Por um movimento amplo em defesa do Brasil
A frente de esquerda União do Povo – Muda Brasil reuniu pela primeira vez todos os partidos de esquerda na eleição presidencial de 1998, isso representou um passo político importante para a oposição. O desempenho alcançado pela chapa Lula-Brizola no pleito de 1998 foi melhor que o da oposição em 1994 – em termos de crescimento absoluto e relativo, conforme dados já divulgados.
A esquerda se uniu para apresentar uma plataforma comum de desenvolvimento independente e sustentado para o país. Um projeto comum com base em um programa que estabelecia objetivos para aquele processo eleitoral e chegou-se até a expor um programa de emergência para o Brasil. A frente colocou no centro do debate de campanha, explicitamente, a gravidade da crise que o país atravessava (e que adquiriu desdobramentos ainda mais graves) e denunciou a responsabilidade do governo federal de Fernando Henrique por tudo isso. O próprio governo, candidato, não pode fugir totalmente das polêmicas publicamente estabelecidas pela frente de esquerda.
Com a participação no processo eleitoral de 1998, conseguimos dar um passo importante, alcançando certo êxito. Isso demonstrou que a junção de toda esquerda joga um papel importante para a vida política nacional e que pode cumprir objetivos políticos de relevância estratégica no Brasil.
A ampliação da frente de oposição
Nas condições atuais, pós-eleição, a frente de esquerda não é e nem pode ser a mesma do período eleitoral. Diante de uma nova conjuntura política em agravamento é preciso considerar, agora, a dimensão de um movimento oposicionista mais amplo que vai se conformando. É necessário se compreender que as tarefas que se apresentam atualmente se articulam com as do momento político anterior, mas têm seu caráter diferenciado. Assim, é preciso articular, ao mesmo tempo, uma dupla iniciativa: a reestruturação da frente de esquerda e a construção de uma Frente Política oposicionista mais ampla – este é o desafio atual. Poderíamos ainda acrescentar que nossa experiência de construção de frente política fora dos pleitos é bastante reduzida.
Essa reestruturação e construção ocorre em meio a um quadro de crise multilateral, que se estende por todos os terrenos da vida do país. É uma crise econômica, social e política – com intensificação do autoritarismo em curso. E tem, também, traços de uma crise inédita pela sua profundidade. Não é uma crise que se pode dizer igual à crise da década de 1980. A crise atual, apesar de ser parte do desenvolvimento que configura uma continuação dos anos 1980, tem suas características próprias.
A crise atual é resultante de um largo contencioso provocado pelo modelo de capitalismo dependente que persiste em nosso país. Não podemos desconhecer que o centro da crise econômica é a geração de extraordinário volume de dívidas, tanto interna quanto externa, do país e, hoje, a submissão do Brasil à lógica de um “rentismo” do sistema financeiro internacional, cujo centro está nos Estados Unidos. É um estágio diferente da crise dos anos 1980 em que não estávamos tão presos a essa lógica do sistema financeiro e que havia um controle maior da circulação de capitais e até uma centralização de capitais. Hoje o Brasil está refém da “livre” circulação desses capitais, em grande medida de cunho especulativo.
Do ponto de vista político, a crise é revelada pelo aprofundamento, sobremodo, da dependência. O governo atual vai progressivamente “compartilhando” o governo do país com o sistema financeiro internacional. Estamos sob o diktat do FMI e desse sistema financeiro “globalizado”. Celso Furtado escreve que “a estratégia do FMI parece ser prolongar a recessão até que o paciente aceite a adoção de um sistema de currency board, ou seja, a dolarização progressiva, à semelhança do ocorrido na Argentina. Isto implica em que o Brasil, super-endividado, deve compartilhar com o sistema financeiro internacional o governo do país” (1). Não devemos subestimar que podemos caminhar – mesmo que pesem todas as dificuldades devidas ao quadro estrutural brasileiro – para uma dolarização completa da economia. Celso Furtado afirma que “(…) não percamos de vista que a economia internacional se está amoldando a uma simplificação dos padrões monetários. Essa simplificação assume no hemisfério ocidental a forma de dolarização, sob a égide do governo norte-americano. Os países latino-americanos seriam privados do instrumento da política monetária, o que significa instalar-se em um permanente estado de semi-recessão. Tratando-se de economias estruturalmente heterogêneas como a brasileira, o resultado será subutilizar o potencial de crescimento e auto-condenar-se ao estado de subdesenvolvimento” (2).
No âmbito social há uma degradação rápida e extensa do “tecido social” brasileiro. Vivemos um grande retrocesso do ponto de vista social que atinge o nível de uma “involução do processo civilizatório” – explicitada pela perda de conquistas humanas e sociais importantes.
Para tornar realidade seu projeto antinacional e antipopular o governo vem revogando, sucessivamente, em sua linha geral, a Constituição de 1988, como diz o jurista Celso Antônio Bandeira de Melo (3). Toda Constituição tem, implícita ou explicitamente, uma linha geral. Na opinião de Bandeira de Melo, esse projeto neoliberal que foi adotado no Brasil é uma antítese dessa linha que constitui a espinha dorsal de nossa Constituição. Além disso, FHC governa através de medidas provisórias. Tais medidas provisórias são anticonstitucionais na opinião de boa parte dos juristas. Na realidade o governo de Fernando Henrique vai edificando, progressivamente, o que vem sendo denominado por inúmeros juristas independentes de um regime ditatorial “constitucional”. As emendas constitucionais de FHC também são anticonstitucionais por ferirem o âmago da concepção de Estado subjacente à nossa Constituição de 1988.
Com o aprofundamento da crise em todos os terrenos, Fernando Henrique inicia seu “novo” governo já envelhecido. Numa situação de descrédito crescente diante da população e começo de ”erosão” em sua base de sustentação política. Não somente a crise desse modelo governista precipita as divergências entre os componentes de sua base, como também os objetivos próprios, de cada setor que apóia o governo, por conquista de melhores posições e espaços políticos hoje, visando a melhores condições de disputa nas eleições de 2002. Assim, o agravamento continuado da crise, a disputa no seio das forças situacionistas e o crescente descontentamento popular conformam um quadro de instabilidade continuada, em que um incidente político mais grave pode precipitar até mesmo a eclosão de uma crise institucional com desdobramentos de diferentes contornos. Mesmo os setores situacionistas não deixam de antever em seus cálculos essas possibilidades de agravamento da crise que pode levar à situação de crise de governo.
O movimento de oposição vai além da esquerda e une os que são contrários ao neoliberalismo
Portanto, é diante deste quadro conjunto que podemos e devemos situar a evolução e as possibilidades da oposição na conjuntura atual.
Devemos extrair da análise mais ampla da realidade presente as conclusões para a construção da oposição no atual quadro. Uma conclusão importante é que esta situação leva ao florescimento de múltiplos pólos de oposição política e social ao governo. Objetivamente vai se desenvolvendo amplo movimento oposicionista ao governo FHC, naturalmente constituído de variadas posições e nuances. Vai se delineando essa ampla manifestação oposicionista tanto no terreno político quanto no social, em que diversos setores se mobilizam para apresentar, de variadas formas, seu descontentamento com o atual modelo implantado no país.
Uma segunda lição a se extrair desse processo é que, tendo como referência as diversas posições políticas em curso e considerando o espectro político em seu conjunto, pode se afirmar que as forças políticas de “centro” assumem uma posição oposicionista mais nítida e se ampliam – surgem mais forças que poderíamos chamar de “centro” – e, ao mesmo tempo, as forças de esquerda tendem a assumir uma posição oposicionista mais decidida e contestatória. Essas tendências de maior definição oposicionistas – tanto ao “centro” quanto à esquerda – podem lastrear a formação de um amplo movimento de resistência ao governo FHC.
Por último é importante considerar a situação, que, aos poucos, vai se modificando, e que envolve a mobilização das massas populares e setores representativos da sociedade civil. Que vai adquirindo maior fôlego mobilizador e maior impulso contra o entreguismo e as posições antidemocráticas e anti-sociais do governo de Fernando Henrique. Pouco a pouco começa ser percebido esse “degelo” e a ampliação da possibilidade de mobilizações de massa. Para exemplificar, foi montado, ainda com relativo sucesso, o Fórum Nacional de Lutas, que congrega mais de 80 entidades nacionais e tem uma agenda mobilizadora estabelecida unitariamente, que já começa dar sinais em todo o Brasil.
Em resumo podemos dizer que o movimento oposicionista se estende, ganha maior dimensão e conformação. Entretanto, ainda não atingiu a fase de um amplo movimento político unificado em função de divergências políticas ainda existentes, em torno de uma plataforma comum, e, por conseguinte, de uma ação conjunta mais coordenada. A solução para a crise é política
O caminho a ser percorrido pela oposição passa, hoje, antes de tudo, por uma solução política – ampla e conseqüente para o enfrentamento do governo de Fernando Henrique Cardoso. Nesse sentido pode se dizer que ganha força e amplitude a idéia de que é preciso um novo rumo, um novo modelo, distinto do atualmente aplicado pelo governo FHC. Por isso, o desafio oposicionista neste momento é o de construir – com base no conjunto das forças oposicionistas, nos movimentos cívicos e sociais setores empresariais contrários à atual política econômica governamental – uma maioria política e social unificada, ou seja, uma ampla Frente oposicionista, contrária ao rumo desastroso que o governo FHC impôs ao Brasil. Essa idéia é importante para se compreender que o movimento oposicionista hoje não é só um movimento de esquerda, e sim, um movimento muito mais amplo, constituído de vários pólos contrários à política neoliberal em curso.
Para isso opinamos que é possível a construção de um extenso movimento em defesa do Brasil: um movimento com característica de salvação nacional. Esta é a questão central e mais premente diante da ameaça de subordinação neocolonial por que passamos. No bojo desse movimento, com participação de diversas forças oposicionistas é possível se apresentar ao povo um Projeto Nacional de retomada do caminho de desenvolvimento soberano e auto-sustentado para o país.
Nesse caminho a ser percorrido é relevante persistir no esforço para aglutinar os partidos de esquerda, porque dessa maneira se pode imprimir maior conseqüência à constituição da Frente oposicionista. A frente de esquerda funcionaria como núcleo que daria maior consistência ao movimento oposicionista de maior amplitude.
É preciso enfrentar decididamente o governo FHC e as forças que o sustentam
Na construção desse novo caminho para o Brasil, deve se enfrentar o governo FHC e as forças que o sustentam, assumindo uma posição oposicionista decidida e consequente. Não subestimando a possibilidade de agravamento da situação política e, até mesmo, a possibilidade de eclosão de uma crise institucional ou de crise de governo. Mais precisamente essa questão se refere ao modo de como se analisa a realidade e qual a natureza do governo FHC, pois, aqui, podem existir, no seio da esquerda, diferenças de compreensão do momento atual. Por isso existem divergências políticas acerca do caminho a seguir. Alguns setores podem não considerar que o agravamento do quadro político possa chegar a uma crise institucional e não se preparar para isso ou subestimar essa possibilidade. Outros setores podem correr o risco de querer precipitar etapas, não conseguindo reunir forças políticas e sociais capazes de derrotar o governo FHC.
O movimento em defesa do Brasil envolve a unidade em torno de três grandes bandeiras: soberania nacional, democracia e emprego
A posição mais justa deve considerar que o governo de Fernando Henrique tomou um rumo sem retorno. A política atual aprofunda o modelo neoliberal. A recessão imposta só vai agravar a crise social em curso, com o problema do desemprego, diminuição dos salários, aumento significativo da pobreza, falências de empresas… É preciso alertar a maioria do povo sobre a responsabilidade do governo federal por ter levado o Brasil à situação atual de retrocesso e de depressão econômico-social. Para se ter um exemplo, a média per capita do PIB, voltou a ser a do início da década de 1980. Se olharmos para a chamada década perdida (a dos anos 1980) veremos que estamos perdendo a de 1990 em uma proporção maior – porque o desenvolvimento médio dos anos 1980, segundo Paulo Nogueira Batista Jr., foi de 1,8; agora é de 1,6; ou seja, menor que o da década anterior.
Por tudo isso, é preciso afirmar amplamente que Basta de FHC! e de sua política – antiBrasil e antipovo; e de submissão às orientações do FMI e do capital financeiro internacional. Para nós, a mensagem Basta de FHC! tem sentido conscientizador, acumulador. Nela está implícita a idéia de que é preciso alcançar o fim deste governo. Por isso, é necessário, também, dizer francamente ao povo que só um novo governo constituído de novas forças políticas e sociais – democráticas, patrióticas e progressistas – será capaz de imprimir um novo rumo ao país e implementar um novo modelo de desenvolvimento.
Um amplo movimento em defesa do Brasil envolve a unidade em torno de três grandes bandeiras. A luta que unifica toda a oposição é pela soberania, pela democracia e pelo emprego. A defesa da soberania está na centralidade da abordagem da realidade atual. Os direitos do povo, a retomada das conquistas dos trabalhadores têm amplo poder mobilizador. A luta pela democracia faz parte do embate para desnudar o verdadeiro caráter autoritário do governo e ampliar o espaço para a participação popular. Pode se avançar na organização desse movimento com a constituição de comitês de base em defesa do Brasil, em todo lugar do país. A construção de uma iniciativa desse porte, tendo como núcleo condutor as forças de esquerda, é a garantia para se alcançar uma alternativa de oposição, vitoriosa, distinta de uma transição dirigida por forças conservadoras.
* Renato Rabelo é vice-presidente nacional do PcdoB.
Notas
(1) Conforme o texto de Celso Furtado apresentado na reunião do Conselho Político da Frente União do povo – Muda Brasil, de 07-04-1999 em São Paulo.
(2) Idem.
(3) Celso Antônio Bandeira de Melo. Intervenção na reunião do Conselho Político da Frente, já citada.
EDIÇÃO 53, MAI/JUN/JUL, 1999, PÁGINAS 6, 7, 8, 9