Dezesseis meses de governo Lula. Pelo que se percorreu, ele já se encontra em alto mar. A questão a saber – apesar desse mar, que já se esperava tempestuoso – é se o governo se movimenta no rumo certo. Se seu comando o direciona ao bom porto prometido.

As águas revoltas se evidenciam nas restrições internas, com a estagnação econômica herdada, e a decorrente grave crise social; nos ataques da oposição conservadora que, apesar da derrota, continuou em posições-chave da sociedade. Além de uma conjuntura internacional regida pela instabilidade de uma economia capitalista em crise e de um cenário de ameaças derivadas da escalada de guerra do governo Bush.

Como reflexo desse contexto irromperam o ascenso do movimento social, que vai à luta por suas bandeiras, e a pressão de sua própria base de apoio que reclama a reorientação da política macroeconômica.

Ao se analisar o itinerário percorrido é preciso sublinhar sempre, por mais que isso irrite Fernando Henrique Cardoso e a oposição de direita reunida em torno da aliança PFL/PSDB, que a herança neoliberal tem sido um óbice mais difícil de ser contornado do que se imaginava, uma vez que possui caráter estrutural. Mas apesar disso, o governo Lula se esforça para honrar seus compromissos e o país já conheceu importantes avanços. Sobretudo, pode se destacar que o Brasil respira mais democracia e trava-se uma luta para resgatar a soberania nacional.

Em relação à democracia, citemos apenas um exemplo. Ante o vigor assumido pela luta pela reforma agrária com a ocupação de áreas do latifúndio improdutivo, os velhos setores das classes dominantes alardearam um deus-nos-acuda e clamaram pela criminalização da luta popular, como sempre fizeram e foram atendidos por governos anteriores, principalmente pelo governo anterior. O conservadorismo, em coro, passou a exigir que o governo Lula usasse a velha receita reacionária de tratar a luta social como um "caso de polícia". Mas, muito ao contrário, o governo tem respeitado o movimento dos trabalhadores rurais, procurando atender suas demandas, postura que desagrada à velha oligarquia latifundiária e a seus aliados da direita.

Em relação à soberania nacional, o governo soube com firmeza e habilidade desvencilhar o país de mil nós com os quais FHC havia atado o Brasil ao projeto da Alca no formato neocolonial proposto pelos Estados Unidos. E outras tantas ações; como a revitalização do Mercosul e a articulação da América do Sul, a criação do G-20, reforçando as relações soberanas com países de desenvolvimento semelhante, como a África do Sul, a Índia, a China e a Rússia etc. Dando passos para desarmar a subordinação aos EUA aprofundada por Fernando Henrique Cardoso, que veio a público afirmar, de modo descabido, que a política externa soberana seria uma repetição da linha “isolacionista” da época da ditadura militar. Subserviente e tendo realizado governos os mais danosos aos interesses nacionais, FHC não se conforma com os esforços do atual governo em empreender a soberania do país.

Esses destaques são necessários como parte de uma avaliação multilateral do governo, com seus erros, acertos e dilemas. Sobretudo quando se vê a oposição conservadora, com um cinismo desmesurado, atacar o governo para levar a opinião pública a esquecer-se de que essa mesma oposição foi a maior responsável, quando no governo, pela criação das dificuldades enfrentadas pelo povo e o país.

Contudo, desde sua posse o governo Lula movimenta-se sob a dinâmica de um conflito de duas concepções contraditórias: a mudança e o continuísmo. Esse conflito veio a se constituir num dilema e, hoje, vai evoluindo para um impasse.

A corrente continuísta, presente no interior do governo e na sociedade, insiste em manter a política macroeconômica herdada, à frente do Ministério da Fazenda e do Banco Central impõe, ao mesmo tempo, juros muito elevados e superávits primários exorbitantes. Absolutiza as metas fiscais, canalizando grandes somas de recursos ao pagamento da dívida, subordina-se às pressões do capital financeiro e subestima os anseios de progresso e justiça social tão presentes na maioria da nação.

Por seu turno, a vertente da mudança, que abarca os trabalhadores; setores do empresariado; intelectuais progressistas; e partidos da base governista, cotidianamente, tem se pronunciado pela mudança da política macroeconômica, alertando para o fato de que não se elegeu o presidente Lula, num embate histórico, para tão somente repetir os fundamentos do modelo neoliberal que levou o Brasil ao fracasso. Defende o desenvolvimento, o emprego e a distribuição de renda.
Diante desse conflito, o núcleo do governo, ao que parece, optou pela tentativa de conciliar essas duas concepções. Assim, nos dias atuais, presencia-se o esforço de implementar o desenvolvimento com o paradoxo de se manter diretrizes macroeconômicas neoliberais restritivas ou impeditivas desse mesmo desenvolvimento.

Como tal conciliação é impossível – como misturar água e azeite – o país precisa crescer, e isso não acontece. Mesmo as estimativas de crescimento, algo em torno de 3% do PIB, são acanhadas para as demandas sociais e econômicas. Em conseqüência, a vulnerabilidade externa persiste e agrava-se o desemprego, a queda da renda e do consumo das famílias dos trabalhadores. Inevitavelmente, o governo acaba se desgastando junto à população.

A superação desse cenário, sob o prisma dos interesses nacionais e populares, impõe ao governo uma escolha política, cujo tempo já chegou. As demandas sociais e políticas pelas mudanças tornam-se mais agudas. Se o governo não faz essa opção em tempo hábil, seu sucesso fica ameaçado. O que a realidade da economia exige é direcionar, sem demora, o país no rumo do desenvolvimento e do emprego.

É compreensível que em um ano e meio não se possa alcançar um objetivo dessa magnitude. Mas o que se espera são gestos, sinalizações, medidas que demonstrem que, de fato, o governo tem no horizonte um novo projeto nacional de desenvolvimento, assentado na soberania, na democracia e na justiça social.

Por exemplo, no caso do salário mínimo, embora a matéria ainda esteja no Congresso Nacional, o irrisório aumento anunciado foi um sinal negativo. Uma frustração.

A queda contínua e acentuada nos juros para diminuir os custos de produção, baratear o crédito, incentivar os investimentos é uma sinalização inadiável, imperativa. Do mesmo modo é importante que se concretizem os investimentos prometidos à habitação, ao saneamento básico, ao fortalecimento da infra-estrutura do país.

Além dessas iniciativas, é preciso criar condições para medidas mais consistentes, como a reestruturação da dívida e o controle de capitais. Longe de ter caráter irrealista, medidas dessa natureza já se mostraram eficazes em vários países do porte do Brasil e que enfrentavam problemas semelhantes.

Nesse sentido, para superar o impasse já assinalado e garantir a transição mudancista essencial à vitória do governo Lula, a proposta da direção nacional do Partido Comunista do Brasil é pertinente. Ela quer o desencadeamento de um amplo movimento nacional pelo desenvolvimento, geração de empregos e distribuição de renda. Quer um pacto nacional pelas mudanças.
Os trabalhadores e o povo, tendo por base suas entidades e movimentos, são também chamados a reforçar o necessário papel de protagonistas e impulsionadores dessa mudança.

Universidade para um Brasil soberano e desenvolvido

Nesta edição, Princípios enfoca o atual debate sobre a reforma universitária.
Um projeto de país que atenda ao clamor de desenvolvimento, geração de empregos e distribuição de renda exige uma universidade pública à altura dessas demandas – uma universidade mais pública, gratuita, mais autônoma, mais democrática, com mais qualidade e capaz de gerar o desenvolvimento científico e tecnológico para atender às necessidades do desenvolvimento industrial e também da inserção soberana e altiva do Brasil no contexto mundial.

Comissão Editorial

EDIÇÃO 73, MAI/JUN/JUL, 2004, PÁGINAS 3, 4, 5