O mundo do trabalho vem passando por profundas transformações. Qual seu rumo previsível e quais as saídas para a grande crise em perspectiva? Diversos autores, no Brasil e no mundo têm abordado o tema sob a crescente preocupação da exclusão progressiva de grandes contingentes de trabalhadores do mercado de trabalho notadamente nos países onde prevalece a ordem capitalista.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu relatório 1996-1997, aproximadamente 30% da força de trabalho do planeta está desempregada e subempregrada. Há dois anos, eram 800 milhões; hoje, são quase um bilhão nessas condições. O Brasil apresentava, em setembro de 1996, 3,6 milhões de desempregados numa população economicamente ativa (PEA) de 70 milhões. Isto, sem se falar dos mais de 30 milhões de excluídos que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) define como ingredientes. Esta exclusão é uma regra mais ou menos geral para os países dependentes.

As nações do chamado primeiro mundo confirmam o desastre generalizado. Nos países que compõem a União Européia (UE), pelo menos 34 milhões estão desempregados. E o desemprego cresceu para a média de 11,3% da força de trabalho. O relatório da OIT condena o lugar da globalização que justifica tudo, inclusive o desemprego, em nome das fatalidades que dela decorrem.

Este falso discurso, que trata o problema como insolúvel, serve como estímulo às dispensas pelos empresários, elevando dramaticamente as taxas de desocupação. A economia cresce de modo e intensidade desiguais nos diversos países, mas cresce. O sentido perverso deste crescimento, contudo, é o que conta, pois não é acompanhado pela elevação quantitativa e qualitativa do emprego. Este rumo é perigoso, pois, além da degradação contínua e crescente da vida das populações, deteriora-se o poder aquisitivo e compromete-se ainda mais as economias nacionais. A OIT atribui o fenômeno, em especial, ao expressivo aumento da força das multinacionais e investidores globais, nos últimos anos.

A redução avança no mundo

Para Jeremy Rifkin, em seu livro Fim dos Empregos, o desemprego global atingiu agora seu nível mais alto desde a grande depressão da década de 1930. Pela primeira vez no curso do desenvolvimento social, o trabalho humano vem sendo eliminado sistematicamente do processo de produção. A tendência é a do agravamento, com a introdução acelerada de uma nova geração de sofisticadas tecnologias de informação e comunicação nas diversas situações de trabalho, substituindo a mente humana por máquinas inteligentes, rumo à Terceira Revolução Industrial.

Rifkin afirma que homens e mulheres exibem uma preocupação cada vez maior com seu futuro e os jovens mostram sua frustração e raiva em um comportamento cada vez mais rebelde. Ao lado do desemprego, o aumento da polarização entre ricos e pobres cria condições para levantes sociais e conflitos entre classes, em proporções inéditas na era moderna. Os talentos, a energia e a engenhosidade de centenas de milhões de seres humanos, colocados na ociosidade pelas "forças gêmeas da globalização e da automação", seguirão o rumo construtivo ou a civilização persistirá no processo de desintegração sem retorno fácil.

Mesmo os países que classifica como "em desenvolvimento" enfrentam o desemprego tecnológico à medida que as empresas multinacionais disseminam pelo mundo instalações de produção com tecnologia de ponta, dispensando milhões de trabalhadores de baixa remuneração, eliminando empresas que não podem competir com a eficiência de custos, controle de qualidade e rapidez de entrega típica da produção automatizada. A tendência é a de redução do tempo de trabalho para distribuí-lo mais eqüitativamente e proporcionar poder aquisitivo adequado para absorver os aumentos na produção.

Rifkin admite, desse modo, a redução da jornada como uma tendência histórica. Os ganhos dramáticos de produtividade no primeiro estágio da Revolução Industrial, no século XIX, foram seguidos por uma redução da jornada de trabalho de 80 para 60 horas semanais. No século XX, quando as economias industriais fizeram a transição da tecnologia do vapor para as tecnologias do petróleo e da eletricidade, os constantes aumentos de produtividade reduziram a jornada de 60 para 40 horas. Agora, no terceiro estágio da Revolução Industrial, os ganhos da produtividade do computador e das novas tecnologias da informação e das telecomunicações, sugerem a inevitabilidade da redução da jornada para 30 e até mesmo 20 horas semanais, ajustando requisitos de mão-de-obra à nova capacidade produtiva do capital.

A reivindicação por uma semana de trabalho reduzida está difundindo-se rapidamente por toda a Europa, onde o desemprego atingiu elevados índices depois da Segunda Grande Guerra. Na Itália, os sindicatos marcham sob um novo lema: "Lavorare Meno, Lavorare Tutti" (Trabalhar Menos, Trabalhar Todos). Na França, a idéia tem despertado apoio popular com simpatia na maioria do Parlamento. O presidente François Mitterrand defendeu a semana de trabalho de quatro dias e Michel Roccard, candidato a presidente pelo Partido Socialista em 1995, incluiu em sua campanha a semana de trabalho reduzida.

A Comissão das Comunidades Européias e o Parlamento Europeu defendem esta alternativa para enfrentar o desemprego. Um memorando da Comissão alerta que "é importante evitar a inflexibilidade de dois grupos distintos na sociedade aqueles com emprego estável e aqueles sem; um desenvolvimento que teria sérias conseqüências e ameaçaria as próprias bases de todas as sociedades democráticas a longo prazo". A mesma declaração acentua que chegou o momento de redução da jornada de trabalho, para alcançar maior justiça social numa época de desemprego muito alto e crescente". O Parlamento Europeu tem dado apoio às iniciativas da Comunidade que "garantem, a curto prazo, uma acentuada redução nas jornadas de trabalho diárias, semanais e/ou anuais e na vida de trabalho, para diminuir significativamente e, subsequentemente, parar a tendência rumo ao crescente desemprego".

A reivindicação por uma semana de trabalho reduzida chegou ao Japão, que Rifkin considera tradicionalmente o bastião da ética do trabalho industrial". Lá, a semana de trabalho vem diminuindo sistematicamente nas últimas três décadas, acompanhada por aumentos expressivos de produtividade e crescimento econômico, desmentindo a frequente afirmação de que menos trabalho e mais ociosidade abalam a competitividade e os lucros corporativos. Em 1992, o primeiro ministro Kiichi Miyazawa anunciou que as horas de trabalho reduzidas seriam uma meta nacional e que o governo comprometeria seus recursos na promoção da "qualidade de vida" no Japão. Em agosto de 1992, foi anunciado o plano qüinquenal do Conselho Econômico japonês para tornar o País a "superpotência do estilo de vida". A ênfase é um ambiente mais saudável com mais lazer para os cidadãos. A principal prioridade foi fixada na redução da semana de trabalho de 44 para 40 horas.

Mais recentemente, a redução da semana de trabalho assumiu importância ainda maior no Japão: as empresas japonesas estão empregando pelo menos dois milhões de trabalhadores a mais do que o necessário. Esta é a resposta ao deslocamento tecnológico e à disseminação do desemprego no futuro, a partir da expectativa de redução dos empregos e da folha de salários na próxima década, movidos pela revolução da reengenharia e da automação.

Alguns economistas e líderes empresariais adotam a "linha mínima de resultados", sustentando que é necessário mais tempo livre para estimular a economia de serviços e proporcionar aos trabalhadores japoneses o tempo para compra e uso de mais bens e serviços. Para outros, a preocupação acerca das questões do trabalho e do tempo livre é relativa à qualidade de vida" os trabalhadores precisam de mais tempo para o convívio familiar, participando da vida dos filhos, dos bairros, da comunidade, aproveitando a vida.

O futuro do trabalho

Em sua obra Trabalhar Menos para Trabalharem Todos Guy Aznar aborda precisamente o tema da redução da jornada de trabalho. Afirma que a observação histórica leva normalmente a pensar que a evolução do rendimento da hora trabalhada é acompanhada sempre mais ou menos rapidamente de uma diminuição da duração do trabalho. Esta evolução, acentua, não é ilógica na Europa, onde há três grupos de países: os que mantém a jornada igual ou superior a 40 horas, com recursos frequentes às horas extra (Espanha, Portugal); os que permanecem entre às 39 e as 40 horas, (Itália, França); e aqueles em que a duração é igual ou inferior às 39 horas (Bélgica, Países Baixos, Dinamarca).
Aznar sugere que, até o final do século, sob o impulso dos sindicatos nacionalmente mais fortes, a tendência global poderia se organizar na Europa em torno das 35 horas, sob uma lenta e progressiva evolução. É lógico, neste caso, que esta evolução continue paralelamente ao crescimento dos lucros de produtividade, que parecem inadiáveis, programados pelo desenvolvimento e pelas inovações da tecnologia.

A questão é saber se esta evolução para as 35 horas gera empregos, instituindo sua redistribuição, constituindo verdadeiro progresso social. A passagem para as 39 horas, em 1982, com a redução de uma hora semanal, não criou realmente empregos, raramente foi acompanhada de uma reorganização do trabalho. Largamente absorvida pela produtividade no primeiro ano, reencontrou seu curso normal em seguida. A lenta redução é, desse modo, engolfada pela produtividade. Os ganhos de produtividade se repartem entre as máquinas e o trabalho – entre o capital e o trabalho.

Aznar expõe as alternativas que considera possíveis para que a redução da jornada crie empregos. Destacamos a versão que classifica como "realista", mais próxima da nossa proposta, que reduz em quatro horas o tempo de trabalho semanal no Brasil, considerando-se as diferenças para o caso europeu. Para efeito do nosso objetivo de demonstrar que a redução da jornada é factível e que possui atualidade no debate mundial sobre as possíveis soluções, reproduziremos aqui o conteúdo desta versão.

Para o autor, a redução da jornada cria empregos apenas se for franca e maciça; deve ser superior ao crescimento da produtividade do trabalho. É necessário que a compensação pelas horas extras ou por um crescimento da produtividade seja impossível. As empresas (e, portanto, a economia nacional) somente acreditam na redução sem aumentos nos custos de produção, e os assalariados só a aceitam se não houver queda nos rendimentos do trabalho.

Há três condições que considera necessárias, suficientes e que devem ser preenchidas conjuntamente: as máquinas (o capital imobilizado) devem render mais, desenvolvendo o trabalho em equipe; assegurada compensação salarial em parte pela empresa e em parte por uma receita financeira externamente à empresa (o que ele chama de "segundo cheque", que envolve a participação do Estado); processo operacionalizado à base de um acordo em todos os níveis, envolvendo representantes sindicais e patronais.

A proposta central de Aznar consiste em afirmar que: (a) sempre que uma empresa aumenta significativamente o tempo de utilização de seus equipamentos; (b) diminui também expressivamente a duração do trabalho (35 horas ou menos em seu estudo); (c) contratando uma segunda equipe; (d) pagando uma compensação salarial de 50%; (e) com o Estado completando esta compensação de modo a manter o rendimento integral. A participação do Estado é justificada pela diminuição do orçamento desemprego. E isto traz múltiplas conseqüências: reduzindo a carga de compensação pela empresa, estende-se consideravelmente o campo das empresas dispostas a fazer a compensação; com uma compensação total por um tempo de trabalho reduzido, supõe-se que nascerá dentro das empresas uma pressão para desenvolver o processo. Neste caso, ele pressupõe uma semana de quatro dias com duas equipes, com a duração de 34, 33 ou 32 horas, sem perda de rendimento, de maneira realista, na medida dos ganhos de produtividade.

Aznar pondera que o sucesso da estratégia das duas equipes está submetida a dois ângulos. De um lado, a tradição histórica do trabalho em equipe é de turno de 3-8 (três turnos de oito horas); do trabalho noturno que gera muitos inconvenientes para o trabalhador e sua família (horários quebrados, ritmos temporais irregulares, chocantes, o marido e a mulher que se cruzam na escada, e as crianças que dormem ou ainda estão dormindo quando os pais saem ou retornam). Seria este um exemplo de trabalho imposto, não negociado, sem contrapartida, sem compensação, e às vezes sem diminuição do trabalho. Considera que, quanto mais a jornada de trabalho diminui, mais se torna possível encontrar soluções que permitam alongar o tempo de utilização dos equipamentos sem prejudicar a qualidade de vida dos assalariados. O outro ângulo está relacionado ao enfraquecimento dos procedimentos de negociação entre os sindicatos, o patronato e o Estado.

A ótica neoliberal da exclusão do Estado desta negociação tem sido nociva também (e com agravantes) nos países dependentes, onde o desemprego apresenta características particulares e vem se agravando diariamente.

O trabalho criou o homem

O tema, contudo, não é uma preocupação recente, dos tempos neoliberais. Marx e Engels, contemporâneos do velho liberalismo, já examinavam o amadurecimento da grande indústria sob a ótica da introdução de máquinas que substituem tendencialmente o trabalho humano e transformam o trabalhador em apêndice desta maquinaria, eliminando sua condição de sujeito da produção. José Carlos Ruy, em artigo nesta revista, aborda o tema à luz dos Manuscritos de 1844. Nesta obra, escrita há século e meio, Marx verificava que "graças a novas forças motrizes e máquinas aperfeiçoadas, o trabalho de 250 a 350 dos antigos operários" passava a ser feito por um só na indústria têxtil.

É o que acontece hoje, em tempo acelerado, nas indústrias mais modernas e automatizadas, mas, naquele momento, a produtividade alcançada já permitiria uma grande redução na jornada de trabalho – que era, então, de 12 horas diárias ou mais. Diz Marx:

"Calculou-se na França que, dado o atual nível de produção, uma jornada média de cinco horas para todos os capazes de trabalhar, bastaria para a satisfação de todos os interesses materiais da sociedade". Mas a economia de trabalho realizada pelo advento de novas tecnologias surtiu um efeito inverso, aumentando a jornada de um contingente que Marx estimou em "numerosa população", lançando outros tantos no desemprego e na miséria, incorporando, com salários inferiores, legiões de mulheres e crianças à força de trabalho ativa.

Para Marx e Engels, esta lógica se submete a uma concepção, uma síntese histórica. Nela, o trabalho cria o homem, amplia sua capacidade de intervenção diante da natureza e sua capacidade produtiva, fundamenta em primeira instância as relações sociais, determina a posição individual na produção direta, na gestão da riqueza produzida em comum e na parcela que cabe a cada um. A expressão coletiva desse trabalho, em toda a sua hierarquia, é a força produtiva social de todos os homens, embora o advento da apropriação privada passe a alienar os trabalhadores, subjugando-os. Assim, Marx constata: "A decadência e o empobrecimento do operário são produtos de seu trabalho e da riqueza por ele produzida". E afirma também: "O operário é tão mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais cresce sua produção em potência e volume".

Marx concluía, desse modo, já naquele momento, que o aumento da capacidade de trabalho, com o progresso técnico que gera instrumentos de produção cada vez mais sofisticados, cria as condições objetivas para que todos possam trabalhar menos. E oferecia as bases para o pensamento que considera a redução da jornada como uma luta fundamental dos trabalhadores, que devem conduzi-la em contraponto à lógica da acumulação do capital. Ou seja: reduzir o tempo de trabalho, sem perdas e sem elevação de produtividade, são precondições para que os trabalhadores não levem a pior no confronto com o capital.

Nas circunstâncias atuais – de expansão sem fronteiras do capital –, o desemprego é um fenômeno que cresce em escala planetária ao sabor da onda neoliberal. Não é, porém, uma inevitabilidade que independe da luta dos trabalhadores. Mesmo em condições desfavoráveis, deve ser compreendido como parte do confronto histórico entre o capital e o trabalho, apresentando características particulares em cada país.

Inácio Arruda é Deputado federal pelo PCdoB/CE.
Luiz Carlos Antero é Jornalista e sociólogo.

EDIÇÃO 47, NOV/DEZ/JAN, 1997-1998, PÁGINAS 24, 25, 26, 27