A maioria dos historiadores econômicos considera que os primeiros passos da industrialização brasileira só se dão entre 1885 e 1895, seguidos da expansão industrial do início do século XX. Poucos dedicam maior atenção à ação empresarial de Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, em meados do século passado, em plena sociedade escravista – algo, por isso mesmo, singular e inédito.

NESTE ENSAIO busca-se – através do estudo da trajetória industrial e financeira de Mauá – lançar algumas luzes sobre o que foi o primeiro surto industrial do Brasil. Que circunstâncias permitiram que em pleno regime escravista, sem a existência de uma força de trabalho livre, sem um mercado interno forte, surgisse um empresário capitalista do porte de Mauá? Qual o verdadeiro significado deste homem?

Será o "nacionalista" pintado por Nelson Werneck Sodré, em luta contra o latifúndio retrógrado, afrontando os interesses britânicos? Mauá não lutaria apenas com as resistências dos latifundiários, levantadas pelos seus representantes políticos; lutaria também contra os investimentos britânicos que disputavam agora a renda nacional, buscando instalar-se nas áreas mais rentáveis, sob regime de integrais garantias, particularmente as do transporte, marítimo e terrestre, e a dos serviços públicos urbanos. Suas iniciativas, por isso mesmo, vão sendo dificultadas e transferidas aos ingleses. (1)

Ou será o empresário associado aos ingleses de que nos fala Richard Graham? Embora alguns historiadores descrevam Mauá como o primeiro financista dotado de idéias nacionalistas e bravo combatedor da interferência estrangeira, um estudo acurado e imparcial de documentação daquela época – e ainda existente – nos mostra Mauá procurando entusiasticamente auxiliar e contribuir para o aumento do poderio econômico britânico no Brasil. Defendeu os interesses ingleses quando surgiram divergências com companhias brasileiras, mesmo sabendo que as primeiras não tinham razão, apenas, como dizia, simplesmente para preservar o "crédito do Brasil em Londres". O que realmente o preocupava era a modernização do país, e os meios para alcançar este objetivo, os quais, pensava ele, encontravam-se nas mãos do homens de empresa de diversas nacionalidades, legítimos representantes do sistema capitalista. (2)

Ou, enfim, será o self-made man, defensor do livre-mercado, em luta contra o Estado – inibidor do progresso e da "modernidade" – como nos cantam em prosa e verso, cine e vídeo os neoliberais de hoje?

Que circunstâncias levaram à falência o homem mais rico da América do Sul, poucos anos antes da abolição da escravidão e da proclamação da República? Em que sentido e até que ponto essa figura singular, atípica, nos revela as características da burguesia brasileira em formação?
Estas são algumas das questões que tentamos responder no decorrer deste ensaio.
Influência inglesa e liberal

Irineu Evangelista de Sousa nasceu em 28 de dezembro de 1813 no município gaúcho de Jaguarão. Cresceu sem luxos, na pequena estância de gado de seus pais. Em 1819, seu pai é assassinado, sua mãe volta a casar-se e Irineu é entregue ao tio paterno José Batista de Carvalho, capitão de longo curso que trabalha para um dos maiores comerciantes e traficantes portugueses do Rio de Janeiro.

Assim, em 1823, com apenas nove anos, Irineu viaja com destino ao Rio de Janeiro. Ali, é entregue a João Rodrigues Pereira de Almeida, futuro Barão de Ubá, um dos maiores atacadistas do Império, em cuja casa comercial passa a trabalhar. Em 1827, com apenas 13 anos de idade, toma-se o guarda-livros do patrão. Em 1828, a forte crise econômica leva a firma de Pereira de Almeida à falência. Sua maior credora era a firma inglesa Carruthers & Irmãos. Irineu joga um papel destacado nas negociações por uma solução amigável e é contratado por Ricardo Carruthers como auxiliar de contabilidade.

Com Carruthers, Irineu aprende contabilidade, aritmética e inglês, e passa a ler no original Adam Smith, Stuart Mill, Milton, Shakespeare. Absorve os hábitos sóbrios e a mentalidade capitalista dos ingleses, e aprende o valor do crédito para os negócios mais amplos. Em pouco tempo toma-se o gerente da firma inglesa.

Aos 23 anos, quando Ricardo Carruthers se aposenta e vai residir na Escócia, toma-se seu sócio. Com uma renda de cerca de mil contos de réis, Irineu dirige a próspera firma Carruthers do Rio de Janeiro, importando da Inglaterra ferragens, máquinas, tecidos, produtos manufaturados, e exportando cacau, açúcar, algodão, café e fumo. Seu nome consolida-se na praça e começa a ser conhecido também no Rio da Prata e alhures.

Em 1840, viaja à Europa para yisitar Carruthers. O industrialismo inglês o impressiona de forma decisiva. Convence Carruthers a fazer novas inversões no país. Criam em Manchester a Carruthers. De Castro & Cia, tendo Irineu como o sócio administrador. Essa firma será, durante anos, o meio através do qual ele carreará recursos da Inglaterra para as empresas que formará no Brasil. Inicia-se uma nova fase na vida do comerciante Irineu Evangelista de Sousa, que logo se tornará industrial e político.

A reforma tarifária de Alves Branco em 1844

A política colonial de Portugal sempre obstaculizou a industrialização do Brasil. O Alvará de 1785, proibindo as manufaturas têxteis na Colônia, exceto panos grossos de algodão para vestimenta dos escravos e confecção de sacos, é um exemplo disso. Apenas com o Alvará de 10 de abril de 1808 essas proibições são revogadas, sendo estabelecida uma taxa de 24% sobre os produtos importados. As tarifas para as mercadorias pertencentes ou transportadas em navios portugueses são fixadas em 16%. Mas, a Inglaterra exige um tratamento preferencial e obtém através do tratado de 1810 – a tarifa de 15% -. O mercado brasileiro é entregue às manufaturas inglesas. Em 1827, esgotada a vigência do tratado de 1810. Este é renovado por mais 15 anos em retribuição à ajuda inglesa ao reconhecimento da independência brasileira. Em 1828. a tarifa preferencial de 15% é estendida a todos os países estrangeiros, dificultando ainda mais a industrialização do país.

Mas, em 1844, caduca o tratado comercial com a Inglaterra. Apesar das pressões pela sua renovação, o Parlamento Brasileiro nega-se a fazê-lo. Em revide às medidas que a Inglaterra vinha tomando contra o tráfico negreiro. É aprovada a Lei Alves Branco que eleva as tarifas de importação para valeres entre 30 e 60%, ao mesmo tempo que isenta as indústrias "instaladas no país" do pagamento de impostos sobre as importações. A Lei Alves Branco, além de buscar uma maior arrecadação, tem objetivos conscientemente protecionistas:

"Nenhuma nação deve fundar exclusivamente todas suas esperanças na lavoura, na produção da matéria bruta, nos mercados estrangeiros. Um povo sem manufatura fica sempre na dependência dos outros povos e, por conseguinte, nem pode fazer transações vantajosas, nem avançar um só passo na carreira de sua riqueza. A indústria fabril interna de qualquer povo é o primeiro, mais seguro e mais abundante mercado de sua indústria. É de mister, com fé firme da indústria fabril (…), por meio de uma tarifa anualmente aperfeiçoada e mais a mais acomodada ao desenvolvimento do nosso país." (3)

Dotado de grande visão empresarial, Irineu percebe que a nova política tarifária abre grandes perspectivas para os negócios industriais e bancários, ao mesmo tempo que cria problemas para o comércio importador. Chama, então, Carruthers ao Brasil e convence-o a liquidar a empresa comercial e a investir em outros ramos de atividades. Sem pressa, começa a se desfazer dos seus ativos, sempre a bom preço.

Percebendo a importância das relações pessoais na sociedade escravista e atrasada em que vive, adere à maçonaria, adquire uma bela mansão no Catete e trata de enchê-la de convidados ilustres, estabelecendo relações de intimidade com as pessoas mais influentes do governo e da elite oligárquica.

A seguir, Irineu trata de criar o que considerava ser a empresa básica, a "mãe das outras indústrias, a indústria do ferro". Para isso, entende-se com o ministro do Império Conselheiro Joaquim Marcelino Brito, obtendo a garantia de que lhe seria concedida a canalização das águas do rio Maracanã para o abastecimento do Rio de Janeiro, desde que tivesse condições de fabricar os canos para essa obra.
Em meados de 1846, adquire o Estabelecimento de Fundição e Estaleiros da Ponta de Areia, em Niterói. A compra inclui um grande terreno à beira mar, os telheiros que servem de oficina, máquinas, ferramentas e 28 escravos especializados. No total, pagou sessenta contos de réis, dinheiro suficiente para comprar 5 mil sacas de café, a produção anual de uma grande fazenda. Uma semana depois, assina com o Ministério do Império o contrato para canalizar o rio Maracanã com os tubos de ferro que iria fabricar.

No primeiro ano quadruplicou o capital da empresa e iniciou as obras, que progrediam a olhos vistos. Só que os pagamentos por parte do governo não se realizavam, mesmo depois de mais de um ano. Sob a ameaça de falência, diversificou a sua produção, passando a fabricar pregos, sinos, máquinas de serrar, peças para engenhos de açúcar, guindastes e molinetes. Passou a fazer consertos de navios e montou uma empresa em Rio Grande para operar um rebocador a vapor construído no seu estaleiro. Só em 1848, com a posse de novo ministério conservador – onde tinha bons amigos – conseguiu que lhe pagassem as obras, além de obter um empréstimo de 300 contos de réis, a juros de 6% ao ano, com cinco anos de carência até o pagamento da primeira prestação. A partir daí, a Ponta de Areia expandiu-se. (4)

A extinção do tráfico negreiro e a lei de terras

Em 1845, o governo brasileiro notificou à Inglaterra que a vigência do tratado de 1827 – que proibia o tráfico negreiro e permitia a vistoria das embarcações pelos ingleses – estava por caducar. Em resposta, o gabinete inglês decretou a lei Bill Aderdeen, autorizando os navios ingleses a perseguir, aprisionar e destruir barcos de países estrangeiros em águas internacionais, desde que suspeitassem que se dedicavam ao tráfico de escravos. Os incidentes multiplicaram-se.

Convencido da inevitabilidade do fim do tráfico negreiro, o governo imperial procurou adaptar o país à nova realidade. Em troca da aceitação pelos grandes proprietários da extinção do tráfico, aprovou uma nova Lei de Terras, eliminando doações de terras e o direito de posse, assegurando aos grandes fazendeiros as terras ocupadas por pequenos camponeses e escravos alforriados. Ao impor como única forma de acesso à terra a compra – e a um preço premeditadamente elevado – excluiu as massas pobres do campo e os futuros libertos de qualquer acesso à terra. Quanto aos imigrantes, forçava-os a trabalhar para os grandes proprietários por longos anos, até que pudessem acumular o suficiente para adquirir algum pedaço de terra.

Em 1849, o governo designou uma comissão – composta pelo ministro da Justiça Eusébio de Queirós, Clemente Pereira, Nabuco de Araújo, Carvalho Monteiro, Caetano Soares e Irineu Evangelista de Sousa – para elaborar o Código de Comércio do Império, outro instrumento necessário para os novos tempos que se anteviam. Os trabalhos da comissão se realizaram na casa de Mauá e o projeto foi aprovado no Senado em apenas duas sessões. Em retribuição, Irineu recebeu do Imperador o Hábito da Ordem de Cristo. Logo a seguir foi eleito presidente da Comissão da Praça de Comércio do Rio de Janeiro.
Finalmente, em 1850, no bojo de fortes pressões da Inglaterra – cuja esquadra chegou a canhonear navios em portos brasileiros, bombardear Paranaguá e ameaçar de fazer o mesmo no Rio de Janeiro – foi aprovada a Lei Eusébio de Queirós, extinguindo o tráfico negreiro. O novo Banco do Brasil e a expansão dos negócios

A extinção do tráfico negreiro teve conseqüências econômicas imediatas. Enormes quantias de dinheiro, envolvidas nessa atividade ilegal, passaram a buscar novas aplicações rentáveis. Uma parte desses capitais liberados foi canalizada para as importações, elevando a arrecadação da Alfândega entre 1850 e 1852 em mais de 40%. A alta do café também aumentou a renda com os impostos sobre a exportação em mais de 20%. O Tesouro encheu suas "burras". Amadureciam as condições para o projeto de Irineu Evangelista de Sousa de fundar um banco: "Reunir os capitais que se viam repentinamente deslocados do ilícito comércio, e fazê-los convergir a um centro donde pudessem ir alimentar as forças produtivas do país, foi o pensamento que me surgiu na mente ao ter a certeza de que aquele fato era irrevogável". (5)

Em 2 de março de 1851 é fundado no Rio de Janeiro novo Banco do Brasil (o original, de 1808, já não existia), com capital total de 10 mil contos de réis, um terço do orçamento do Império para aquele ano. Irineu foi eleito seu presidente. A 21 de agosto de 1851, poucos meses depois de aprovados os seus estatutos, o banco entrou em pleno funcionamento, ficando autorizado a emitir letras até o limite de 50% do seu capital.

A intervenção de Mauá no Prata: a política a serviço dos negócios

Com o fim do tráfico negreiro e a perda do controle da rota africana, o Império voltou suas atenções para o Prata, onde defendia a livre navegação do Paraná. O argentino Rosas, intransigente opositor à livre navegação – invadira o Uruguai e mantinha Montevidéu bloqueada por terra desde 1843. O Uruguai viu-se forçado a pedir o apoio brasileiro contra Rosas. O ministro Paulino, temeroso do envolvimento oficial do Império, solicitou que Irineu atuasse como intermediário de uma ajuda financeira ao governo uruguaio.

Um acordo secreto, com cláusulas leoninas – entre as quais a renúncia pelo Uruguai a cerca de um quinto dos territórios que litigava com o Brasil e o pagamento de juros de 40% ao ano – é assinado em setembro de 1850 pelos governos do Brasil e do Uruguai, e por Irineu Evangelista de Sousa, que se compromete a fornecer dinheiro e armas para a defesa de Montevidéu. Isso garante generosas encomendas ao estaleiro de Irineu na Ponta de Areia, em Niterói. Em inícios de 1852, Rosas é derrotado. O novo governo uruguaio, pressionado pelo Império – cuja esquadra realiza manobras ao largo de Montevidéu e ameaça ocupar com tropas o território uruguaio – reconhece o acordo secreto de 1850 e seus adendos de 1851. A partir desse dia, Irineu tomou-se, legalmente, maior credor do governo uruguaio e quase o dono da economia pública local. Terminava a fase da sangria do bolso e começava a da cobrança. Pelo tratado, ele tinha direito a nomear um representante para fiscalizar a Alfândega e as contas do governo. Seu representante, mais a atuação firme do embaixador brasileiro, eram sua esperança de ver de volta o seu dinheiro.

A navegação do Rio Amazonas e a primeira ferrovia do Brasil

Solucionada a questão do Prata, o governo brasileiro voltou-se para a ocupação da Amazônia, ameaçada pelo expansionismo dos EUA, que pregavam a livre navegação do rio Amazonas.(6) Irineu recebeu o privilégio da sua navegação por 30 anos e uma subvenção anual de 160 contos de réis para a primeira linha estabelecida. Em fins de 1852, foi criada a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas, com capital de dois mil contos. Em 1853, três linhas de navios a vapor começaram a funcionar, navegando mais de 5 mil km do Amazonas e afluentes. Depois de um ano, a empresa começou a dar lucro.

Planejando vôos maiores. Mauá abriu o capital da Ponta de Areia, elevando-o a 1250 contos (seis vezes o seu capital em 1850) pela subscrição de ações. Com isso, não só deixou a empresa mais forte como transferiu dinheiro para o seu bolso, criando condições de investir nos grandes projetos que tinha em mente.

Em 1852, ganhou do governo imperial a concessão para a construção da primeira ferrovia do Brasil. entre a Praia da Estrela e Raiz da Serra, Petrópolis. Para viabilizá-la, formou uma empresa com capital inicial de 1.300 contos – a Estrada de Ferro de Petrópolis – tendo garantia governamental de 5% de juros ao ano, sobre o seu capital. A inauguração da Estrada de Ferro Mauá – a 3ª da América Latina e 21º do mundo, com 14,5 km de extensão – deu-se em abril de 1854. Na ocasião, Irineu recebeu o título de Barão de Mauá.

A partir dessa primeira ferrovia multiplicam-se as iniciativas para a construção de novas estradas de ferro no país – seja com capitais nacionais, seja com capitais ingleses – sempre com a participação de Mauá. Entre elas, podemos citar a Estrada de Ferro Dom Pedro II, a São Paulo Railway, a Recife and São Francisco Railway Company, a Bahia and São Francisco Railway Company, a Minas and Rio Railway Company.

Em 1852, Mauá venceu a concorrência para a iluminação pública do Rio de Janeiro e criou a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, com capital de 1.200 contos. Em 1854, foram acesos os primeiros 637 lampiões a gás, a terça parte do total previsto no contrato.
Mauá fechou ano de 1852 comandando empresas com um capital total de 15.750 contos de réis – incluídos os 10 mil contos do Banco do Brasil – o que correspondia à metade de toda a produção de café e a dois terços do imposto de importação do país, a maior fonte de renda do governo. A expansão dos capitais sob o seu controle aumentara, em apenas 3 anos, em cerca de 6.500%, não computados os mil contos investidos no Uruguai. A alavanca para toda essa expansão havia sido o Banco do Brasil.
Mauá esbarra nos limites da sociedade escravista

Diante de tão vertiginoso crescimento, levantaram-se as primeiras vozes de advertência e de crítica, principalmente dos setores mais conservadores, temerosos da modernização do país. No Senado, o Visconde de Itaboraí apresentou projeto de criação de um banco oficial – com capital total de 30 mil contos – cujo presidente seria nomeado diretamente pelo Imperador. Depois de afirmar que os bancos existentes eram inseguros, e que só o fim da concorrência entre eles remediaria a situação, acenou com a possibilidade deles virem a participar da fundação do novo banco sob o comando do governo. O resultado foi uma corrida dos depositantes aos bancos existentes, para retirar o seu dinheiro.
Irineu foi pego no contrapé – ele tinha quatro grandes investimentos em andamento: os empréstimos ao governo uruguaio, a estrada de ferro, a companhia de gás e a navegação do Amazonas. Todos em fase de gastos, com perspectiva de retomo só a médio prazo. E o banco – o instrumento de captação de capitais com que contava para financiar os seus projetos – fora inviabilizado. Irineu teve de capitular e entregou o banco em troca do fornecimento pelo governo de um empréstimo de 600 contos para salvá-lo da bancarrota.

Em julho de 1853, a Câmara aprovou a criação do novo banco. O governo recebeu tudo: capitais, móveis, funcionários treinados e o nome. Em troca, assumiu o compromisso de entregar a Irineu e aos demais acionistas dos dois bancos que se fundiam (o do Brasil e o Comercial) 80 mil das 150 mil ações do novo banco. Sua diretoria foi aumentada para 15 membros, todos remunerados com altos salários. O novo Banco elevou os juros para melhor remunerar os aplicadores, sem preocupar-se com o fomento da produção.

Em dezembro de 1853, Irineu renunciou à diretoria do novo banco e, logo que recebeu suas ações, aproveitou o momento de alta para vendê-las e reaver seu capital. Em 1854, a entrada em funcionamento da sua estrada de ferro, da Companhia de Gás, os primeiros lucros na sua Companhia de Navegação do Amazonas, revertem a situação crítica por que havia passado. Estava pronto para um novo ciclo de negócios. (Continua no próximo número)

Raul K. M. Carrion é graduado em História pela UFRGS, Coordenador do Centro de Estudos Marxistas (CEM/RS) e do Centro de Debates Econômicos e Sociais do Rio Grande do Sul (CEDESP/RS).
É co-autor de Luz e Sombras (Editora da Universidade/UFRGS e CEM/RS) e Fios de Ariadne (Editora da UPF e CEM/RS). Publicou (org.) Globalização, Neoliberalismo e Privatizações. quem decide este jogo? e Século XXI: Barbárie ou Solidariedade? (ambos pela Editora da Universidade/UFRGS e CEDESP/RS).

Notas

(1) SODRÉ, Nelson Werneck. História da burguesia brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967, p. 124.
(2) GRAHAN, Richard. Grã-Bretanha e o início da Modernização no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, pp. 210-211.
(3) BRANCO, Manuel Alves. Proposta e relatório apresentados à Assembléia Geral Legislativa na Primeira Sessão da Sexta Legislatura pelo Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda. Rio de Janeiro: 1845, p. 34.
(4) "Não demorou muito para que dali começassem a sair algumas inovações que seu dono julgava adequadas ao mercado brasileiro: engenhos de açúcar completos, movidos a vapor, bem mais produtivos que os toscos mecanismos tocados por bois e rodas d'água em uso no país; pontes de ferro que podiam ser montadas em pouco tempo mesmo nos rios mais largos; canhões de bronze para os navios de guerra; navios a vapor completos; fomos siderúrgicos e bombas de sucção. O pessoal não parava de aumentar. Em vez dos 28 escravos originais, havia agora quase 300 operários, divididos em 5 oficinas: fundição de ferro, fundição de bronze, acessórios, construção naval e caldeiraria. Um quarto dos empregados era ainda de escravos, quase todos especializados (apenas cerca de 10 eram serventes). O principal contingente de operários era formado por brasileiros livres (cerca de um terço do total), e o restante vinha do mundo inteiro; havia portugueses, ingleses, suíços, espanhóis, belgas, alemães e austríacos trabalhando em Niterói." (CALDEIRA, Jorge. Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, pp.191-192).
(5) MAUÁ, Visconde de. Autobiografia – exposição aos credores e ao público. Rio de Janeiro: Topbooks, 1998, p. 116.
(6) Em 1849, o tenente Matthew Maury, da marinha norteamericana, lançou uma campanha nos EUA pela livre navegação do Rio Amazonas, argumentando que sua bacia não passava de uma continuidade da do Mississipi, que a direção dos ventos levava os navios que passavam pela foz do Amazonas diretamente aos portos do sul da União, que esse imenso tesouro era desconhecido do Brasil e que o primitivo governo daquele país, com sua política 'japonesa", impedia o acesso a tais riquezas; enfim, que os bens da terra pertenciam àqueles que fossem capazes de aproveitá-los e a abertura do Amazonas significava para os EUA o mesmo que a compra da Louisiana, não havendo tempo a perder.

EDIÇÃO 58, AGO/SET/OUT, 2000, PÁGINAS 45, 46, 47, 48, 49