou a queda da secretária de Ensino Superior do Ministério da Educação e do Desporto (MEC).
Duas perguntas, entretanto, ficaram no ar. Mesmo sabendo do desgaste que seria gerado pela forte oposição de amplos setores da sociedade, por que o governo insistiu tanto em não abrir mão da aplicação do Exame Nacional de Cursos? E mais, porque a comunidade acadêmica deu tanta relevância a este assunto, com tantos outros assuntos educacionais em pauta, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD) e a Reforma da Autonomia Universitária? Medo corporativista dos setores internos das instituições de ensino superior de serem abalados em sua estabilidade? Temor dos estudantes em não serem bem sucedidos em um exame? Boa intenção do MEC em melhorar as condições das universidades? As respostas, com certeza, não são estas. Qual outra instituição lembrem-se do judiciário- se propõe a ser avaliada por agentes externos como fazem hoje as universidades? E os alunos? Não são submetidos cotidianamente a inúmeras provas? Então porque temer uma? O governo, se quiser realmente corrigir as falhas do ensino superior, dispõe de mecanismos menos desgastantes e muito mais eficazes que o provão. Então, qual é a razão para tanto destaque?
Se observarmos bem, o destaque não vem sendo dado isoladamente ao Exame Nacional de Cursos. A educação tem sido uma preocupação crescente dos setores dominantes. A rápida mudança na base tecnológica tem trazido uma imensa busca pela readequação da força de trabalho – em operação ou a vir estar – aos novos desafios. A educação é vista como um investimento econômico que redunda no maior aproveitamento financeiro dos recursos humanos disponíveis. Renasce então a Teoria do capital humano tese defendida na década de 50 por Teodoro Shultz e largamente empregada nos anos 60 e 70. Segundo a teoria a “quantidade”de educação ou treinamento recebida por um indivíduo traz igual voluma de capacidade de trabalho e produção no futuro. O atual uso desta tese fica evidente quando verificamos a explanação do brasileiro José Alexandre Scheikman, que sucede Milton Friedman na direção do Departamento de Economia da Universidade de Chicago, formadora dos famosos agentes do neoliberalismo mundial os chamados Chicago boys:”O orçamento público de educação ainda é visto no Brasil como despesa a fundo perdido e não como investimento com retorno garantido”.1
O ministério de tanto destaque ao provão começa a ser desvendado a partir da compreensão de como a educação é vista hoje pelos grandes detentores do capital: um forte insumo para a obtenção de lucro. A educação é reduzida a uma visão instrumentalista, que visa adequá-la à lógica do mercado. O treinamento para a nova base tecnológica deveria portanto partir de uma formação abstrata, policognitiva ou polivalente na visão capitalista.
Para o pensamento marxista a escola no Estado burguês deve ser vista como aparelho de reprodução das relações capitalistas. Gramsci desenvolve esta análise e diz que além de reprodutora, ela é constituinte das relações sociais. A universidade não fica isolada neste contexto. Para Neto Poulantzas
“a produção do conhecimento é desempenhada não somente na escola: é produzida pelo próprio Estado, através de universidades (públicas e privadas – nestas últimas por meio de auxílios governamentais). O Estado desempenha um papel acentuado importante na direção das inovações, pois investe pesadamente em pesquisas e desenvolvimento – o programa espacial, gastos de defesa, auxílio as universidades – tudo contribui para dar determinada direção as inovações, isto é, uma direção que contribui com a extração da mais-valia pelo capital privado e, conseqüentemente, reproduz a estrutura de classe.”2
Ainda, segundo o teórico marxista, o trabalhado é obrigado a pagar por uma instrução recebida para ser apropriada futuramente pelo capitalista.
Toda esta análise serve para reforçar nosso argumento que provão faz parte, na vanguarda, de uma tentativa de reforma educacional conservadora onde a universidade é peça fundamental. Ele é, ao mesmo tempo, propulsor e objetivo desta reforma.
É necessário entender os princípios da reforma do ensino superior proposta para o mundo em desenvolvimento, pelos organismos bilaterais de financiamento. Ela deve atender a três objetivos básicos: 1) readequar os parâmetros de investigação científica e tecnológica para concentrar-se em áreas específicas pré-estabelecidas, sobretudo de produção primária, especializando as instituições no ensino reprodutor das técnicas e conhecimentos já divulgados; 2) as universidades públicas, por receberem recursos estatais, também deveriam ser atingidos pelos programas de contenção de gastos públicos e equilíbrio orçamentário; 3) contribuir na formação e reciclagem de uma força de trabalho apta a encarar os desafios das novas técnicas de produção baseadas em inovações tecnológicas, gerando mais lucro ao empregador.
Os projetos do MEC para o ensino de terceiro grau acompanham essas delineações. Sua filosofia de trabalho pode ser entendida em resumo pelas palavras de sua secretária de Políticas Educacionais, Eunice R. Durhan: “Para formar, no país,recursos humano com a qualificação necessária em número suficiente, é preciso atingir,simultaneamente, dois objetivos: aumentar o atendimento e melhorar a qualidade”.3 Talvez nos perguntem se estes também não devem ser nossos objetivos. Retirando um detalhe, que analisaremos adiante, acreditamos que sim. A contradição se explicita quando observamos a forma como estão sendo encaminhados. Na verdade servem como arremedo para instrumentalizar a reforma conservadora que enunciamos anteriormente.
Comecemos a analisar as propostas de reformulação do ensino superior em nosso país pela proposta do aumento do número de vagas. Uma mãe de aluno concludente do segundo grau possivelmente aplaudiria esta iniciativa. Seu filho, além de disputar poucas vagas existentes nos sistema atual, provavelmente teria que amargar o pagamento de altas mensalidades em um estabelecimento privado. Não é por menos. O Brasil possui apenas 11% dos jovens em idade de cursar universidade, matriculados em instituições de ensino superior. Na comparação com o número total de habitantes perde, segundo dados da Unesco, para países como Costa Rica, Colômbia e Panamá. Conta ainda com apenas 25% de instituições públicas 4 ( sendo que nem todas são gratuitas) para receber estes jovens. Mas, como dissemos anteriormente, o MEC utiliza-se de um diagnóstico verdadeiro e que deve ser transformado para justificar seus projetos para a população. Mal sabe aquela mãe que, apesar do benefício – prometido pelo governo – de seu filho entrar co maior facilidade em uma faculdade, esta deverá ser privada e de qualidade questionável. Sim, porque quando falam em “aumentar o atendimento” estão almejando objetivos claros como o de pacificação social – a mãe ao conseguir matricular seu filho no terceiro grau, possivelmente se sentirá mais satisfeita com as classes dominantes – e o de aproveitamento econômico do ensino, através da larga oferta de adestramento profissional.
Esta demanda pelo aumento do número de vagas no pós-secundário atende então a outra necessidade do neoliberalismo: “melhorar a qualidade”. Mas qual qualidade? Fica evidente que a qualidade buscada é a mercadológica, aquela que atende a lógica do mínimo gasto para o máximo lucro. Esta universidade reformada não mais seguiria o princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão que, segundo Cristovan Buarque, é correta por
“comprometer todo o ensino superior com atividades de pesquisa, retirando-o da simples prática do ensino repetitivo, ao mesmo tempo, forçar uma aproximação do ensino e da pesquisa com a realidade, através da prática da extensão.” (5)
Não entendemos o conceito da indissociabilidade como dogma, porém esta proposta de rompimento nada mais é que a retirada das universidades da livre investigação cientifica que, no mundo em desenvolvimento, é cumprida quase que na totalidade por estas instituições. Por isso dissemos anteriormente que não concordávamos na íntegra coma aquela afirmação de Eunice Durhan, que reduz a tarefa universitária à formação de recursos humanos na quantidade desejada pelos empregadores.
Nesta ótica de reforma teríamos no Brasil dois tipos de instituições. Algumas poucas, os chamados centros de excelência, especializadas na pesquisa, sem necessariamente atender ao caráter de universidade peculiar às universidades e , preferencialmente, especializadas em algum ramo próprio de investigação que não ultrapasse, é claro, os limites impostos comercialmente pelos países ricos. O restante, a grande maioria, cumpriria o papel de ensino e treinamento da força trabalho segundo as necessidades estritas do mercado e sem o exercício da pesquisa e da extensão. Este modelo enquadra-se nos chamados “colegiões”.
Bajulado formulador destas políticas de reforma, o economista brasileiro Cláudio de Moura Castro, assessor do Banco Mundial (BIRD) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), ilustra esta divisão do ensino superior da seguinte forma: os centros de excelência são comparados com o famoso restaurante fino parisiense Tour d’Argent, que atende uma clientela diminuta e selecionadíssima, oferecendo produtos caros e de altíssima qualidade. Aos colegiões, ele compara a rede de fast food Mac Donald”s, que atende a uma enorme clientela com a característica de, a um bom preço, “servir rapidamente uma variedade limitada de pratos simples e feitos com ingredientes de boa qualidade – além de manter limpos os banheiros. Mais do que isso, não peça de uma lanchonete.”6 Subdivide ainda os dois modelos. Os Tours d’Argent são chamados de Elite, com função de produção científica e treinamento de elite intelectual com forte emprego de capital público, e os Mc Donald’s em Professional, que preparariam o indivíduo para trabalhos específicos do mercado que requer avançada educação formal, Technical, para o ensino de práticas de atividades, para serviços de médias posições no mercado de trabalho e o General Higher Education, onde formaria-se profissionais com formação geral e abstrata, capaz de solucionar problemas com rapidez e segurança, cada vez mais requisitadas no mercado. A essa etapa da reforma ele denomina diversificação e especialização.
Na América Latina esta receita já vem sendo implementada.. Na Argentina a ley de Educación Superior, aprovada pelo atual governo, divide o ensino superior como o modelo acima demonstrado. As universidades e institutos fazem parte do sistema de educación universitária e a formação técnica e docente da educación no universitária. No Chile, o modelo atual, implementado durante a assessoria dos Chicago boys à ditadura Pinochet, também é semelhantemente bipartido. De um lado, as Universidades, e do outro, os Institutos profissionais e os Centros de Formacion Técnica. Aqui no Brasil o rumo não é diferente. Com a recente aprovação da LBD está aberto o caminho para a diversificação de nossas instituições em Universidades, Centros de Ensino Superior e Pós-médio.
Todavia o crescimento da oferta de vagas no terceiro grau não deve, segundo os teóricos da reforma educacional neoliberal, ser oferecido através de estabelecimentos mantidos pelo Estado. Em recente depoimento na Câmara dos Deputados, o presidente do IBGE, Simon Schwartzman, pesquisador de políticas para o ensino superior com forte influência no MEC, disse que
“o sistema público não vai dar conta se pensarmos que o Brasil, para chegar ao nível da Argentina, não teria que ter não um milhão e meio de estudantes de curso superior, mas talvez cinco milhões de estudantes de curso superior. Não é o sistema público que vai dar conta disso. O sistema privado vai-se expandir, vai crescer e vai crescer, possivelmente, numa proporção muito maior do que tem agora”
Para a iniciativa privada seria um prato cheio. Os custos da manutenção não seriam altos, pela possibilidade das instituições se concentrarem apenas em ensino e, portanto, serem facilmente cobertos com cobrança de anuidades aos alunos. Sem dizer que nada impede o recebimento de verbas públicas por parte destas. Para as públicas, a tendência é que a maioria se transforme em “faculdades lanchonete”através de processos de avaliação e recredenciamento que as rebaixe ao nível não universitário. Deveriam então cobrar mensalidades de seus alunos- com projetos já em andamento no Tocantins e no Paraná – mesmo que seja através de um sistema de concessão de empréstimos futuramente reembolsáveis na íntegra pelo Estado. O BIRD, ao criticar o Brasil por não cobrar mensalidades, diz que “a menos que se adote também participação dos estudantes nos gastos, nas universidades estatais, será impossível satisfazer ao mesmo tempo objetivos de diversidade e equidade mediante a expansão do ensino superior privado”. Apesar de sempre negar, o MEC parece caminhar neste rumo. Se não, vejam as próprias palavras de sua secretária Eunice Durhan: “… a cobrança de anuidades no ensino superior público não pode ser tratada como um tabu, e uma discussão sobre esta questão deve ser feita”.
Para desonerar o Estado, as universidades públicas deveriam ainda vender produtos e serviços à iniciativa privada. Mesmo as instituições que continuarem sob controle público a receita é que se agreguem ao máximo aos objetivos do mercado, produzindo somente aquilo que for necessário. Cláudio de Moura Castro exemplifica isso dizendo que “… quem opera um curso de turismo tem que observar cuidadosamente o seu mercado. Quando esse começa a ficar saturado tem de correr para desativar este curso e oferecer um outro, Quem sabe, de computação gráfica”. E este controle, para ele, deve ser feito através da plena representação das empresas nos órgãos colegiados das instituições,”em outras palavras, não se trata da privatização do ensino superior pura e simples e sim, das instituições públicas oferecendo ensino em parceria com empresas privadas e estas oferecendo parte do treinamento para faculdades do ensino superior”.
Para demonstrar que todo este projeto não é nada tupiniquim, observem as semelhanças com os pré-requisitos do BIRD para concessão de empréstimo relacionados ao ensino superior no mundo em desenvolvimento:
– Fomentar la mayor diferenciación de las instituiciones, incluindo de las instituiciones,incluindo el desarrollo de instituciones privadas
– Proporcionar incentivos para que las instituiciones públicas diversifiquem las fuentes de financiamiento, por ejemplo, la participacón de los estudiantes en los gastos y la estrecha vinculación entre el financiamiento fiscal y los resultados.
– Redefinir la función del gobierno en la enseñansa superior.
– Adoptar políticas que estén destinadas a otorgar prioridad a los objetivos de calidad y equidad. (7) Por fim, o BIRD indica o modelo chileno de distribuíção de recursos públicos para o ensino superior. O chamado Financiamento baseado em lá cálida funciona através de um exame realizado pelos estudantes egressos do segundo grau. Os 27.500 primeiros colocados são considerados “bônus” que devem ser disputados pelas instituições de terceiro grau, sejam elas públicas ou privadas. Hoje cerca de 50% do orçamento do Chile para o ensino superior é distribuído dessa forma. As instituições se digladiam para obter o máximo destes alunos entre seus quadros e assim aumentar sua receita ou, do contrário, serem punidas. Mas, como esses estudantes obtém informação sobre quais são as melhores universidades e assim escolhê-las? Bom, é aí que entra a avaliação universitária. O governo, através de mecanismos como o Exame Nacional de Cursos, publica um ranking anual que oferece estes dados. O Brasil parece se preparar para seguir este modelo, o MEC tem sistematicamente aplicado exames unificados de avaliação aos alunos do segundo grau e o provão faz parte dos indicadores do rankeamento de nossas universidades.
Agora sim podemos visualizar como o provão auxilia na propulsão da reforma universitária conservadora do Governo Brasileiro. Apoiado em uma cultura credencialista o MEC utilizaria o provão para repassar ao Conselho Nacional de Educação dados sobre as instituições para que fossem periodicamente credenciadas ou recredenciadas. Amparados pelo projeto de autonomia universitária (PEC-370/A) e na nova LDB, os membros deste conselho, subsidiados pela avaliação, poderiam conceder diferentes graus de autonomia, criando instituições especializadas, e ainda transformar atuais universidades em centros de educação não universitária e vice-versa.
Desta forma uma verdadeira revolução silenciosa estaria sendo feita através do provão com a diversificação e especialização das atuais instituições e do aumento do número de vagas através do credenciamento de outras novas. Segundo Simon Schwartzman
“o Mec começou esse ano um procedimento importante, que é a prova de conclusão de fim de ano . O governo tem de ter mecanismos para poder usar os recursos públicos que dispõe com um sistema de punição e incentivo para o bom desempenho. Isso significa basicamente que as universidades que estão indo bem vão ter recursos, as que não estão indo bem, mas tem um bom programa de trabalho de melhoria também vão ter apoio, e as universidades que não se preocupam em melhorar o sei desempenho vão começar a ter, progressivamente, menos recursos e vão ter que se explicar sobre o que estão fazendo.”8
Fica claro,assim, para que serve este provão.
Mas além da função de propulsão é também o provão objetivo desta reforma. Com a implementação do modelo chileno de alocação de recursos as instituições seriam obrigadas a estar bem classificadas no ranking. Como quem determina esta classificação é a avaliação, o provão poderia ser utilizado como indutor de políticas educacionais. Basta, para tanto, lembrar da influência que o vestibular vem exercendo sobre o segundo grau. Com o nível superior aconteceria o mesmo, dirigentes e alunos cobrando dos professores que sigam, em suas aulas, apenas o currículo pré-determinado pelo Exame Nacional de Cursos. Assim, de posse de um ensino superior reformado, as empresas poderiam ditar, com a conivência governamental, o tipo de educação a ser oferecida à população, resultando no treinamento de uma massa de trabalhadores apta à satisfação de acumulação privada de capital. Para aqueles que não forem absorvidos pelo mercado de trabalho – a maioria com certeza – a culpa recairá em seu pouco sucesso no provão.
Durante toda a campanha desenvolvemos ainda outras críticas ao exame. Dividimo-as em quatro partes: Acadêmicas, onde denunciamos o provão como um instrumento ineficiente e ultrapassado de avaliação que se propõe ao disparate de querer mensurar todas as atividades universitárias em uma prova unificada, de apenas 4 horas e que utiliza-se apenas de um único indicador – os alunos; Jurídicas, por flagrantemente desrespeitar os princípios constitucionais da autonomia universitária, razoabilidade, proporcionalidade e o direito adquirido; e Políticas, por ter sido instituído estranhamente através de Medida Provisória, sem nenhuma discussão prévia com a comunidade, e por ter sido convertido em Lei em uma sessão sem quorum no Congresso Nacional. Sem dizer que é um instrumento segregacionista, que agoniza os problemas de desemprego para a juventude. Segundo o jurista Paulo Brossard esta seria injustiçada por “efeitos permanentes ou a nódoa impagável, como marca a fogo, que acompanha o diploma universitário.”9
Se novamente conversássemos com aquela nossa amiga virtual, a mãe do aluno vestibulando, talvez ela fizesse consideração: – Tudo bem. Estou convencida que realmente o provão não é bom. Mas vocês, estudantes, são contra a avaliação das universidades? E se não são, por que não apresentam uma alternativa a este tal provão? Sem dúvida estes foram os questionamentos mais correntes que ouvimos. Contudo, todas as vezes, respondemos que somos favoráveis à avaliação institucional das universidades. Sempre lutamos pela avaliação – mesmo quando outros setores eram contrários – e já apresentamos nossa proposta inclusive para o Ministro Paulo Renato que, como já era de se esperar, não a utilizou.
Nossa proposta resgata inicialmente os princípios gerais de avaliação, que são: globalidade, comparabilidade, respeito à identidade institucional, não punição ou premiação, adesão voluntária, legitimidade e continuidade. Observamos que todo o processo deve estar situado no espaço – cada estrutura e atividade precisam estar inclusos – e no tempo, com a utilização de indicadores de chegada, meio e saída. Esta avaliação deve levar em conta muito mais os aspectos de qualidade social do que meramente quantitativos a ter como objetivos principais o subsídio ao planejamento estratégico das atividades da instituição e a transparência e publicidade de seus atos. Portanto, devem ser apontados os erros e acertos para que sejam formuladas as políticas futuras. Como não só a instituição é responsável pelos defeitos apontados,também o mantenedor deve ser acionado para corrigi-los. No caso deste ser o Poder Público e ele se negar ou omitir a solucioná-los, deve ser utilizado o expediente legislativo ou jurídico próprio para a correção.
Novamente a mãe volta com um questionamento: – Apesar de tudo, uma coisa vocês não podem negar. Não foi o governo vitorioso nesta luta pela aplicação do provão? Nossa resposta é negativa. Apesar da mídia ter tentado desvirtuar para a população os objetivos da nossa campanha, temos certeza que atingimos a nossa meta. Mobilizamos os estudantes para que entregassem suas provas em branco e nunca prevemos que a adesão seria de 100% mas fomos surpreendidos pelo grande nível de adesão.
Esta estratégia se mostrou a mais acertada porque, mesmo que continue mentindo sobre os números, será muito difícil para o governo instituir qualquer ranking. Nas maiores universidades – como USP, UnB, UFSC, EFPB, por exemplo – o índice de provas em branco superou a marca de 70%. Na própria universidade de Paulo Renato (Unicamp) foi quase 100%. Com isto, e todas as notícias de sucesso da campanha país a for a, desmoraliza-se qualquer iniciativa de distribuição de verbas ou recredenciamento de instituições através do provão.
Apesar de tudo, novamente o MEC tenta aplicar o exame neste ano e é preciso mais uma vez mobilizar toda sociedade para a continuidade da campanha. Certamente o que está em jogo não é apenas mais uma prova e sim um poderoso instrumento para a transformação do ensino superior aos padrões de mercado.
A educação que queremos é diferente desta que simplesmente visa adestrar a mão de obra para o mercado. A verdadeira educação é aquela capaz de formar o cidadão consciente e capaz de transformar o meio que o cerca. Uma formação desmercantilizada, politécnica, omnlateral. Como muitas vezes já aconteceu, são das contradições geradas pelo próprio capitalismo que as forças progressistas extraem vitória. A universalização da educação, mesmo que através de axiomas burgueses, pode ter como conseqüência resultados não dimensionados pelo neoliberalismo. É possível, mesmo nesta situação adversa, disputar espaços e extrair desta contradição a elevação do nível de consciência de classe dos trabalhadores. Mas isso já é um assunto para outra conversa.
*Wladimyr Vinycius de Moraes Camargos é estudante de Direito da UFG, Diretor da União Nacional dos Estudantes e da União da Juventude Socialista.
Notas
(1) Revista Veja.n 1476. Dez/96.pg 157.158
(2) Carnoy, Martin.Educação, Economia e Estado,Cortez, São Paulo, 1984, pg48, 49.
(3) Durhan, Eunice R. Uma política para o ensino superior, Nupes/USP, São Paulo, 1993, pg 202.
(4) Fonte: MEC/SEDIAE?SEEC, 1994.
(5)Buarque, Cristovan. A aventura da universidade, Unesp, São Paulo, 1994, pg 202
(5) Castro, C de Moura. Educação Brasileira: Consertos e remendos, Rocco, São Paulo, 1996,pg 3, 4.
(6) Banco Mundial, La enseñansa superior,Washington, DC, 1995, pg. 4.
(7) Schwaartzman, Simon. Op. ciy. Pg. 3. 4.
(9) Brossard, Paulo. Parecer elaborado para a UNE. Mimeo, 1996, ítem 8.
EDIÇÃO 44, FEV/MAR/ABR, 1997, PÁGINAS 51, 52, 53, 54, 55, 56