Emerenciana chegou à porta e lá encontrou um carteiro. Vinha com uma carta registrada em nome de Emerenciana Régis de Almeida, enviada por Argemiro Vieira. O portador solicitou sua assinatura. Ela registrou lá suas iniciais, conforme lhe ensinara Lucinda: ERA. Ler, não sabia. Escrever, muito menos. Mas grafar as três letras, isso havia treinado à exaustão.

      Entrou na sala apreensiva. Todos se viraram para ela. Parada diante da porta aberta, segurando a carta como se fosse uma pequena salva de papel, Emerenciana hesitava.

      – Qué isso em sua mão, minha filha? – indagou Mãe Gulóra.

      – Uma carta. De Argemiro.

      Dona Mariana ergueu-se, foi até a sobrinha, tomou-lhe delicadamente das mãos a carta e perguntou:

      – Posso abrir?

      Emerenciana consultou a mãe com os olhos. Com um pestanejar, esta aquiesceu.

      – Pode, sim, tia.

      Dona Mariana sentou-se, procurou os óculos na bolsa, apoiou-os no nariz, abriu o envelope, desdobrou a folha e pôs-se a ler:

      – "São Paulo, 5 de abril de 2004. Estimadas Mãe Gulóra e Emerenciana. Como vão? Esperamos que esta encontre todos bem. Aqui tudo vai bem. Como prometi, fui confirmar a história do Cabo Jorge. De fato, era ele, conforme me disse o dono da oficina. Perguntei onde morava, disse o sujeito que o homem era ali do bairro. Não pedi endereço assim logo pra não dar nas vistas. Rodei pelo bairro com o carro e voltei na hora do almoço. Lá tava só um menino. Pedi o endereço do Cabo Jorge, ele no começo não quis fornecer, soltei uma gorjeta e ele me indicou um bar onde o dono podia me informar. Fui lá, falei com o dono e ele me indicou a rua, mas não sabia o número da casa. A casa não fica bem no bairro da oficina. É até um pouquinho longe. Fui até lá. Perguntei na vizinhança pelo homem. Uns meninos que jogavam bola me disseram qual era a casa. Fui lá, vi o número e agora passo aqui a vocês: Rua Soldado Guimarães, 275, São Paulo, SP. O CEP eu não sei. Precisa ver por aí se acha. Descobri também que o cabra assina agora Jorge Zuarte de Oliveira. Vê se pode? Tomou emprestado o sobrenome do sujeito que ele mesmo despachou. Fiquem com Deus e Nosso Senhor Jesus Cristo. Um abraço a todos. Mandem lembrança pra meu povo aí. Do amigo, Argemiro Vieira".

      Finda a leitura, Dona Mariana dobrou a carta devagar, retirou os óculos e olhou para a irmã:

      – O safado está usando o nome de Zeca Oliveira, Maria. Não é um desaforo?

      Mãe Gulóra ergueu-se num gemido. Fitou a irmã e disse:

      – Agora você tem o endereço. O que vai fazer?

      – Ainda não sei.

      – Pois lhe digo: mande Tenório pra lá ajustar contas com o traste.

      – E Tenório vai fazer o quê?

      A velha Gulóra olhou pro sobrinho significativamente. Este permanecia na mesma posição, agora mais ereto do que antes. Respondeu ao olhar da tia de um modo também significativo, enquanto ela respondia:

      – Ele sabe o que fazer.

      Lucinda maquinava sua participação naquilo tudo. Que a aguardassem pra ver.