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    Comunicação

    Crianças e vizinha

          Antes de começar, gostaria de pedir que me perdoem os muitos amantes de crianças, aqueles que, quando vêem um daqueles picorruxos, fica todo manhoso e falando como se fosse mais criança do que a criança a sua frente. Perdoem-me, mas eu não suporto crianças. Quando uma chega do meu lado eu fico todo me […]

          Antes de começar, gostaria de pedir que me perdoem os muitos amantes de crianças, aqueles que, quando vêem um daqueles picorruxos, fica todo manhoso e falando como se fosse mais criança do que a criança a sua frente. Perdoem-me, mas eu não suporto crianças. Quando uma chega do meu lado eu fico todo me caçando, crescem umas bolhas no meu corpo e minha paciência vai logo por água abaixo.
    Porém, maior do que minha repugna por crianças, é o meu amor pelas mulheres. Não posso ver um par de seios que uma coisa cresce em mim, volto à época das cavernas, minha boca fica mole, começo a babar, meus braços caem, meus olhos ficam como os de um peixe morto e minhas pernas se curvam como as de um primata.

          Eu era o próprio primata quando a minha vizinha, uma deusa africana, veio conversar comigo. Toda dengosa e ciente de que eu estava derretido por ela, me disse:

          – Senhor Natalino, o Júnior vai fazer aniversário e minha casa está em reformas. Você não me cederia sua casa para eu fazer o aniversário do Júnior, cederia? É que eu pensei assim: “Seu Natalino vive sozinho, então não teria problema em receber algumas crianças uma vez na vida para uma pequena festinha”. O que o senhor acha?

          Ela é realmente linda, tudo em harmonia, pernas, coxas, bunda, barriguinha, peitos, e que peitos, pescoço e rostinho, que rostinho.

          – Então seu Natalino?

          – Ããã? Então? Então o que?

          – Posso fazer o aniversário do Júnior na sua casa?

          – Na minha casa? Claro! Adoro crianças.

          – Ah! Tem mais seu Natalino. Depois da festa vou precisar sair correndo. Vou passar o feriado na casa da minha mãe. O senhor não se incomodaria de limpar tudo, se incomodaria?

          E eu, ainda hipnotizado:

          – Não incomodaria, não.

          E chegou o dia do aniversário, um batalhão de diabinhos invadiu minha casa. Tive que esconder todos meus livros, meus vasos e colocar para o alto todos os objetos mais delicados.

          – Não! Desça daí garoto. Dona Lurdinha, aquele guri está subindo na estante. A senhora poderia algemá-lo no sofá, digo, tirá-lo de lá.

          E eu que achei que ficaria sozinho com a dona Lurdinha. Ela mal me olhou perdida em meio a tantas crianças.

          – Hei garoto! Tira o dedo do nariz. Não! Não limpa o dedo no sofá. Nem na sua amiguinha.

          – Seu Natalino. Por favor, traga-me aquele refrigerante.

          – Ah tá!

          Quando me movi, ouvi o grito da Lurdinha.

          – Seu Natalino não baixe o pé.

          Quando olhei para baixo de meu pé tinha um garotinho olhando para cima. Quase eu esmagava o pequeno.

          Acabou a festa. Foi como um sinal de escola. Todos saíram de uma só vez. Inclusive dona Lurdinha, infelizmente. De qualquer forma foi melhor assim. A paz, enfim, reinou em minha casa. Bagunçada, mas tranqüila.

          Um barulho no armário, não tenho gato, nem cachorro. O que pode ser? Vou ver.

          Com muito cuidado abri as duas portinhas do armário.

          – Aaaaaahhhhh!

          Gritamos juntos. Eu por ver um garotinho de cabelos vermelhos e a cara toda branca de bolo, dentro do armário e ele, por ver um velho barrigudo e com o cabelo todo branco pelo tempo.

          – O que você está fazendo aqui?

          – Esta é a minha casa. E você?

          – Estou comendo bolo.

          – Está na cara. Onde estão seus pais?

          – Não sei. E os seus?

          – Não interessam os meus. Não sou eu que estou perdido.

          – Nem eu.

          – Saia de dentro do armário!

          Depois do susto comecei a procurar saídas para aquela situação. Com certeza algum pai havia esquecido aquela pestinha ali, ou deixou de propósito, vá saber.

          Corri até a casa da dona Lurdinha, ela com certeza sabe a quem pertence aquilo. Cheguei à porta da vizinha e, só lá, lembrei que ela tinha viajado. Era sábado à tarde e o feriado ia até terça-feira. O que vou fazer? Estou perdido. Voltei para casa.

          Gritei:

          – Desce desta estante guri!

          E mais calmo:

          – Ah! Então você é o macaquinho que fica subindo nos móveis.

          – Huuummm!

          – Não dá língua garoto. Nunca te falaram sobre convivências, sociedade, comunidades, educação? Por que você faz questão de subir em estantes?

          – Está lá.

          – O que está lá?

          Fui ver. Era um pequeno bilhete. Comecei a ler e caí na cadeira mais próxima que achei. Dizia o bilhete:

          “Tio, a casa estava cheia e você muito ocupado com a Lurdinha. Achei melhor não lhe incomodar, por isso deixei este bilhete. Peço-lhe que cuide do Zequinha (olhei para o garoto e reconheci nele meu sobrinho-neto, estava em cima da mesa) enquanto eu e o Paulo vamos para o Rio a trabalho neste feriadão. Quando voltarmos lhe traremos um presentinho. Beijos, Clara”.

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