O Plano Colômbia, aprovado pelo Congresso dos EUA em junho de 2000, reúne as características de um projeto de intervenção no marco das guerras periféricas, próprio do atual momento da globalização. Como se sabe, seu pretexto é a luta antinarcóticos. Porém, se observarmos as peculiaridades da Colômbia e de sua situação interna, econômica e sócio-política, bem como o contexto andino e latino-americano, pode-se confirmar a existência de um contexto no qual se manifestam mudanças, altos graus de confrontação social e crises com causas bastante diferentes; e isso não pode ser reduzido a um problema pontual: o narcotráfico.

Para nós, outros são os objetivos específicos que enquadram o Plano Colômbia. Por isso, queremos enfatizar – e tentar demonstrar – que a luta antinarcóticos não é o propósito fundamental e que são bastante evidentes os dados que confirmam tal asseveração. Outro aspecto desse assunto é a enorme campanha ideológica e publicitária montada para mostrar o sentido da “guerra santa” e a necessidade das operações militares que a marcam, que mostram a seqüência preparação-abrandamento-persuasão, que previa a aprovação das medidas fundamentais pelos EUA e a inexorável execução do Plano Colômbia mediante a criação de uma base de legitimidade local na chamada Frente Comum pela Paz e contra a Violência, constituída na Casa de Nariño (sede do governo colombiano) em 22 de novembro de 2000, como ante-sala para desencadear as operações do Plano em janeiro de 2001.

O Plano Colômbia é iniciado pelo reordenamento sócio-político e geo-estratégico para o Hemisfério ocidental, concebido pelos Estados Unidos na atual fase da globalização. Pela nova ordem, o imperialismo reorganiza o mundo incorporando áreas periféricas à transnacionalização globalizada mediante uma crescente subordinação das mesmas a novas formas da acumulação de capital e, também, assumindo o controle dos conflitos, vistos como focos de resistência a essa nova ordem. As formas de regulação nacional e regional devem corresponder aos delineamentos do centro. Trata-se de um reordenamento não apenas econômico mas também geral, isto é, que engloba o sócio-político, o ideológico e o cultural. A tutela super-estatal sustenta formas de coação tecnológico-militares que tornam a intervenção uma prática quase que cotidiana.

O que é, de fato, o Plano Colômbia

Atualmente, o projeto em desenvolvimento é uma versão profundamente modificada da idéia inicial formulada pelo presidente Andrés Pastrana, por ocasião de sua posse no segundo semestre de 1998. O Plano atual foi trabalhado em meados de 1999 pela equipe do Departamento Nacional de Planejamento do governo colombiano por vários assessores norte-americanos, entre os quais Bryan Sheridan, então subsecretário de Estado para os conflitos de baixa intensidade, posteriormente condecorado com a Cruz de Boyacá (máxima deferência concedida pela República colombiana), por Pastrana, junto com outros funcionários norte-americanos. O Plano – Lei 106/246 nos EUA –, foi sancionado pelo presidente Clinton em 13 de julho de 2000. Como se vê, o que na Colômbia é um pacote de estratégias com medidas administrativas sem perfil legal específico, nos EUA é uma lei de Estado.

Permanecem as idéias iniciais para fazer frente à busca de uma solução política ao conflito armado interno e, por sua vez, acelerar uma tomada social e econômica, uma reabsorção da economia agrária vinculada à produção de narcóticos em macro-projetos substitutivos, com a cobertura e o apoio econômico do Banco Mundial. Contudo, entre uma e outra versão, as mudanças são perceptíveis e substanciais. O Plano de 1998 estabelecia uma importante diferença já que, segundo o presidente Pastrana: “A Colômbia passa por duas guerras nitidamente diferentes: a guerra do narcotráfico contra o país e o mundo e o confronto da guerrilha contra um modelo econômico, social e político que considera injusto, corrupto e prenunciativo de privilégios”. (1)

O governo tomava distância do conceito de narco-guerrilha ao separar uma caracterização política de uma outra puramente delinqüente. Esse esclarecimento não foi circunstancial ou episódico. Estava associado a um enfoque concreto na luta antidrogas como parte de uma problemática ligada ao conflito político-militar com o qual em nada se confundia. (2)

Em resumo, essa maneira de ver o problema incluía não apenas uma importante diferenciação entre guerrilha e narcotráfico, mas, além disso, uma ação antidrogas, orientada para uma eventual erradicação consensual, com métodos não contaminadores nem destrutivos, onde, exceto o Estado, interviriam o movimento guerrilheiro e os organismos internacionais. O Fundo de Inversões para a Paz previa a chegada de ajuda internacional, os bônus de paz e de crédito, destinados a financiar os planos de desenvolvimento nas zonas do conflito. (3)

No Plano Colômbia/99, versão inglesa distribuída pelo presidente Pastrana no Parlamento europeu (4), a nova ótica destaca, antes de mais nada, os aspectos militares associados a reformas econômicas dirigidas a corrigir o déficit fiscal, outorgar maiores privilégios à ocupação estrangeira, reforçar o sentido repressivo da fiscalização, a extradição de nativos aos EUA e uma idéia de paz como assunto de governabilidade. O centro desse enfoque é cortar os vínculos da subversão com o narcotráfico, supondo-se que a guerrilha, como projeto anti-sistêmico, estaria inscrita em uma dinâmica delinqüente cada vez menos revolucionária, conforme o parecer dos redatores. A partir dessa apresentação, o Plano se caracteriza em uma “ameaça” a ser enfrentada por quatro agentes geradores de violência: as organizações de narcotraficantes, os grupos subversivos, os grupos ilegais de “autodefesa” (5) e os delinqüentes comuns.

Um problema de governabilidade

Se essa insurreição goza apenas da simpatia de 4% dos cidadãos e confirma sua importância unicamente com o poder das armas – sendo estas, por sua vez, adquiridas com fundos provenientes da comercialização da droga, como o assegura o Plano – então, desaparece todo o conflito social real e surge uma associação entre narcotráfico e insurreição que deve ser desmontada. O conceito de “narco-guerrilha”, introduzido no período reaganiano pelo então embaixador na Colômbia, Lewis Tambs, um dos redatores do Documento Santa Fé I, foi retomado como núcleo da estratégia. Sua função foi modificada para tentar mostrar as transformações da guerrilha: de romantismo revolucionário, do período bipolar, chegou a pragmatismo contestador armado completamente carente de projeto político libertador. A carga ideológica dos usos conceituais, nas condições de um monopólio dificilmente expugnável dos meios de comunicação sob o controle do capital transnacional e dos grandes grupos econômicos, é uma formidável arma da “guerra virtual”, destinada a esmagar toda oposição, ou dissidência, e qualquer tentativa de esclarecimento em relação à real situação da Colômbia; e a impor um pensamento único assentado no guerreirismo, na conciliação com o fascismo paramilitar e na polarização da sociedade.

Desde o início, o conteúdo social do Plano busca complementar o eixo da estratégia: como erradicar não apenas, e nem tanto, os cultivos de uso ilícito, mas também a massa vinculada econômica e territorialmente aos espaços afetados, quer dizer, o campesinato e o proletariado flutuante, que supostamente, é óbvio, constituem a base social da guerrilha. O processo de paz é vislumbrado como a modificação das condições materiais e sociais de existência do movimento guerrilheiro atual. Como uma versão modificada – desde o início, mais complexa pelas próprias características da atual negociação – dos processos de reinserção ocorridos com outros grupos armados em passado recente. Acontece que, agora, além da reinserção, as circunstâncias sócio-territoriais foram modificadas a fim de serem substituídas por alianças estratégicas para a modernização capitalista do campo por via prussiana, isto é, confirmando, no essencial, as formas da grande propriedade territorial de tipo latifundiária.

A estratégia militar no centro

O Plano se propõe a seis objetivos estratégicos, cujo propósito central é reduzir os cultivos, o processamento e a distribuição de narcóticos em 50% no transcurso dos seis anos seguintes. (6) Para isso, prevê um Foco Integrado do Plano, que constitui a essência de seu enunciado estratégico militar.
“Desenvolver uma comissão integrada das Forças Armadas e da Polícia dirigida para golpear as zonas de cultivo e romper as estruturas financeiras, logísticas e armadas do comércio de drogas através de um contínuo e sistemático esforço em 3 fases para reduzir o cultivo e a produção em 50% no transcurso de seis anos”.

O desenvolvimento desse Foco Integrado inclui três fases de curto, médio e longo prazos: fase 1 – Putumayo e Sul, planejada para um ano; fase 2 – zonas Sudeste e Central do país, para dois a três anos; e fase 3 – extensão do esforço integral a todo o país, de três a seis anos. (7)

Dessa maneira, temos um projeto que afeta áreas significativas da Amazônia, da qual não apenas não foram consultados os seus atuais habitantes como também é atingida a sua situação real, seu modo de sobrevivência e os seus recursos ambientais, na medida em que nele está incluído “combater o cultivo ilícito mediante ação contínua e sistemática do Exército e da Polícia, especialmente na região do Putumayo e no Sul do país, e fortalecer o poder da Polícia na erradicação de tais cultivos (…). Estabelecer o controle militar sobre o Sul do país com propósitos de erradicação”. (8)

No sentido militar, é expressiva a distribuição dos recursos aprovados pelo Congresso dos EUA. Há US$ 790 milhões para potencializar a artilharia, a mobilidade aérea, o treinamento e as operações de inteligência do exército e da polícia colombianos. Especialmente helicópteros, aviões e pistas de pouso para a guerra aérea têm criado profundas preocupações nos países vizinhos pela despropositada cooperação militar por parte de Washington. Complementarmente a essas cifras, os países que apóiam logisticamente o Plano Colômbia, especialmente na criação do corredor aéreo para chegar ao espaço referido pelas operações militares – que têm suas cabeças de ponte no Equador e nas ilhas de Aruba e Curaçao (território do reino da Holanda) –, deverão ser ocupados para a adequação de suas pistas de pouso e instalações militares norte-americanas, envolvendo por volta de US$ 117 milhões. Do total de US$ 1,3 bilhão destinado ao Plano Colômbia, US$ 907 milhões estão destinados à área puramente militar, centrada sobre o território e o espaço aéreo colombiano.

Desproporções e enfoques

Se examinarmos os volumes de capital movidos pelo negócio colombiano da droga, encontraremos razões bastante contundentes que acentuam o sentido desproporcional do componente militar do Plano em comparação com essa outra realidade material do objeto que afirma combater.
Segundo alguns estudos, que provêm de fontes tanto européias quanto norte-americanas, o montante anual do comércio de narcotráficos gira em torno de US$ 50 bilhões, correspondentes a 400 toneladas líquidas. É esta a cifra que o investigador Ricardo Vargas deduz da quantidade de cocaína exportada da Colômbia, descontado o confisco feito pela interdição e o que se consome nos dois grandes mercados mundiais – dos EUA e da Europa ocidental –, aproximadamente. Esse dado não está muito afastado do que proporciona o estudo de Anif (9), de março de 2000, que assinala um valor de US$ 46 bilhões.

Em relação à capacidade de retorno financeiro ao país as fontes divergem. Enquanto Vargas calcula em torno de US$ 2,5 bilhões, Anif afirma ser US$ 3, 574 bilhões, que triplica o valor das exportações de café e supera o do petróleo.

Segundo o ex-diretor da DEA (10), o gen. MacCaffrey, a guerrilha colombiana estaria recebendo US$ 500 milhões anualmente. Porém, nunca esclareceu quanto é desviado pelos paramilitares, que abertamente se declaram narcotraficantes, e, conforme dados a serem verificados, hoje dirigem rotas decisivas para a exportação de alcalóides. A chamada expansão paramilitar, cujos dirigentes apóiam pública e clamorosamente o Plano Colômbia, aparentemente estaria sendo financiada por recursos provenientes, não tanto de mesquinhos empresários também afetados pela crise econômica mas, sobretudo, pelo próprio negócio sustentado para amparar a impunidade a eles imputada pelos aliados estratégicos da guerra contra-insurrecional.

Podemos retornar ao aspecto das desproporções ao qual fizemos alusão anteriormente. Como indica Vargas, “82% da ajuda militar dos EUA são destinados para golpear os 0,67% dos agricultores, que vendem seus produtos nas ruas de Frankfurt, e a insurreição que se beneficia dos 1% do volume apropriado pelas organizações do narcotráfico. O que acontece, então, com o crime organizado, que se beneficia dos 99% do capital exportador de cocaína?” E acrescenta: “pela perspectiva do Plano Colômbia, para esse setor não há estratégia nem medidas definidas com clareza, já que não está garantido o combate ao crime organizado, propriamente, com helicópteros, ou com aviões de combate, nem com lanchas ou batalhões antinarcóticos” (11).

Quanto ao chamado crime organizado – sem política para golpear os paraísos fiscais; continuar a rastrear os fluxos financeiros; estabelecer controles reais sobre as reformas tributárias e os fundos para ocupação, ou os diferentes mecanismos que garantem grandes lavagens de dinheiro, incluída a aquisição de bônus da dívida pública e o endividamento em dólares como parte da chantagem que o capital financeiro impõe ao pressuposto fiscal deficitário –, o Plano se situa de um dos lados do alvo da verdadeira luta antinarcóticos, que deveria golpear as fontes econômicas do negócio e os fluxos de acumulação de capital que alimentam o circuito global do mercado de produtos ilícitos.

Visto desse ângulo, o Plano Colômbia está totalmente fora de foco. Realmente, não é uma política antidrogas, mas, ao tomar como centro principal o campesinato produtor e a insurreição, abre uma brecha para a desestabilização da sociedade sem levar a nenhuma solução que contribua para modernizar ou democratizar o país. O pretexto antidrogas deixa antever o corpo anti-social do projeto real. Trata-se de uma reestruturação econômica e social em função dos macro-projetos, previstos há uma década, pelo menos, pelo Banco Mundial, entre os quais porções do território da atual Colômbia, com seus recursos energéticos, bióticos e ambientais, são incorporadas, através de grandes consórcios privados transnacionais, ao mercado mundial; e as populações, deslocadas e refugiadas no interior do país, por possuírem menor capacitação trabalhista, como peões no novo enquadramento da força de trabalho, destroem outra parte importante do espólio estrutural em jogo.

A alma da estratégia

A estratégia oferece elementos que merecem ser examinados com certa atenção. Logo de pronto, estamos diante de uma versão do tratamento destinado aos conflitos chamados de baixa intensidade (CBI) que tiveram vigência única na década dos anos 80. Naquele momento o seu objetivo era controlar e dar condições para solucionar os processos insurgentes centro-americanos de Nicarágua, El Salvador e Guatemala. Significativas variantes cumpriram o seu papel no caso de Granada e Panamá, depois Haiti, nos anos 90, onde se tratou, abertamente, da deposição de governantes.

A versão modificada, e polida, do tratamento ao conflito de baixa intensidade que foi posto em prática na Colômbia, parte de uma dupla concepção do “atuar com mãos alheias”, evitando o desgaste provocado pela vinculação direta – uma parte dos EUA e outra das próprias forças institucionais do Estado colombiano. A guerra antinarcóticos, como guerra “legítima”, é liberada pelas forças militares e policiais da Colômbia, para a qual o exército norte-americano e mercenários “contratistas” fazem praticar exercícios de reengenharia, adestramento e familiarização com as novas tecnologias, ajustadas à sua submissão funcional como instrumento da política estratégica. A guerra “suja” é praticada pelos paramilitares, cuja existência e desenvolvimento se justificam como “resposta da sociedade à guerrilha”, como resultado indesejável, mas inevitável, da própria guerra, incluindo a idéia de convertê-los paulatinamente em “atores” do conflito, propriamente, com direitos – iguais aos da insurreição –, de ocupar um lugar nas negociações e significar uma força política da ultra-direita na criação do modelo pós-conflito. O esquema é evidente; além disso funciona nas atuais condições da globalização neoliberal e da política dos EUA, que não condenam nem combatem o paramilitarismo.

De fato, o conflito aparece cada vez menos como uma confrontação das guerrilhas com o Estado. Com a introdução da idéia de “guerra de posição”, os estrategistas apresentam o relato de uma luta pelo território entre guerrilha e paramilitares. (12) Segundo essa idéia, o Estado adquire um status de vítima e de inocente, até o ponto de desaparecer a guerra de contra-insurreição real, não obstante ser uma política permanente do Estado, com não menos de 40 anos ininterruptos. A população civil dos territórios em disputa é considerada objeto. Objeto esse não neutralizado, mas comprometido, e, no caso das regiões camponesas produtoras de coca ou papoula, consideradas pelas autoridades como delinqüentes (13), normalmente aliadas da guerrilha. Os exercícios de terror, através dos massacres dos esquadrões da morte, tentam forçar uma adesão, pelo pânico ou pelo deslocamento da população que luta pela mesma causa, abandonando móveis, animais, ferramentas, etc. Essa metodologia, tipicamente fascista, tem o seu correlato – nos meios operários, universitários, de professores, defensores dos direitos humanos ou ativistas da esquerda – com os atentados pessoais executados por meio de operações como as de comando, estudadas previamente, inteligente e logisticamente, sem descuidar de detalhes, chegando até a eliminar testemunhas em potencial. (14)

Um dos elementos básicos é a identificação, cada vez mais precisa, de um inimigo estratégico. Em condições de diálogo do governo colombiano com os movimentos guerrilheiros Farc e ELN, apenas a caracterização de guerrilheiro não basta. Para os propósitos da estratégia é essencial introduzir a combinação de guerrilha e narcotráfico com um traço que deve ser interiorizado mediante a propaganda e a definição cada vez mais precisa dos objetivos da guerra. O inimigo deve ser definido e, nessa mesma linha, devem ser situadas as fronteiras com qualquer outro objeto semelhante. Por isso, em sua recente visita a Bogotá, o gen. Peter Pace, chefe do Comando Sul do exército dos EUA, afirmou: “No caso do narcotráfico, fica claro para o mundo que nele há membros das Farc em todos os níveis. O problema é que, se estiver implicado com o narcotráfico, se for narcotraficante, contra isso é que luta o governo do meu país”. (15)

Em busca de uma base de legitimidade

O Grupo dos 8 (G8), reunido em Okinawa, no Japão, discutiu a situação da Colômbia, vista no limiar do manejo dos conflitos regionais que preocupam esse Estado Maior, com a seguinte apreciação: “Aprovamos plenamente os programas e as iniciativas do governo colombiano que tencionam estabelecer as bases de uma paz durável e pôr fim ao cultivo e ao tráfico de produtos ilícitos no país, levando em consideração as aspirações e as necessidades da coletividade local. Convidamos a todas as partes a respeitar os princípios do direito internacional humanitário e a negociar, para acabar com o conflito. Reafirmamos o nosso compromisso de combater a lavagem de dinheiro e o comércio ilegal de armas e produtos químicos precursores, que servem para a fabricação de drogas ilícitas, com vistas a eliminar as fontes de financiamento dos grupos armados clandestinos no país”. (16)

É claro que o conflito colombiano tem sido colocado num contexto global de manejo. Contudo, também é evidente que a Colômbia está fora da realidade, despreocupada com as políticas de direção global, as quais antes não eram consideradas. Como assinalou Alain Joxe: “Pode-se cair na tentação de alinhar a Colômbia com a Bósnia, Kosovo, Argélia e África, fora da civilização, ou ainda, ‘fora da história contemporânea’. Contudo, ao contrário, a análise estratégica impõe admitir que a história e o futuro se arriscam justamente nesses lugares situados nas franjas do débil edifício de estados pacificados e prósperos da Euro-América; ali onde se acumulam e expressam, por meio de violência, todos os conflitos próprios da pobreza e do subdesenvolvimento, simultaneamente a todos os conflitos da modernidade e do desenvolvimento ‘mundializado’.” (17)

A administração dos EUA no período da formulação do Plano Colômbia fez múltiplos esforços para favorecer um apoio relativo à implantação do seu projeto, externa e internamente. A então secretária de Estado, Madelein Albright, o diretor da DEA, gen. MacCaffrey, e outros funcionários visitaram a União Européia estimulando o respaldo a esse Plano, o que para vários governos foi uma verdadeira surpresa pela ausência de autoridades colombianas nessa função. Os mesmos funcionários visitaram os mais importantes países da América Latina com igual propósito. Desde o primeiro momento foram vislumbradas notáveis diferenças em relação a alguns dos governos europeus.

Em fins de junho de 2000 – após ter sido superado o incidente do “colar-bomba” que paralisou, por parte do governo, o diálogo com as Farc –, ocorreu, em Los Pozos, em El Caguán, a Audiência Internacional sobre Plantações Ilegais e Meio-Ambiente, com a assistência de todos os embaixadores da União Européia creditados na Colômbia, aos quais se juntaram os de Japão, Canadá, Suíça, Noruega e Vaticano. Os delegados camponeses, convocados metade pela guerrilha e metade pelo governo, manifestaram seus problemas, inquietudes e aspirações. Por unanimidade se opuseram às fumegações químicas, aos planos de guerra, ao deslocamento forçado; e se clamaram favoráveis a um real apoio de cooperação em função de uma modificação em suas condições de vida. Essa realidade comoveu o auditório europeu. Os arautos dos governos europeus, integrantes do G8, fizeram incluir na declaração de Okinawa, na parte sobre a Colômbia, uma reserva para que sejam levadas em consideração “as aspirações e as necessidades das coletividades locais”; mas, não mexeram no eixo da intervenção estratégica que enquadra o Plano Colômbia.

Nesse mesmo sentido, foram acentuadas as diferenças, não apenas, em todo caso, de países europeus tomados individualmente, mas também de linhas assumidas por organismos colegiados da União Européia, com o Plano Colômbia. Em essência, a União Européia se identifica com a busca de paz mediante “um acordo geral” que “inclua a sociedade civil”; uma especial atenção à defesa dos direitos humanos, o DIH e as vítimas da violência; o apoio aos defensores dos direitos humanos; medidas próximas à reforma agrária integral como base de uma política alternativa frente aos cultivos de destinação ilícita; a resistência às medidas de erradicação que impliquem ação indiscriminada e danos ao meio-ambiente, em clara alusão às fumegações ou a agentes biológicos.

Observa-se tendências semelhantes no ambiente latino-americano. Todos os países se pronunciaram pela não intervenção, especialmente em relação ao papel dos EUA e o seu plano de ação. A posição do governo da Venezuela é particularmente ativa em sua denúncia do Plano Colômbia. Enfrentar a Colômbia e a Venezuela em suas atuais circunstâncias de transformação institucional e liderança petrolífera é um despropósito ainda maior. A atitude venezuelana de compromisso com a paz na Colômbia em grande medida contém o sentimento da América Latina; quiçá não explicitado por parte de todos os governos. O fenômeno peruano é mais complexo. Fujimori questionou o processo de paz com as FARC e a zona de distensão em oposição à postura de Chávez. Fujimori propunha reproduzir o seu modelo autoritário de contra-insurreição, comprovado na ação contra o Sendero e o Mrta. Depois, modificou sua posição com um reforço militar em sua fronteira norte e com uma crítica ao Plano Colômbia. A pressão norte-americana sobre Fujimori e o comando militar peruano precipitou a crise, movida, em grande parte, pelos serviços de inteligência dos EUA, afastando o presidente, o seu assessor de confiança e uma parte substancial da cúpula militar. A proposta norte-americana de estimular uma força coletiva dos países vizinhos que interviesse no conflito colombiano perdeu o vigor.

As declarações do então Chanceler do Brasil em Madrid, em agosto de 2000, são enfáticas: “Já dissemos claramente que o Brasil não participará dessa corrente internacional; e mais, somos contrários à existência de uma força estrangeira militar na Colômbia (…). Não queremos nos envolver nesse conflito. Sequer queremos que as infra-estruturas brasileiras sejam usadas, e nem as pistas aéreas, direta ou indiretamente. (…) Sem dúvida, há uma preocupação de nossa parte de que o conflito possa se estender de forma militar, civil ou através do narcotráfico. Dissemos isso publicamente ao governo dos EUA”. (18)

Se o respaldo internacional ao Plano Colômbia se viu debilitado por esse conjunto de posturas que expressam temores bastante generalizados entre atores importantes, internamente o governo colombiano não procurou mais estimular os meios empresariais, militares e a grande mídia, um dos setores da hierarquia católica e os chefes dos grupos políticos do sistema. Significativamente, os paramilitares puseram em relevo o seu apoio incondicional a um Plano supostamente dirigido para combater o narcotráfico. (…)

Jaime Caycedo Turriago é secretário geral do Partido Comunista Colombiano, professor da Universidade Nacional da Colômbia e membro do Conselho Nacional da Paz, das organizações que lutam pela paz. Este artigo reproduz partes de sua intervenção no Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre. Tradução de Maria Lucília Ruy.

Notas

(1) PASTRANA, Andrés. Plano Colômbia: uma Grande Aliança com o Mundo contra o Delito Internacional, pelos Direitos Humanos, pelos Direitos Sociais e pela Ecologia. Outubro de 1998. In: Obras de paz V, do diálogo à negociação. Imprensa Nacional. Santa Fé de Bogotá. Maio de 1999, p. 76. Escritório do Alto Comissionado para a Paz
(2) Ibid. Ibidem. p. 80.
(3) O Plano Nacional de Desenvolvimento, Bases 1998-2002, Mudança para Construir a Paz, previa a “erradicação sem compensação” de cultivos de grandes áreas e, para os pequenos camponeses, “alternativas produtivas para a erradicação”; pp. 234-235. O objetivo proclamado é “não continuar a caracterizar os pequenos produtores como ilegais”, p. 235, para o qual “esse esquema requer que os projetos produtivos estejam estruturados como organizações empresariais com altos níveis de produtividade e competitividade. A premissa principal que orientará a colocação em prática desses projetos será responder às tendências do mercado (…). Tendo-se em conta que a capacidade de negociação dos camponeses é reduzida, e que apresentam uma débil estrutura organizativa, a participação do setor privado é de vital importância para facilitar a construção de um modelo com base em alianças estratégicas que facilitem sua sustentação a longo prazo”, p. 235. Deve-se observar que, com tudo isso e essa diretriz de mercado, tal proposta tendia a priorizar uma alternativa não militar e diferenciados procedimentos em relação à erradicação. A ajuda internacional e o Fundo de Inversões apareceram para reforçar esses propósitos.
(4) No início do ano 2000, circularam algumas versões imparciais do documento, nas quais foram incluídas mudanças para agradar os interlocutores europeus que já manifestavam preocupação com a nítida orientação pró-EUA, expressa pelo Plano (…)
(5) O documento adota a denominação oficial “autodefesas”, dada pelo governo colombiano aos grupos paramilitares.
(6) Em resumo, esses objetivos podem ser assim sintetizados: 1) fortalecer a luta contra os traficantes e desmantelar as organizações do narcotráfico através de um esforço integrado entre Exército e Polícia; 2) fortalecer o sistema jurídico, com centro na Fiscalização e na aplicação da extradição; 3) neutralizar o sistema financeiro do comércio de drogas e confiscar seus recursos; 4) neutralizar e combater os agentes da violência aliados ao narcotráfico; 5) integrar as iniciativas nacionais dentro dos esforços regionais e internacionais; e 6) fortalecer e estender os planos para o desenvolvimento alternativo nas áreas afetadas pelo tráfico de drogas.
(7) Plano Colômbia, p. 15. É notória a exclusão dessa parte do texto na tradução oficial da Presidência da República. (Nota do Autor)
(8) Ibid. Ibidem. p. 14.
(9) ANIF, Associação Nacional de Instituições Financeiras, centro de estudos que realiza observações e análises sobre vários temas econômicos. Um resumo desse informe foi publicado pelo El Espectador, no Diário Econômico, em 20 de março de 2000.
(10) DEA, Central Antridrogas dos EUA.
(11) VARGAS, Ricardo. Políticas Antidrogas, Estado e Democracia na Colômbia. In: IX Fórum pelos Direitos Humanos. Bogotá. 2000, pp. 60-61.
(12) A idéia de uma guerra de posições provém de comentaristas informados sobre temas militares. No essencial, considera que a guerrilha colombiana tende a expandir sua influência territorial e, por isso, se concentrar em “zonas com alto potencial econômico, político e militar”. Concluem que a paz logo chegará se o Estado, militarmente, obrigar a guerrilha a negociar e a “reduzir progressivamente os espaços” por ela ganhos. Ver a respeito: SUÁREZ, Alfredo Rangel. Colômbia: Guerra no final do século. TM Editores: Bogotá. 1998. (…)
(13) Durante as marchas (cocaleiras) de 1996 o gen. Néstor Ramirez, comandante da 12ª Brigada do Exército, definia os camponeses manifestantes como delinqüentes. No mesmo sentido se pronunciou em outubro de 2000 Gonzalo Defrancisco, diretor da Empresa Colômbia, encarregada da erradicação da coca pelo departamento de Putumayo (…)
(14) No atentado contra o dirigente sindical Wilson Borja, presidente da Federação Nacional de Trabalhadores a Serviço do Estado, do qual foi salvo por seus seguranças em dezembro de 2000, os atacantes eliminaram a sangue frio um de seus partidários, ferido, e uma vendedora ambulante que os havia atendido antes da operação.
(15) Declarações atribuídas ao gen. Peter Pace. In: El Tiempo. Bogotá. p. 2-A, 19 de janeiro de 2001. Grifo do Autor.
(16) Deliberações da reunião de ministros de Assuntos Estrangeiros do G8, em Miyazaki, Japão, em 13 de julho de 2000. In: Internet. G8 Research Group of the University of Toronto.
(17) JOXE, Alain. Colombie: Guerre à Trois Camps, Processus de Paix ‘en penne’ et Intervention Américaine en Le Débat Stratégique Euroaméricain, 1998. In: Cahiers d’Études Stratégiques. nº 26. CIPRÉS: Paris. 1998.
(18) Entrevista a Luiz Felipe Lampreia, Ministro de Assuntos Exteriores do Brasil. In: El País. Madrid, p. 4, 31 de agosto de 2000.

EDIÇÃO 61, Mai/Jun/Jul, 2001, PÁGINAS 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25