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    Comunicação

    Fêmea e Castigo

    Em procissão, dez cães. No agreste, uma cadela no cio. De prazer e cansaço, um palmo de língua para fora dos lábios. Nas ruas, ninguém, exceto um jumento. Louca de languidez, julgava, assim, apenas ela e os machos. Dominada por uma paixão tamanha, entregava-se a planejar meios de atrelar-se àquele de cabelos castanhos e olhos […]

    POR: Redação

    2 min de leitura

    Em procissão, dez cães.
    No agreste,
    uma cadela no cio.
    De prazer e cansaço,
    um palmo de língua
    para fora dos lábios.
    Nas ruas, ninguém,
    exceto um jumento.
    Louca de languidez,
    julgava, assim,
    apenas ela e os machos.
    Dominada por uma paixão tamanha,
    entregava-se a planejar meios
    de atrelar-se
    àquele de cabelos castanhos
    e olhos claros.

    Enquanto assim refletia,
    curumins açulados
    pelo padre, pelas beatas
    marcharam para persegui-la.

    Às primeiras pedras,
    fugiram os machos.
    Exausta de saciá-los,
    faltava-lhe forças à fuga.

    Implacável a caçada.
    Quando cruzaram o açude,
    ela, sedenta, inclinou o
    l
    o
    n
    g
    o
    pescoço
    e os pêlos eriçaram
    e a garganta ainda orvalhou-se.
    E veio uma avalanche de pedras
    e a mão esquerda
    e as mamas
    e o focinho sangravam.
    E os seus lindos olhos azuis
    indagavam
    o porquê daquela determinação
    animalesca de assassiná-la.

    Ela reuniu o que lhe restava
    e com unhas, patas, caninos,
    uivos e lábios
    conseguiu amedrontá-los.

    Mas os donos das bodegas
    haviam fixado como recompensa
    enormes pedaços de rapadura.
    Aos moleques,
    o vigário e as beatas
    haviam prometido o Céu.
    Então, o bando agia
    com a ferocidade
    de uma cavalaria das Cruzadas.
    Vontade fêmea,
    lasciva,
    de viver.
    Correu, correu,
    ainda mais correu;
    andou, andou,
    andou o quanto pôde.
    Arrastando-se,
    ocultou-se
    debaixo da ponte de um rio seco.

    O bando em chacina
    e algazarra
    – incessantemente –
    uma pedra
    mais outra
    mais outra
    mais outra
    mais outra
    muitas outras
    uma outra mais
    até
    o estouro
    do
    crânio.

    Verbos do Amor & Outros Versos – Adalberto Monteiro
    Goiânia – 1997

     Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).

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