O lançamento no dia 23 de julho, em Brasília, do Programa de Governo da frente Lula Presidente – composta por PT, PCdoB, PL, PMN e PCB – impõe-se como um marco destacado na trajetória das eleições de 2002, no esforço atual que compreende a definição de um novo caminho para o Brasil.
Particularidade do Programa de 2002

A experiência da construção de um programa de governo para o Brasil, iniciada principalmente entre comunistas e petistas, vem desde a campanha presidencial de 1989, logo após o final do período de ditadura militar. Esse Programa mantém um núcleo de caráter democrático e popular, o qual expressa três tendências objetivas transformadoras da sociedade brasileira – que se definem na dimensão nacional, democrática e social. O novo modelo de desenvolvimento tendo como base esse núcleo essencial compõe os programas de 1994, 1998 e este de 2002, que se desenvolveram conforme o curso da evolução política, econômica e social na última década e começo desta.

Os programas de 1994 e 98 correspondiam às fases de aplicação plena da política neoliberal. Esta ainda contava com apoio amplo da população, em função da relativa estabilidade monetária alcançada, apesar de, desde 1998, ter se iniciado as crises sucessivas cujo desfecho foi a desvalorização do real já no começo de 1999.

O Programa de 2002 situa-se em um contexto distinto dos anteriores. Hoje nos encontramos diante do fim das ilusões liberalizantes e monetaristas que permearam de forma absoluta toda década de 90. Por isso, o Programa recém lançado em Brasília, mantendo a matriz nacional, democrática e social torna-se ainda mais viável que os elaborados no passado – embora, de forma justa, adquira uma maior amplitude política e social, em face das novas condições da crise em curso, expondo uma análise atualizada da realidade e indicando medidas e objetivos voltados para a situação presente.
Causa histórica da crise

O Programa de Governo da frente Lula Presidente reafirma que as duas tendências históricas estruturais da sociedade brasileira – “a excessiva dependência externa e a aguda concentração de renda e riqueza”, agravadas com o advento das políticas ultraliberalizantes – são as causas das crises financeiras sucessivas que se acumularam nestes últimos anos, do estancamento econômico e do surgimento do desemprego estrutural e da extensão do subemprego com todas as suas seqüelas sociais.

O Programa sublinha acertadamente que as restrições internas se avolumaram em conseqüência da aplicação da política liberal-desnacionalizante, submetida ao domínio das finanças de mercado globalizado – que, por sua vez, tornaram mais pesadas as restrições externas.

Para compreender a profundidade dessas restrições o Partido Comunista do Brasil vai ainda mais adiante. O Partido, desde seu 10o Congresso, afirmou que a partir do primeiro governo de Fernando Henrique formou-se um pacto político dominante que respaldou uma grande intervenção política, justificada ideologicamente, na qual passava a ser inviável a aplicação de um projeto nacional de desenvolvimento independente. A governabilidade perdia o sentido nacional.

Desse modo, em curto espaço de tempo, o país se tornou refém dos fluxos dos capitais de fora; e para garantia dessas entradas, passou a conceder, de forma absoluta, uma taxa de juros elevados e a depender do visto das agências a serviço do grande capital financeiro que determinam o “risco-país”.

Porém, o mais significativo é que a crescente vulnerabilidade externa do Brasil levou-o a viver permanentemente dependente do aporte financeiro do FMI e do aval político – condição ainda mais relevante – deste Fundo e do Tesouro dos Estados Unidos, a fim de garantir os interesses dos grandes credores e investidores estrangeiros. O governo brasileiro perdeu assim a autonomia na condução da gestão financeira e da macroeconomia, transformando-se em um condomínio governamental constituído de participantes internos e do exterior.

O contexto em que se assenta o Programa 2002 situa-se no prolongamento da crise estrutural do país, agravada pelo longo período de estagnação do crescimento econômico indicando “o esgotamento de um ciclo econômico”, que se expressa no plano social e político em nosso país – conforme assinalava a Resolução Política do 10o Congresso do Partido. E no plano internacional, também concluía o 10o Congresso, que a política externa unilateral do governo norte-americano – baseada na força, voltada para o expansionismo e o hegemonismo – se relacionava com uma etapa de recessão econômica global e sincrônica. Nos últimos cinco anos as crises financeiras brasileiras, dando provas da falência desses paradigmas ultraliberalizantes, tornaram-se repetitivas e cumulativas provocando grandes estragos. Hoje, a crise cambial atravessa um período de maior agravamento em conseqüência do entrelaçamento com a crise financeira mundial, cujo centro está nos Estados Unidos.

As opiniões de muitos economistas destacados sugerem que a hegemonia planetária do dólar volta a ser questionada, indicando possível esgotamento do ciclo de recomposição hegemônica iniciado desde 1971 – quando os Estados Unidos de modo unilateral revogaram os acordos de Bretton Woods e estabeleceram o sistema do câmbio flexível em 1973. Portanto, o Programa atual compreende e reflete as condições de fortes turbulências geradas por crises que podem estar anunciando o fim de um ciclo ou mesmo de uma época em nosso país, e que faz parte de uma crise global marcada pela semi-recessão econômica, por constante tensão, insegurança e instabilidade no plano mundial.

A hegemonia ideológica imposta pelo capitalismo contemporâneo vai sofrendo revés com o fim das ilusões neoliberais e o desnudamento dos seus mitos. Os fundamentos do “caminho único” estão abalados – a história teria seu fim com o capitalismo. A onipotência e a onisciência do mercado não existem; suas virtudes divinas não passavam de mera ficção. Têm sido sempre o Estado, o governo e a política que socorrem os mercados por seus desequilíbrios e, sobretudo, por sua lógica capitalista concentradora de riqueza e geradora de assimetria social. Ficou patente nesses últimos anos que os mercados financeiros não podem se auto-regular e estão sujeitos ao que se denomina de “risco sistêmico”. A realidade atual demonstrou que era falsa a idéia de uma “nova economia”. Esta prédica consistia em afirmar o desaparecimento dos ciclos de crise do capitalismo, difundida profusamente desde 1997 em função do crescimento contínuo seguido pela economia norte-americana. A situação atual vem revelando que todas essas assertivas exprimem uma visão ideológica eivada de fatalidade econômica e centrada numa apreciação fundada no determinismo histórico.

O abalo de morte dessas concepções capitalistas, que floresceram após o desaparecimento da União Soviética, vem se sucedendo em virtude da falência das políticas neoliberais, tornando possível a abertura de uma situação alternativa para um novo caminho.

Desse modo, atualmente, o economista Joseph Stiglitz (prêmio Nobel de economia), entre outros, afirma que a existência de “uma única alternativa [ditada pelo FMI] é basicamente uma falácia”. Citando o exemplo da Malásia, da Rússia e principalmente da China, que “seguiu um rumo muito diferente”, conclui que esses países tomaram caminho independente, conseguindo uma melhor situação. E analisando o caso da Argentina, contrariando o senso comum dominante que defende como única solução para o colapso o aporte do dinheiro de fora pela via do FMI, afirma que esse país “não precisa” desse Fundo; simplesmente porque “o dinheiro oficial estrangeiro não é o que vai ajudar as empresas argentinas a começarem a aumentar a produção”, sendo isso o que mais falta a elas agora. Esse dinheiro nem entra no país, “será destinado ao próprio FMI, ao BID ou ao Bird”; os grandes credores e financiadores é que serão ressarcidos.

Programa de mudança verdadeira

Esse cenário mundial e nacional de crises – que geram profundos dilemas de difícil solução, desequilíbrios e crescente instabilidade – vai formando um ambiente no qual prevalece a exigência de mudança e busca de alternativa. O Programa apresentado em 23 de julho tem como linha mestra a mudança. Em pronunciamento nessa data, Luiz Inácio Lula da Silva intitulou o documento programático apresentado como “Programa de Mudança – O povo brasileiro não aceita mais a dependência atual”.

No Brasil a crise atual se manifesta através de grandes impasses de dimensão econômica, social e política, resultante do patamar que atingiu a dependência externa do país. A política neoliberal aplicada desde o começo dos anos 90 produziu maior concentração de capital, riqueza e poder; provocou uma exclusão real dos frutos do desenvolvimento de setores empresariais; passou pelas camadas médias e atingiu em amplitude principalmente as populares – provocando extensa exclusão social de cima a baixo na sociedade brasileira. É interessante notar que o regime prevalecente de elevado nível de taxas de juros reais dissociou o interesse do empresário ou do assalariado, de um lado, e o dos detentores de ativos financeiros, de outro. Para os primeiros o que conta é a taxa de crescimento da economia; para os segundos, é a taxa de juros reais. Em conseqüência desse conjunto de fatores, o anseio por mudança do modelo dominante no Brasil adquiriu dois sentidos: primeiro, assumiu uma atividade cada vez mais proeminente à busca de novo rumo; e, segundo, a continuidade da política oficial progressivamente passou a ser rejeitada por larga maioria da população.

A reestruturação conduzida pela linha monetarista, ultraliberalizante, moldada pela dominação das finanças de mercado, liberalizadas e desregulamentadas, gerou maior concentração de riqueza e poder, impôs o autoritarismo como forma de governo, liquidou a Federação, acabou impondo uma governabilidade que não pode prescindir do aval do FMI e aumentou como nunca a vulnerabilidade externa – mantendo o estancamento da economia que já vinha desde a década de 80. A justa tentativa de integração latino-americana iniciada pelo Mercosul entrou em crise. Cresce a ameaça de neocolonizção por meio da proposta estadunidense da Alca. O impasse brasileiro tomou uma dimensão mais complexa e um sentido de maior gravidade. O Programa de Governo recém-lançado parte desse núcleo da situação objetiva em desenvolvimento para apresentar as soluções.

Dessa forma, o Brasil passou a viver envolto em intricados dilemas econômicos, armadilhas financeiras, vindo a predominar um círculo vicioso perverso para a maioria da nação. Pode-se destacar o aumento da grave deformação econômica, da assimetria social e dos permanentes desequilíbrios financeiros assim resumidos:

1 O regime de acumulação capitalista próprio de país dependente – cujo funcionamento é fortemente dominado pelo nível de endividamento – ganhou maior profundidade no Brasil da década de 1990, por sua relação subordinada ao capital financeiro; pela conseqüente constância de elevação da taxa de juros reais (na média destes três últimos anos a maior taxa de juros reais do mundo e, que, para servir ao montante da dívida pública contraída, são gastos mais de cem bilhões de reais anualmente); e pelos meios de que dispõem os círculos financeiros mundiais, diretamente ou por meio do FMI, para exercerem peso decisivo na condução das políticas econômicas em nosso país;

2 O governo brasileiro se meteu numa armadilha da qual ele próprio não consegue sair, pelo grau dos compromissos assumidos com o “mercado financeiro”, ao transferir para os capitais financeiros detentores da dívida pública – beneficiários de um regime de taxas positivas permanentes de juros reais – parte significativa do produto nacional (40% dos gastos orçamentários e 4% do PIB). Tal situação produziu um efeito cumulativo interno e externo, implicando na absolutização da existência de pesados superávits primários em nome da estabilidade e da austeridade fiscal, fazendo o país se afundar em prolongada semi-recessão;

3 A política de estabilidade monetária constante do plano real, baseada em altas taxas de juros e pesada austeridade orçamentária, afetou inevitavelmente, no sentido desfavorável, as condições de acumulação do capital industrial. Essa orientação forçou elevada pressão deflacionária, provocando uma acelerada reestruturação industrial, mas à custa de elevado índice de desemprego estrutural e intensificação do ritmo do trabalho – gerando um efeito colateral de ampla precarização do emprego e da ampliação da atividade informal como necessidade vital de sobrevivência –, e até mesmo da estagnação de rendimentos não financeiros;

4 A situação em que se manteve a média de larga defasagem entre a taxa de juros real e a taxa de crescimento do PIB nesses últimos oito anos no Brasil (taxa média de crescimento de 2% e taxa média de juros real de mais 12%), é a prova mais eloqüente de que a política atual é insustentável porque a análise econômica elementar mostra que essa configuração é um obstáculo à acumulação do capital e, por conseguinte, do crescimento;

5 A realidade atual acumulou uma situação paradoxal na qual os próprios “mercados”, responsáveis pela crise atual, não têm mais confiança nas políticas desenvolvidas sob seu tacão na década de 90 no Brasil e na América Latina – é o que explica a crescente instabilidade financeira nesse continente e em nosso país. O criador não confia mais na criatura. Eles sabem que a política vigente não tem condições de resolver os imensos déficits públicos, retomar o desenvolvimento e reverter o elevado índice de desemprego.

Em suma, por essa situação exposta se impõe o rompimento com tal modelo. A mudança não é mais uma exigência somente das correntes de esquerda, mas da maioria da sociedade. Em última instância, essa é a conclusão principal exposta pelo Programa, acerca da herança deixada pela reestruturação neoliberal desses últimos anos.

Proposta do novo Programa

Os fundamentos da nova proposta programática apresentada em Brasília estão calcados na solução do impasse brasileiro, agravado sobremodo com a aplicação dessas políticas ultraliberalizantes e no desarme da armadilha de subordinação externa aos círculos financeiros internacionais. Porém, o legado perverso da década de 90, vai indicando o fim de um período histórico – dívidas extremadas, desnacionalização econômica sem precedência, longo período de estagnação e irrompimento de verdadeira guerra social –, que exige mudança de rumo.

O PCdoB afirma desde o seu 10o Congresso que a dimensão histórica da crise brasileira implica em decisões políticas de longo alcance, respaldadas por amplo movimento cívico do povo. Não depende simplesmente de uma saída “técnica” ou especificamente econômica. O desafio maior encontra-se na saída política – ou seja, como conformar um novo pacto político com as forças interessadas na mudança para estabelecer um novo “contrato social”, como denomina o Programa. A reunião de extensas forças políticas, tendo como centro as mais comprometidas com o novo rumo, o apoio em larga base social e principalmente na organização popular e o diálogo com os segmentos representativos da sociedade, constituem a forma necessária à abertura do caminho, tendo em vista a mudança.

O Programa propõe justamente o empreendimento de forte esforço consciente que se traduz numa grande mobilização nacional em favor do crescimento, da produção e da valorização do trabalho, de modo a erguer o Brasil com sua fisionomia própria – bases do novo Programa. Como também esse é o meio e a condição que permite a transição da situação atual de forte restrição externa e interna para a passagem ao novo projeto que supere o impasse, desarme a armadilha financeira que enlaça o país e responda ao anseio da maioria da nação.

No atual estágio político e eleitoral, a candidatura presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva – e a de seu vice, José Alencar –, por sua origem e trajetória, assim como as forças partidárias que o apóiam, por sua posição histórica e atual, é a que está realmente comprometida com a mudança visando ao novo rumo de soberania, democracia e progresso social. Além disso, esse é um núcleo de forças que pode aglutinar setores políticos e personalidades democráticas e patrióticas opositoras ao atual governo, interessados na renovação política e noutro destino para o Brasil.

Quanto ao projeto econômico apresentado pelo Programa ele é nítido e factível. A situação de crise amadureceu-o, justificando mais atualidade à proposta oferecida. Assim, a solução econômica existe e depende da solução política. Diante da falência das políticas neoliberais, as alternativas vão se impondo e se tornando reais. Na superação da fase que podemos denominar de monetarista, neoliberal, a nova ênfase econômica passa necessariamente pela retomada do desenvolvimento, ampliação do mercado interno, edificação de um sistema de crédito doméstico de médio e longo prazo, ampliação da renda dos trabalhadores e diminuição efetiva da vulnerabilidade externa. Basta seguir a realidade recente.

Os exemplos da Ásia, após a crise econômica-financeira dessa região, são elucidativos – a nova ênfase econômica nesses países se voltou para a sustentação do desenvolvimento em função das poupanças domésticas e para a criação e fortalecimento dos seus sistemas de crédito interno.

O Brasil por possuir uma extensão continental e mais de 170 milhões de habitantes, dispor de vastos recursos materiais e humanos, contar com uma economia de porte médio, reúne condições relativamente ainda mais vantajosas para seguir um caminho próprio de desenvolvimento. O país por sua dimensão pode ter uma economia diversificada e auto-suficiente, planejar e desenvolver um projeto nacional, contando com meios para alargamento do seu mercado interno de massas e formação de significativa poupança doméstica, cabendo ao capital estrangeiro um papel complementar.

O centro da solução econômica nas condições atuais do Brasil está na reversão da equação, de sentido autofágico, da dinâmica da economia nesses últimos anos: conjunção de elevadíssimas taxas médias de juros reais com baixas taxas médias de crescimento do PIB. O caminho apontado pelo Programa consiste na combinação do alargamento do mercado interno, investimentos prioritários nos bens de uso popular, infra-estrutura e setores de ponta, com o incremento das exportações e substituição de importações.

Portanto, a premissa é crescer e para tanto é essencial estabelecer novas relações baseadas na soberania nacional e na autonomia da política econômica, com o sistema financeiro internacional, reduzindo drasticamente a dependência ao capital externo e baixando fortemente as elevadas taxas de juros. No quadro da mundialização financeira e em zonas de livre comércio centradas em uma grande potência econômica, impõe-se para o êxito do crescimento das economias nacionais da América Latina a construção de uma liderança ativa do Brasil na América do Sul dirigida no esforço da integração latino-americana, resgate do Mercosul e rejeição da Alca – por esta se constituir numa ameaça de neocolonização e não de integração do continente latino-americano.

Por fim, para o novo governo tornar realidade seu projeto mudancista, ele necessitará percorrer um período de transição, porque estará diante de uma situação herdada cheia de pesadas restrições internas e externas, por acordos internacionais estabelecidos que precisam ser vencidos para se abrir passagem à mudança.

O PCdoB afirma que na transição não cabem medidas voluntaristas, sendo necessário considerar o nível determinado da correlação de forças e empreender o trânsito para o novo projeto considerando a situação concreta. Porém, o nosso ponto de vista firmado é que a frente que constituímos, encabeçada por Lula e Alencar, não deve assumir nenhum compromisso – por mais que haja o terrorismo de forças poderosas pressionando no sentido da continuidade – que seja obstáculo ao curso da mudança. A transição deve ser presidida pela orientação da mudança. Em nossa consideração a transição é necessária, objetivamente, como o meio de se viabilizar a aplicação do novo projeto, e não um fim em si mesma. Seria falso o Programa se esgotar na própria transição.

O Programa de Governo apresentado em julho e o pronunciamento feito por Lula, justificando essa proposta programática, são peças importantes no atual estágio da luta política em nosso país – a luta primordial pela busca de novo rumo para o Brasil.

Renato Rabelo é presidente do Partido Comunista do Brasil, PCdoB. Trechos do Programa da Frente Lula Presidente

Um Brasil para todos: crescimento, emprego e inclusão social

Para mudar o rumo do Brasil será preciso um esforço conjunto e articulado da sociedade e do Estado. Esse é o único caminho para pôr em prática as medidas voltadas ao crescimento econômico, que é fundamental para reduzir as enormes desigualdades existentes em nosso país. A implantação de um modelo de desenvolvimento alternativo, que tem o social por eixo, só poderá ter êxito se acompanhada da democratização do Estado e das relações sociais, da diminuição da dependência externa, assim como de um novo equilíbrio entre União, estados e municípios. Da mesma forma, o estabelecimento de segurança e paz para a cidadania, da plena defesa da integridade territorial e de uma orientação externa que permita a presença soberana do país no mundo, são condições necessárias para a construção de um Brasil decente.
(…)

A imensa tarefa de criar uma alternativa econômica para enfrentar e vencer o desafio histórico da exclusão social exige a presença ativa e a ação reguladora do Estado sobre o mercado, evitando o comportamento predatório de monopólios e oligopólios. O controle social dará também mais transparência e eficácia ao planejamento e à execução das políticas públicas nas áreas de saúde, educação, previdência social, habitação e nos serviços públicos em geral.
(…)

Política externa para integração regional e negociação global
A política externa será um meio fundamental para que o governo implante um projeto de desenvolvimento nacional alternativo, procurando superar a vulnerabilidade do país diante da instabilidade dos mercados financeiros globais. Nos marcos de um comércio internacional que também vem sofrendo restrições em face do crescente protecionismo, a política externa será indispensável para garantir a presença soberana do Brasil no mundo.
(…)

[Sim ao Mercosul, não à Alca]

A política de regionalização, que terá na reconstrução do Mercosul elemento decisivo, é plenamente compatível com nosso projeto de desenvolvimento nacional. A partir da busca de complementaridade na região, a política externa deverá mostrar que os interesses nacionais do Brasil, assim como de seus vizinhos, podem convergir no âmbito regional. De imediato, nosso governo desenvolverá ações de solidariedade para com a Argentina, que permitam a este país irmão superar suas dificuldades atuais e contribuir para uma aliança latino-americana consistente.

Essa política em relação aos países vizinhos é fundamental para fazer frente ao tema da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). O governo brasileiro não poderá assinar o acordo da Alca se persistirem as medidas protecionistas extra-alfandegárias, impostas há muitos anos pelos Estados Unidos. Essas medidas foram agravadas recentemente pelas condições definidas no Senado norte-americano para a assinatura do tratado e pela proteção à agricultura dos Estados Unidos. A política de livre comércio, inviabilizada pelo governo norte-americano com todas essas decisões, é sempre problemática quando envolve países que têm Produto Interno Bruto (PIB) muito diferentes e desníveis imensos de produtividade industrial, como ocorre hoje nas relações dos Estados Unidos com os demais países da América Latina, inclusive o Brasil. A persistirem essas condições a Alca não será um acordo de livre comércio, mas um processo de anexação econômica do Continente, com gravíssimas conseqüências para a estrutura produtiva de nossos países, especialmente para o Brasil, que tem uma economia mais complexa. Processos de integração regional exigem mecanismos de compensação que permitam às economias menos estruturadas poder tirar proveito do livre comércio, e não sucumbir com sua adoção. As negociações da Alca não serão conduzidas em um clima de debate ideológico, mas levarão em conta essencialmente o interesse nacional do Brasil. Nosso governo se esforçará para construir um relacionamento sadio e equilibrado com os Estados Unidos, país com o qual mantemos importante relação comercial. Além disso, o Brasil deverá propor aos países do Continente relações fundadas no equilíbrio, na cooperação e em mecanismos compensatórios que favoreçam um desenvolvimento harmônico.
(…)

O desafio é ter uma economia menos vulnerável

A questão chave para o país é voltar a crescer com equilíbrio em todos os ramos de atividade, na agricultura, na indústria, no comércio e nos serviços. A volta do crescimento é o remédio para impedir que se estabeleça um círculo vicioso entre juros altos, instabilidade cambial e aumento da dívida pública em proporção ao PIB. O atual governo estabeleceu um equilíbrio fiscal precário, criando dificuldades para a retomada do desenvolvimento. O resultado é que a âncora fiscal que procura evitar o crescimento acelerado da dívida pública interna, pela via dos superávits primários, exige um esforço enorme de todos os brasileiros, afetando especialmente a viabilidade dos programas sociais do poder público. A âncora fiscal, ao ter como um de seus fundamentos uma carga tributária amplamente baseada em impostos cumulativos, acaba tendo um efeito limitador da atividade econômica e das exportações. Entretanto, esta é, do ponto de vista objetivo, a realidade que o futuro governo vai herdar e que não poderá reverter num passe de mágica. O problema de fundo é que o atual governo colocou o Brasil num impasse financeiro, que nos obriga, com freqüência, a contrair empréstimos novos para pagar empréstimos velhos. A superação desses obstáculos à retomada do crescimento acontecerá por meio de uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica.
(…)

[Crescimento econômico]
A rigidez da atual política econômica pode provocar a perda de rumo e de credibilidade. O Brasil já demonstrou, historicamente, uma vocação para crescer em torno de 7% ao ano. É essa vocação que o nosso governo vai resgatar, trabalhando dia e noite para que o País transite da âncora fiscal para o motor do desenvolvimento. O Brasil precisa navegar no mar aberto do crescimento. Ou será que estamos proibidos de buscar o porto seguro da prosperidade econômica e social?

Sem crescimento dificilmente estaremos imunes à espiral viciosa do desemprego crescente, do
desarranjo fiscal, de déficits externos e da incapacidade de honrar os compromissos internos e internacionais. O primeiro passo para crescer é reduzir a atual fragilidade externa. O Brasil precisa de cerca de US$ 1 bilhão por semana para fechar suas contas e até que um novo rumo seja estabelecido para a economia teremos de administrar a herança da equivocada política cambial e de abertura desordenada dos anos 90. Para combater essa fragilidade, nosso governo vai montar um sistema combinado de crédito e de políticas industriais e tributárias. O objetivo é viabilizar o incremento das exportações, a substituição competitiva de importações e a melhoria da infra-estrutura.
(…)

Mobilização pela produção e pelo emprego
A globalização não pode ser entendida como um milagroso atalho para o desenvolvimento. Os exemplos de políticas bem-sucedidas foram marcados pela combinação de práticas internacionais com inovações nacionais. Nosso governo pretende construir estratégias próprias de crescimento do País, articulando investidores, trabalhadores e instituições nacionais com esse objetivo. Há muito tempo o Brasil precisa desse esforço consciente, de modo a erguer-se com sua própria fisionomia no mundo global. Havia condições para essa grande mobilização nacional nos últimos oito anos? Claro que sim. Mas, infelizmente, as políticas escolhidas foram outras. Ao contrário do que foi feito, nosso governo buscará mobilizar a sociedade em favor do crescimento, aproveitando toda a capacidade técnica, empreendedora e criadora do povo. É uma tarefa difícil, mas se a sociedade for ouvida e os consensos facilitados, o País poderá viver um novo ciclo virtuoso de crescimento, em que milhões de brasileiros marginalizados socialmente serão trazidos para o mercado de trabalho e terão acesso ao consumo de bens de primeira necessidade. Desenvolver a economia solidária, combatendo a fome e a indigência, promover os pequenos negócios e as cooperativas, apoiar as micros e pequenas empresas, juntamente com as iniciativas para aumentar a competitividade internacional, são caminhos viáveis para que o Brasil possa dar um salto de qualidade. A ampliação do nosso mercado interno e a geração de emprego e renda são passos fundamentais para a construção de uma Nação que seja respeitada no cenário internacional.
(…)

[Sistema produtivo]
Alguns dos maiores erros do atual governo foram a supervalorização das políticas macroeconômicas voltadas para a estabilização da moeda a qualquer custo, a abertura econômica desordenada e a remuneração privilegiada do capital financeiro, em detrimento de políticas voltadas para o desenvolvimento e a remuneração adequada do capital produtivo. Estabilidade macroeconômica é indispensável, é ponto de partida, mas não é suficiente. Não é o que faz a riqueza do País. A mola propulsora da nação é o seu sistema produtivo, são os trabalhadores bem capacitados e em constante progresso; é uma população com escolaridade cada vez maior; são os empreendedores dispostos a assumir riscos; são os seus cientistas e pesquisadores; são os profissionais que formam o corpo técnico e gerencial capaz de aplicar as melhores práticas na iniciativa privada e no setor público.
(…)

O social como eixo do desenvolvimento

No atual estágio do país, as prioridades relativas à dimensão social do desenvolvimento são as seguintes: a) ampliação do nível de emprego, para prover ocupação aos que ingressam no mercado de trabalho, reduzir o desemprego e combater a precariedade do emprego; b) melhoria no perfil de distribuição de renda, sobretudo por meio do aumento do salário mínimo e de uma tributação não regressiva; c) crescente universalização da moradia própria, dos serviços urbanos essenciais (saneamento e transporte coletivo) e de direitos sociais básicos (saúde, educação, previdência e proteção do emprego); d) combate à fome e à pobreza absoluta, com assistência social aos excluídos.
(…)

O aumento do desemprego e a precarização do emprego, a estagnação dos níveis de renda e a continuidade de sua má distribuição, o aumento da concentração da propriedade e o encarecimento dos serviços públicos essenciais caracterizam a situação de exclusão social produzida pelas políticas liberais que urge corrigir. O sentido geral do nosso programa é diminuir esses grandes desequilíbrios, convertendo o social no eixo do novo modelo de desenvolvimento. (…)

EDIÇÃO 66, AGO/SET/OUT, 2002, PÁGINAS 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13