Quinhentos anos de latifúndio e exclusão social

A PRODUÇÃO agropecuária brasileira não é pequena, o que dá ao Brasil a condição de integrar o seleto grupo dos países de grande produção e exportação agrícola.

Mas, a nossa agropecuária apresenta um desempenho medíocre quando comparada ao dos outros países desse grupo. A China produz 480 milhões de toneladas de grãos em menos de 100 milhões de hectares, ou seja, em uma área de terras agricultáveis três vezes e meia menor do que a nossa, e colhe uma safra de grãos seis vezes maior do que a safra brasileira. Enquanto a produção de grãos no Brasil está estagnada no patamar de 80 milhões de toneladas há quase vinte anos, a Argentina elevou sua produção para o patamar de 60 milhões, praticamente dobrando nos últimos dez anos.

O tamanho da agricultura brasileira não reflete a força de trabalho disponível no campo e está longe de corresponder ao potencial agropecuário do seu território. A comparação entre a área total de lavouras (com as terras produtivas mas não aradas) e a área ocupada por pastagens (com baixo índice de produtividade pecuária) revela o elevado nível de ociosidade e desperdício das terras agricultáveis.
O latifúndio é a causa fundamental do atraso em nossa economia agrária. O desenvolvimento dependente e deformado do capitalismo no Brasil modernizou a agricultura com base no monopólio da terra, o que acentuou o uso sócio-econômico deformado desse meio de produção fundamental. Após quase cinco séculos, a concentração fundiária apresenta-se como uma das maiores do mundo.

Como não foi precedida pela Reforma Agrária e o acesso aos serviços e bens sociais (educação, saúde, etc.) pela maioria da população rural, essa modernização conservadora da agricultura acarretou ao povo brasileiro enorme e doloroso custo social: aumentou a concentração da renda; favoreceu a concentração industrial no Sul e Sudeste; provocou um desumano êxodo rural, que ajudou a transformar as maiores cidades em centros urbanos inchados por periferias degradadas e prenhes de violência.

O desenvolvimento desigual da economia nacional é particularmente acentuado no que se refere à economia agrária. O chamado Centro Sul, formado por apenas oito estados, concentra mais de 70% do valor e da produção agrícola. Por outro lado, a região Nordeste, com 46% do total do pessoal ocupado na agricultura, detém apenas 15% do valor da produção.

Neoliberalismo aumenta a concentração de terra .

Desde que foi implantado em 1950, pela primeira vez o Censo Agropecuário registra uma redução do número de estabelecimentos agropecuários, que diminuiu em 942 mil unidades no período entre os anos de 1985 a 1995. Do total de estabelecimentos extintos, 96% apresentavam área inferior a 100 hectares. Por outro lado, com a incorporação de mais 790 mil hectares, cresceu em 4% o número de estabelecimentos com área entre 10 mil a 100 mil hectares.

Ao caótico e desumano êxodo rural que despejou nas cidades, entre os anos 1960 e 1980, um contingente de brasileiros igual ao tamanho da população da Argentina, acrescentou-se um brutal aumento do desemprego agrícola na década de 90. O número de pessoas ocupadas em atividades agrícolas sofreu uma redução de 23%, ou seja, mais de cinco milhões de pessoas perderam seus postos de trabalho na agricultura.

A política econômica do governo é a principal responsável pelo agravamento da crise no campo. Enquanto na União Européia a agricultura recebe todos os anos 120 bilhões de dólares de subsídios diretos e indiretos, o nosso governo impõe aos agricultores brasileiros as mais altas taxas de juros, corta os subsídios e dificulta o acesso aos poucos recursos do crédito agrícola. Os setores produtivos de base interna são submetidos a uma predatória concorrência de produtos importados.

O crescimento da luta pela terra e o assentamento de milhares de farm1ias representam uma conquista dos Movimentos de Luta pela Terra e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Mesmo assim não foi suficiente para causar alguma mudança na estrutura agrária. A morte de trabalhadores rurais e a impunidade dos assassinos e seus mandantes continuam a fazer parte da realidade, e cada vez mais incentivadas pela inoperância do governo federal e a conivência de parte do poder judiciário. A ação do governo na questão fundiária está longe de representar uma política de reforma agrária. Os assentamentos não passam de medidas compensatórias frágeis e de curta duração. Por um lado, desde a eleição de FHC em 1994, foram assentadas 322 mil famílias; por outro lado, nos dois primeiros anos de seu governo desapareceram 400 mil estabelecimentos agropecuários com área de até 100 hectares.

Estrutura sindical

A análise das condições sócio-econômicas do campo no Brasil indica que não houve mudança na estrutura agrária nacional; pelo contrário, com o neoliberalismo aprofundou-se o seu perfil anacrônico; permanece a tendência de desaparecimento dos pequenos estabelecimentos e da agricultura familiar; aumenta a concentração da terra e também da produção agrícola; a base produtiva da agricultura brasileira mantém a tendência de redução ou de estagnação, o que aumenta o desemprego no campo.

O sindicato unitário por ramo de atividade é a proposta defendida pela CSC. Nas condições sócio-econômicas atuais do campo brasileiro, a permanência de assalariados e agricultores familiares na mesma organização sindical é a forma mais adequada para os sindicatos de trabalhadores rurais.
O atual Sistema Contag assume na prática a forma do sindicato unitário por ramo de atividade, pois permite a unidade de todos os que vivem do trabalho no campo e que são historicamente explorados pela aliança do capital com o latifúndio.

A luta pela terra

Além do Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais, a luta pela terra é desenvolvida com combatividade e grande sucesso por outros movimentos. O MST é o mais antigo, alcançou um alto grau de organização e, conta com o apoio político do sindicalismo classista. Com o acirramento das contradições sociais no campo e o desemprego, surgiram novos movimentos na luta pela terra, formados a partir de suas próprias experiências.

O Movimento de Luta pela Terra MLT -, com maior presença nos estados da Bahia e Pará, desenvolve a luta pela terra em parceria com a Contag e procura fortalecer o sindicalismo rural. A Corrente Sindical Classista deve fortalecer orgânica e politicamente o MLT e desenvolver esforços no sentido da unidade dele com outros movimentos.

A greve dos caminhoneiros; a manifestação dos ruralistas em Brasília e a marcha dos Cem Mil mostraram recentemente que se a política do governo fere de morte os pequenos produtores, também golpeia os médios e até grandes produtores da agricultura nacional.
Nesse sentido, a luta pela conquista da Reforma Agrária e de uma política agrícola nacional e popular, só terá futuro se estiver inserida nos objetivos maiores do povo brasileiro e conseguir agregar amplos setores que se opõem ao neoliberalismo.

Marcelo Cardia é engenheiro agrônomo e membro da comissão sindical do PCdoB. Este texto integra a revista de Resoluções do IV Congresso Nacional da Corrente Sindical Classista (CSC).

“O Grito da Terra Continua”

O plantio da safra 2000/01 se aproxima, fazendo com que os ministros da Agricultura e da Reforma Agrária acionem a poderosa rede de propaganda oficial. Anunciavam novos assentamentos; acréscimo de R$2,7 bilhões na oferta de crédito agrícola; fundo de aval, renegociação das dívidas e mais dinheiro com menor custo para o crédito da agricultura familiar. Claro, não podendo faltar previsão de um novo recorde colheita da safra 1999/00.

Mas há um verdadeiro buraco negro entre a realidade virtual do ministro Raul Jungman e a dura realidade da agricultura familiar do Brasil. Se não, o que explicaria a recusa dos Sem Terra em participar do Conselho de Desenvolvimento Agrário proposto pelo governo? Por que há apenas dois meses da conclusão da negociação entre o Movimento Sindical e o governo, a Contag, com a palavra-de-ordem “O Grito da Terra Continua”, mobiliza suas bases?

Os trabalhadores rurais e o povo brasileiro, cada vez mais, tomam consciência dos reais intentos do governo FHC: por um lado, propaganda enganosa e medidas compensatórias frágeis e de curta duração para a agricultura familiar; por outro, política agrícola subordinada aos interesses do sistema financeiro internacional.

EDIÇÃO 58, AGO/SET/OUT, 2000, PÁGINAS 19, 20, 21