Neste ano, 2003, o Brasil e a Argentina reanimam suas esperanças em sair da crise econômica e social. Brasileiros e argentinos contam com a possibilidade de novos rumos de desenvolvimento e integração da América do Sul, a partir dos governos Lula e Kirchner, enquanto no México o eleitorado acaba de se pronunciar reduzindo a força política do governo Fox. Os atuais governantes mexicanos substituíram o PRI (Partido Revolucionário Internacional), mas mantiveram a política neoliberal e de submissão aos interesses dos monopólios norte-americanos. Então, o que podemos aprender das lições da experiência do neoliberalismo nos três principais países da América Latina? Nas novas conjunturas políticas brasileira e argentina, há que se levar em conta a história dos fracassos das idéias e políticas neoliberais na década de 1990, a fim de se ter clareza sobre o conteúdo do novo modelo nacional-desenvolvimentista, democrático e social.

O México, a Argentina e o Brasil desenvolveram uma trajetória econômica na década de 1990 em que se destacam as reformas estruturais, as políticas de estabilização monetária e as crises cambiais e financeiras. Neste movimento, o sistema de gestão política tem sido objeto de importantes transformações (FIORI, 1999, p. 11-85). A soberania desses Estados sofreu importantes restrições advindas do processo de globalização do capital e da hegemonia do neoliberalismo (CANO, 2000, p. 11-79). As crises financeiras e cambiais, confirmando e explicitando a vulnerabilidade externa, desfizeram a ilusão da globalização neoliberal em termos de um renascimento econômico da América Latina, sob a direção conservadora.

Sistema em crise

O sistema capitalista – depois de mais de um quarto de século de forte expansão econômica – perde dinamismo e passa a sofrer pressões estagnantes, desde os anos 1970. A partir daí, são empreendidas contínuas reestruturações, apelo às novas tecnologias, movimentos de centralização do capital. No novo quadro internacional, com a desaceleração do crescimento, as crises têm sido exportadas para a maioria dos países subdesenvolvidos.

Há uma contração tendencial do sistema capitalista. Desde 1974, ocorre um declínio contínuo da poupança e do investimento nos países da OCDE (CHESNAIS, 1999, p. 262). O Japão, segunda maior economia do mundo, mantém-se estagnado na década de 1990. Desde 2001, ocorre uma recessão sincronizada na tríade Estados Unidos, Japão e Europa.

O capitalismo monopolista manifesta uma tendência ao excesso de capital, associado à concorrência entre corporações gigantes, gerando-se capacidade produtiva ociosa. A elevação da produtividade do trabalho, em certos segmentos, não tem conseguido estimular a demanda, servindo à expansão econômica. Nos Estados Unidos, os ganhos de produtividade, entre 1980 e 2000, não resultaram em queda dos preços nem elevaram os salários, sendo apropriados quase exclusivamente pelo capital. O processo de globalização, entre 1980 e 1989, resultou em taxas nulas de crescimento do rendimento per capita nos países em desenvolvimento, enquanto os países membros da OCDE obtiveram 1,8% de expansão deste rendimento (Monthly Review, 2002).

O capitalismo contemporâneo é marcado por particular instabilidade financeira permanente, desde o colapso do sistema monetário de Bretton Woods; o regime de flutuação cambial; a liberalização dos mercados financeiros; e a norma de altas taxas de juros reais positivas. As finanças especulativas mundializadas deflagram abalos ou crises freqüentes às economias liberalizadas, abertas, mais vulneráveis e dependentes, como México, Brasil e Argentina.

A vulnerabilidade financeira sistêmica decorre da hipertrofia da esfera financeira, do crescimento lento da economia e do processo de liberalização (CHESNAIS, 1998, p. 262-3). Nunca antes o capital financeiro foi tão concentrado e centralizado como hoje. A oligarquia financeira internacional dispõe de imenso poder, algo que não se via desde os anos 1920 (Ibidem, 1998, p. 7-8).

Reafirmação imperialista

Há uma ordem internacional unipolar, expressa pela hegemonia política e militar dos Estados Unidos. Os Estados Unidos controlam as decisões do FMI e do Banco Mundial (HOBSBAWN, 1995, p. 556). A União Européia nunca votou em bloco contrapondo-se aos Estados Unidos no interior do FMI (BORÓN, 2002). Nestas novas condições, volta ao debate político e acadêmico o conceito de imperialismo, apesar de tergiversações como a tese do império de Hardt e Negri.

A soberania dos Estados periféricos tem sido fortemente comprometida, sobretudo na vigência da combinação de neoliberalismo e crise econômica. O Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, os Estados do G-7 e as grandes corporações empresariais detêm o poder de decisão sobre as questões políticas e econômicas no mundo, à revelia de qualquer legitimação democrática ou procedimentos consultivos multilaterais (Ibidem). A ONU teve sua capacidade de decisão esvaziada.

O FMI e a Secretaria do Tesouro do governo dos Estados Unidos interferem diretamente, como as vozes decisivas, na definição do conteúdo das políticas e medidas econômicas dos países periféricos. As intervenções de ajuda externa, comandadas pelo FMI, são um meio importante para a imposição do receituário recessivo e da liberalização dos mercados sobre os freqüentes e crescentes casos de países em crise nas suas contas externas.

Os países em desenvolvimento, inclusive os da América Latina, vivem sob a dupla pressão político-econômica de Washington e ideológica de um consenso intelectual que carece de realismo tanto histórico como social (HOBSBAWN, 1999, p. 13).

Em 1989, as pressões para impor o modelo neoliberal aos países latino-americanos foram consolidadas como uma orientação geral e formal denominada Consenso de Washington. Trata-se, em “um conjunto abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de forma cada vez mais padronizada aos diversos países e regiões do mundo, para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes” (TAVARES; FIORI, 1993, p. 18).

As mudanças no quadro internacional têm representado um retrocesso para os países periféricos nos últimos vinte anos. Basta recordar que a ONU lançou em 1975 um programa para reduzir as desigualdades entre Norte e Sul, propondo uma Nova Ordem Econômica Internacional. Mas isso foi frustrado pela ascensão do neoliberalismo, pela crise da dívida e pelos programas de ajustamento estrutural impostos pelo FMI e Banco Mundial (SANTOS, 1999, p. 293).

Estagnação e introdução do neoliberalismo

Historicamente, as condições internacionais decorrentes da grande depressão dos anos 1930 e da II Guerra Mundial apresentaram à América Latina as exigências decisivas de transformações nas funções do Estado e na estrutura econômica, a partir do processo de industrialização. Assim, de 1950 a 1967, o produto bruto da região passou de cerca de 40 bilhões de dólares para mais de 120 bilhões de dólares, com forte influência do “comportamento das três economias maiores – Brasil, México e Argentina – que em conjunto contribuem com mais de duas terças partes do produto regional” (FURTADO, 1985, p. 209-210).

Mas, a marcha do crescimento econômico é interrompida nos anos 1980, na América Latina. A década seguinte conhece o experimento do modelo neoliberal. Com relação à implementação deste modelo, a Cepal quantifica, através de índices, as reformas estruturais em países da América Latina e do Caribe, na década de 1990. São mensuradas a reforma financeira, a liberalização da conta de capital, a reforma comercial, a reforma fiscal e as privatizações (CEPAL, 2002, p. 49).

História, política e economia mostram que a inauguração do neoliberalismo requereu inicialmente na América Latina a presença de fatores combinados de crise econômica, ditaduras militares ou tradicional conservadorismo no poder e reafirmação da hegemonia norte-americana no mundo. O Chile foi pioneiro na adoção do neoliberalismo. Nos anos 1970, a ditadura liderada pelo general Pinochet, lançava-se ao desmonte da herança das iniciativas e tentativas de sentido estatista do governo Allende. Em seguida, Uruguai e Argentina passam a adotar o receituário ortodoxo. Apesar dos fracassos neoliberais, no início dos anos 1980, nesses três países acima mencionados, o México inicia sua guinada para o liberalismo econômico a partir de 1982.

Nos anos 1980 instalaram-se “sistemas de governo caracterizados pelo funcionamento formal de instituições democráticas” em países latino-americanos (BEINSTEIN, 2001, p. 29). Estagnação, inflação, dívida externa, a chamada crise do Estado, desemprego e agravamento da pobreza compõem as condições econômicas e sociais gerais para que, sem regimes abertamente autoritários, algumas nações latino-americanas, como México, Brasil e Argentina, encaminhem-se para a aceitação das imposições das políticas neoliberais. Costilla (2002, p. 27) denuncia a contra-reforma política do Estado na América Latina: A refundação dos Estados tem sido obra do poder e tem contado com a anuência e inclusão de novas frações transnacionalizadas do capital. As novas elites políticas, em sua maioria conformadas por tecnocratas triunfantes por sua capacidade para obter recursos dos organismos financeiros internacionais, se têm apoiado em uma lógica econômica neoliberal para implementar um programa de mudanças que a população e os próprios partidos políticos dos distintos países da América Latina normalmente não tem discutido e aprovado publicamente.

A Argentina e o Brasil venceram suas ditaduras militares, enquanto o México – um caso diferente – persistia governado pelo PRI, que recorre às farsas eleitorais periódicas.
Em 1982, elege-se Miguel de la Madrid, como presidente mexicano, para um mandato de seis anos, representando a chamada ala dos modernizadores do PRI, contra os “dinossauros”, levando adiante um programa de austeridade neoliberal, cortando gastos públicos e promovendo privatizações de empresas. Em 1988, Carlos Salinas de Gortari assume a Presidência, depois de eleições denunciadas como fraudulentas, realizando um governo de aprofundamento das reformas e dos laços com os Estados Unidos. O Nafta tem seu primeiro ano de vigência no último ano do mandato de Salinas.

Em 1989, em posse antecipada, em razão da crise econômica, Carlos Menem chega ao poder na Argentina. Fernando Collor de Mello é empossado no governo brasileiro em 1990. México, Argentina e Brasil, em momentos e com processos diferentes, levaram a efeito uma profunda desestatização. Dentre os chamados novos países industrializados, são eles os que mais privatizaram empresas públicas, em um prazo curto, no mundo. A justificativa do combate à elevadíssima inflação, que já exasperava a população, serviu como o principal meio para a implementação da estratégia neoliberal na Argentina e no Brasil (FILGUEIRAS, 2000). Depois de várias tentativas de planos de estabilização, a Argentina edita o Plano Cavallo, em 1991, e o Brasil, o Plano Real, em 1994.

O neoliberalismo encontrou mais resistência inicial no Brasil. Isto se associa ao fato de o nosso país ter sido o que mais avançou em industrialização na América Latina. Paradoxalmente, na década de 1980, perdida para a economia, cresceu a mobilização e a organização populares no Brasil. Construiu-se uma correlação de forças que não era tão adversa aos trabalhadores. Isso se refletiu na grande expressão da esquerda nas primeiras eleições presidenciais em 1989. A base produtiva, a Constituição de 1988 e os movimentos sociais organizados são os principais fatores diversos que explicam por que no Brasil o neoliberalismo tinha de ser tardio.

Logo após a implementação do ajuste neoliberal, México, Argentina e Brasil experimentaram certo crescimento econômico provisório. O México destacava-se como modelo de sucesso do neoliberalismo na América Latina, passando, inclusive, a integrar a OCDE.

Crises cambiais e financeiras

No México, a abertura à especulação financeira, no marco das reformas neoliberais, permitiu uma significativa entrada de fluxos de capitais de curto prazo. Em 1994, a reversão desses fluxos, a partir do grande déficit nas transações correntes e das elevações seguidas da taxa de juros nos Estados Unidos, precipitou o México à crise. Surge um cenário de grande desastre: fuga de capitais, desemprego em massa, falências de empresas e bancos, ruína de governos estaduais. Mais do que uma moeda, entrara em colapso um modelo econômico (GRAY, 1999, p. 35).

A crise cambial e financeira do México repercutiu na Argentina e no Brasil. Em 1995, o PIB per capita declinou 1,5% na América Latina. A partir daí, amplia-se a vulnerabilidade externa da região (BEINSTEIN, 2001, p. 20). A crise da Argentina, a partir de 1999, culmina no fracasso do neoliberalismo na América Latina.

O rápido e gigantesco “pacote” de empréstimo de US$ 50 bilhões, organizado pelo governo Clinton, foi motivado pelos seguintes fatores, conforme GRAY (1999, p. 63-65): evitar que o “efeito tequila”, com a queda das bolsas, alcançasse outras regiões, além da América Latina; assegurar os capitais norte-americanos aplicados nos mercados financeiros mexicanos; impedir que o agravamento da instabilidade política e a crise social no México inviabilizassem o Nafta, além de explodir uma forte onda de imigrantes para os Estados Unidos; e, principalmente, salvar “a vitrine da reforma neoliberal do mercado”.

O Brasil, após o Plano Real, deparou-se com abalos cambiais e financeiros seguidos: início de 1995, último trimestre de 1997, segundo semestre de 1998, janeiro-março de 1999, abril-outubro de 2001, e o ano de 2002, a partir de maio. Segundo François Chesnais (1998, p. 10) em abril de 1988, as privatizações e a atitude favorável do governo brasileiro ao capital financeiro conseguiam (ainda, naquele momento) reter relativamente no Brasil capitais externos. O Brasil fez o acordo de novembro de 1998 com o FMI, que organizou um empréstimo de US$ 41,5 bilhões; em 2001, o país obteve novo empréstimo de US$ 15 bilhões; e em 2002, o governo Fernando Henrique obtém US$ 30 bilhões, em novo acordo com o FMI.

A Argentina, no Plano Cavallo, em 1991, institucionalizou o currency board (diretoria de moeda da experiência de algumas colônias inglesas), com uma emenda constitucional, fixando a paridade peso-dólar e sua conversibilidade. O regime de currency board significa a renúncia da soberania do Estado sobre a sua moeda. Nestas condições, há um certo imobilismo do Banco Central em face de crises cambiais e bancárias, além da necessidade da decisão sobre a socialização das perdas, em decorrência de uma intervenção governamental para socorrer o sistema financeiro (CARVALHO, 2002, p. 21).

A reversão dos fluxos de capitais externos para a Argentina, em 1995, quase quebra o sistema bancário, levando o país a obter empréstimos internacionais de US$ 8 bilhões, sob o comando do FMI, para destinar fundos aos bancos, inclusive garantindo recursos para os depósitos (EICHENGREEN, 2000, p. 239-240).

As dificuldades econômicas da Argentina voltaram a emergir, com mais força, a partir da desvalorização do real, no Brasil, em janeiro de 1999, agregando mais um fator de complicação para sua balança comercial. Então, desde 1999, a Argentina afunda na recessão, desemprego, pobreza e miséria. A fuga de capitais, a corrida aos depósitos bancários, o fim da conversibilidade, a pesificação, o impasse sobre a liberação dos depósitos e sobre a retomada da atividade do sistema bancário compõem a seqüência dos fatos econômicos do final de 2001 e durante 2002. A pesificação, conversão das transações dolarizadas em pesos, significou alívio para as dívidas em dólar, mas, por isso mesmo, em contrapartida, desvalorização dos haveres financeiros.

Os problemas na Argentina ultrapassam os marcos monetário e cambial. Em primeiro lugar, cabe caracterizar a crise argentina como algo mais amplo. Ali houve um certo colapso mais geral: econômico, financeiro, político, institucional e social. Apareceu uma crise de hegemonia, impasse político. Mas as forças nitidamente de esquerda, a despeito até dos protestos antiimperialistas, não conseguiram apresentar-se com um programa unitário e global e como uma alternativa concreta de direção política nacional. Apesar disso, a partir da eleição presidencial em 2002, os argentinos tentam forjar uma perspectiva de reconstrução nacional, em torno de um novo consenso desenvolvimentista e de um novo governo, sob a liderança do presidente Nestor Kirchner.

Integração regional

Afastou-se o perigo de que a crise induzisse a políticas de retorno ao atrelamento automático da Argentina perante os Estados Unidos, como no tempo de Menem e Cavallo, em prejuízo da construção do Mercosul. Este esforço de integração tem caráter estratégico nos planos econômico e geopolítico para o Brasil e a região, sobretudo diante das pressões norte-americanas para imposição da Alca. Sintomaticamente, o FMI, no caso da Argentina, recusa-se a ofertar novos créditos e exige o pagamento imediato dos seus empréstimos já vencidos, durante os anos 2001 e 2002, somente cedendo e aceitando um acordo de “rolagem” da sua dívida em janeiro de 2003.

Em 2002, o Brasil ofereceu certos e limitados apoios à Argentina, a exemplo do acordo de comércio de automóveis, favorecendo este último país. Diante da queda das exportações do Cone Sul para outras regiões, o Mercosul cumpriu um papel, nos anos 1990, de multiplicar a corrente de comércio entre seus países-membros. Acrescente-se que, também, nessa década, no que diz respeito à origem dos fluxos financeiros para esses países do Mercosul, houve importante diversificação.

Os Estados Unidos insistem no prazo de 2005, para início do funcionamento da Alca, e o governo Bush conta, desde 2001, com a Autorização de Promoção do Comércio (TPA) do Congresso a fim de encaminhar livre e rapidamente as negociações. O Nafta, com a participação do México, aparece, simultaneamente, como um instrumento objetivo de divisionismo da América Latina e parâmetro de negociação brandido pelos Estados Unidos (BORGES, 2002).

Na década de 1990, multiplicaram-se ou consolidaram-se os acordos de livre comércio, bilateralmente, e duas uniões aduaneiras – Mercosul e Pacto Andino. Os processos de integração da América Latina requerem a “recuperação do Estado Nacional como centro básico de decisões”, para formular uma política de desenvolvimento, resistindo à mera imposição dos “interesses das grandes empresas que atuam na região” (FURTADO, 1973, p. 86-7).

Apesar de genericamente a América Latina possuir traços comuns na sua formação histórica e interesses econômicos convergentes, reconhecem-se, obviamente, as muitas diferenças entre seus países-membros. Existem Estados muito pequenos e outros grandes, como o Brasil. A relação de complementaridade e reciprocidade entre esses diferentes países é uma exigência para a integração econômica na América Latina. Pode-se afirmar que os processos de integração da América Latina estão com sua sorte dependendo da trajetória dos principais países do subcontinente, a saber: Brasil, México e Argentina. A esse respeito, na década passada e nesta primeira década do novo século, estes três países encontram-se em uma encruzilhada histórica. A busca da unidade latino-americana deveria expressar-se em integração econômica, solidariedade política, interação cultural, além de relações externas multilaterais no mundo. Em face da inserção do México no Nafta, a ambição de integração econômica, hoje, é delimitada à América do Sul, sobretudo através da aceleração da convergência entre o Mercosul e o Pacto Andino.

A história dos últimos vinte anos tem turvado bastante a perspectiva de integração e desenvolvimento da América Latina. Retomando essa história recente, Eric Hobsbawn (1995, p. 411) denomina o Brasil, o México e a Argentina como os “três gigantes da dívida internacional”. Com a crise da dívida, na década de 1980, ocorre o grande retrocesso na trajetória econômica desses três mais importantes países latino-americanos. O tipo de vulnerabilidade externa existente no México, na Argentina e no Brasil, nessa mesma década, era diferente da fragilidade externa dos anos 1990.

Nova vulnerabilidade externa

Os anos 1980 representam a crise aberta. A principal diferença entre esses períodos consiste na associação da nova vulnerabilidade, nos anos 1990, a um definido modelo internacionalizante e liberal, dependente, cabal e definitivamente, da entrada de imensos fluxos de capitais de curto prazo e, posteriormente, de investimentos diretos estrangeiros. Estes últimos são considerados o motor do crescimento econômico.

Contudo, especialmente nos países periféricos, a adoção da liberalização financeira, faz com que a mobilidade do capital internacional provoque oscilações cambiais, prejudicando a autonomia da política governamental nacional voltada ao crescimento econômico e à defesa do emprego (EICHENGREEN, 2000, p. 251-3). As reformas estruturais e a gestão macroeconômica ortodoxa não asseguraram abundantes e contínuos fluxos de capitais para a América Latina.

A década de 1990 iniciou-se sob o completo triunfo político e ideológico do neoliberalismo na América Latina. Mas, ao ser encerrada, em 2000 se registra o fracasso da orientação econômica neoliberal, a queda do PRI, no México, do menemismo, na Argentina, e o ocaso do esquema de forças políticas lideradas por Fernando Henrique Cardoso. Sagram-se vitoriosas frentes de centro-esquerda no Brasil e na Argentina, respectivamente em 2002 e 2003.

O modelo neoliberal tem resultado em grandes desastres sociais. A América Latina, tradicionalmente marcada por imensas desigualdades sociais, encontrou no neoliberalismo um fator de agravamento das condições de vida das grandes massas trabalhadoras (SOARES, 2001). No México, em 1992, os 30% mais pobres da população detinham apenas 8% da renda nacional, enquanto a fortuna de 10 pessoas igualava-se a cerca de 10% do produto interno bruto do país (GRAY, 1999, p. 67).

Continuísmo ou mudança

Mas diante do fracasso do modelo neoliberal na América Latina, os representantes da ortodoxia econômica, paradoxalmente, reafirmam as suas recomendações de necessidade de extensão e aprofundamento da liberalização dos mercados e das chamadas reformas estruturais. Para eles, a vulnerabilidade externa decorreria de insuficiência, limitação e erros na implementação do modelo neoliberal. Propõe-se uma “fuga para frente”, com mais reformas.

Assim, exigem-se compromissos formais dos governos no sentido da perseverança na adoção desse contínuo ajuste estrutural, a fim de que esses países recuperem a credibilidade internacional, voltando a atrair os fluxos de capitais. Só assim, seriam, pois, retomados os recursos e investimentos para modernização e desenvolvimento desses países, no âmbito da globalização. Apesar das reiteradas crises na periferia, o FMI insiste na imposição das reformas neoliberais para ampliar a abertura das economias nacionais à livre mobilidade dos capitais, inclusive os especulativos e de curto prazo (BEINSTEIN, 2001, p. 11).

Qual será o futuro dos atuais processos políticos e econômicos em Brasil, México e Argentina? Antes das vitórias eleitorais progressistas no Brasil e Argentina, José Luís Fiori (1999, p. 79) avaliava que o projeto das elites liberais e internacionalizantes destes três principais países já não era apenas integração liberal à economia internacional, mas sim a condição de dominion dos Estados Unidos. Então, o futuro era mais terrível: a vulnerabilidade externa prepararia o terreno para uma subordinação mais explícita, mais formal.

Contudo, para Wilson Cano (2000, p.75) as próprias graves dificuldades decorrentes da submissão ao imperialismo vão forçar a busca da restauração da soberania nacional. E, segundo Atílio Borón (1995, p. 79), “talvez a tarefa mais urgente com que se tenha de enfrentar os países da América Latina uma vez esgotado o dilúvio neoliberal seja a reconstrução do Estado”.

Hoje, no início do século XXI, questões candentes sobre o futuro da América Latina motivam o debate acerca do papel das políticas públicas de desenvolvimento e das relações externas dos Estados periféricos. O balanço dos experimentos dos anos 1990 pode oferecer lições indispensáveis para a formulação de políticas à altura dos desafios latino-americanos. Tullo Vigevani (2000) observa, acerca da possibilidade de uma política sul-americana, no caso do Brasil e da Argentina, a necessidade de definição favorável a uma extensa cooperação, em diversos campos, além do comércio, atingindo particularmente o tema desenvolvimento.

As vicissitudes da acumulação de capital na periferia latino-americana desde o início dos anos 1980 decorriam da combinação da dívida externa, inflação, estagnação. A dificuldade é que a forma da pretendida saída dessa crise converteu-se, depois, no agravamento do problema da vulnerabilidade externa nos anos 1990, como restrição ao desenvolvimento e ao combate ao desemprego, como mostraram os valiosos ensinamentos da experiência de Brasil, Argentina e México.
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Renildo Souza é mestre em economia e membro do Comitê Central do PCdoB.

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EDIÇÃO 70, AGO/SET/OUT, 2003, PÁGINAS 28, 29, 30, 31, 32, 33