Patrocinado pelo governo, aquele acontecimento repetiu, em palco e momento privilegiados, e sob os olhos do mundo, o reiterado fiasco da relação colonizada e subalterna dos setores conservadores da classe dominante brasileira com os centros de comando estrangeiros. O homenageado em Porto Seguro foi, como sempre, o colonizador, ali presente na figura do presidente português Jorge Sampaio, enquanto o povo foi posto para fora pelo forte aparato policial militar, sob as ordens do general Alberto Cardoso, subordinado direto de Fernando Henrique Cardoso, mobilizado para manter longe – a pelo menos 60 quilômetros de distância – índios, negros, sem-terra, trabalhadores, oposicionistas, democratas, forças sociais e políticas que, por representar o povo brasileiro, não eram bem vindas ao regabofe que consumiu mais de 11 vezes todo o dinheiro que o governo vai gastar, este ano, com os índios – 66,7 milhões de reais, enquanto o orçamento da Funai é de 5,8 milhões.

A ação repressiva promovida pelo governo em Porto Seguro foi duramente criticados no ato de Ouro Preto no dia 29 de abril. Ao comemorar o 10 de Maio e o dia da Inconfidência na praça Tiradentes, populares, representantes de todos os segmentos da oposição, personalidades, partidos, entidades estudantis, sindicais e nações indígenas, compararam Fernando Henrique ao traidor Silvério dos Reis – e ressaltaram a necessidade do país mudar de rumo.

Outra reação indignada foi a da Associação dos Sociólogos do Estado da Bahia, que enquadrou em seu Código de Ética Profissional os sociólogos Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort, atuais presidente da República e ministro da Cultura, acusados de "comportamento eticamente questionável", e de ignorar "que não só o povo não foi convidado, como deveria ter sido o dono da festa".

O aparato repressivo mobilizado em Porto Seguro rememorou outro, ocorrido há exatos 20 anos, quando – em seus estertores – a ditadura militar enviou soldados da polícia militar, do DEOPS, do DOI-Codi, e helicópteros do Exército, para cercar São Bernardo do Campo e impedir a grande manifestação contra a ditadura militar que foi o ponto alto da greve de 1980. Como ocorreu ali, Porto Seguro foi sitiada, e o acesso à cidade foi impedido com a detenção de ônibus e automóveis e a repressão, com o uso de bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha, contra as tentativas de alcançar a pé o centro histórico de Porto Seguro; 141 pessoas foram presas, e 65 feridas nos confrontos.

Repetindo práticas da ditadura militar de 1964, os acontecimentos de Porto Seguro assinalam a escalada antidemocrática e repressiva do governo atual. Nas semanas seguintes àquela comemoração de dignatários, o governo prosseguiu a agressão contra o movimento social usando força policial, ameaças jurídicas e censura à imprensa. Manifestantes foram presos; lideranças do Movimento dos Sem Terra foram enquadrados na fascista Lei de Segurança Nacional, herança malsã de 1964 que o governo de FRC não se peja em usar; João Pedro Stédile, um dos líderes do MST, é proibido pela presidência da República de ser entrevistado em um programa de uma televisão estatal. Ao mesmo tempo, rearticulou o serviço de espionagem do governo ressuscitando o antigo e malsinado SNI.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 57, MAI/JUN/JUL, 2000, PÁGINAS 3