Então, lá estava eu, nu e com um buquê de flores diante dela. Furiosa, de olhar fixo para meu entrecoxas, ela gritava em sua cólera de virgem:

      – Senhor Oliveira! O que o senhor pensa que é isto aqui?

      Durante muito tempo eu mantive um namoro à distância com uma gracinha que estudava num colégio interno de freiras. Era um tipo de amor platônico, que só existe em romances e filmes antigos: eu passava em frente ao colégio e a olhava; ela me dava um tímido sorriso; eu jogava um beijinho e saia furtivo encostado ao muro.

      Tinha 17 anos e nunca havia tocado em mulher. Mas, como todas as pessoas que fazem de um desejo o sentido de sua vida, resolvi fazer, de meu tesão e da intensa vontade de me livrar da maldita pecha de virgem, a pedra fundamental de minha existência, o projeto maior de minha vida. Fiz daquele sorriso a certeza de que um dia meus anseios seriam concretizados e eu, livre de minha "imperfeição".

      Acontece que todo o colégio de freiras tem uma Madre Superiora. E a Madre Superiora do colégio em tela era uma destas freiras ortodoxas, conservadoras, duras, sérias. Acreditava – e acreditem, pois isto é a mais pura verdade – que rir era crime contra os mandamentos. E tinha, claro, uma verruga na ponta do nariz. Que, diga-se de passagem, não era qualquer nariz, não: era um senhor nariz; algo fenomenal, impressionante. Para você ter uma idéia, meu amigo, quando ela falava com alguém, a pessoa tinha a prudência de ficar a alguns passos de distância, temerosa de, por algum descuido, perder um olho.

      Logo se vê que tive que começar a arquitetar planos que me deixassem cara a cara com o crime, digo, com a menina. Para início de conversa, eu precisava deixar claro que os sorrisos dela não eram em vão e também me convencer de que meus tropeções não eram por nada. Bolei um plano para me aproximar. Comecei a anotar os horários em que ela saia do convento para passeios, que não eram muitos, e para a compra de coisas que faltavam. Mesmo ela nunca saindo só, consegui me aproximar. Passando-me por feirante lhe entreguei um pequeno bilhete. Ela, mais atirada do que eu, um pobre virgem, disse na hora:

      – Gosto de você.

      Aquilo para mim foi como um vulcão que, de uma hora para outra, entra em erupção. Tive a certeza, daquele dia em diante, que podia tudo. Estava o tempo todo com aquela garota em meus pensamentos. Era em todo lugar, no banheiro, no quarto, no banheiro da escola. Não agüentava mais; já estava magro e amarelo.

      Várias coisas fiz para conseguir pelo menos tocar nela, para dar-lhe um beijo que fosse, um beijinho. Uma vez, tentei escalar o muro do convento. Mas, você sabe, homem não é aranha e a queda foi feia – sobretudo pra mim, que fui quem a sentiu. Meus amigos, que me ajudavam, acharam-na, a queda, linda. O certo, ou errado, é que fiquei com dores que, até hoje, quando chove, ainda sinto.

      Os dias se passaram e nada de um encontro. Esperei. E enquanto isto não acontecia, fui utilizando a criatividade nos cantos mais reservados possíveis. Um dia, quando a freira deu uma relaxada, consegui lhe atirar um pequeno pedaço de papel onde dizia: "Não dá mais para esperar, deixe o portão só encostado. A porta do seu quarto também. Hoje estarei lá".

      Ela deu um sorrisinho travesso de menina experiente. Devolveu o bilhete com o número 666 grafado no verso. Exultei. Como um autêntico garoto de 17 anos, fui com toda vontade do mundo, pronto a dar cabo daquele assuntinho.

      As coisas estavam como eu havia planejado: portão e porta abertos. Quando entrei, percebi que ela estava no banheiro do quarto; sobre a cama, sua camisola; em minha mão, um boquê de flores; na cabeça, mil fantasias e a euforia da primeira vez.

      A maçaneta moveu-se. "Ela já está nuazinha", pensei. Tirei minha roupa, coloquei o buquê na frente do rosto e me preparei para a grande surpresa.

      Depois do grito, baixei lentamente o buquê. Vi, primeiro a verruga, depois o nariz e por fim toda a plantação de celulite que era a Madre Superiora. O buquê e tudo o mais murcharam bruscamente.

      Apavorado e envergonhado, só me restou uma alternativa: sair correndo, adâmico, nu, por aquele convento.

      Como diabo avesso à cruz, nunca mais passei perto daqueles muros. Abandonei o emprego. Nem sequer quis receber pelos dias trabalhados.

      Hoje, revirando lembranças na gaveta, reecontrei o maldito bilhete. Grafado no verso, li: 999.