A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou a esperança de milhões na possibilidade de mudança e tinha nos jovens seus principais entusiastas. Se levássemos em conta apenas a intenção de voto deste segmento populacional, o candidato Lula teria vencido já no primeiro turno. Ainda hoje, passados um ano e meio desde a sua posse, o governo encontra entre os jovens suas maiores taxas de aprovação.

A derrota dos setores neoliberais nas eleições de 2002 teve um alcance histórico e significou a derrota de uma elite econômica que, por mais de quinhentos anos ditou os rumos do nosso país, levando em conta, única e exclusivamente, os seus interesses em detrimento da grande maioria do povo brasileiro e da juventude em particular.

Nunca é demais lembrar

A década de 1990 foi desastrosa para a juventude brasileira. A combinação de fatores como a estagnação econômica, o desmonte do Estado Nacional, a crença cega no “deus mercado” e a submissão a interesses externos, se demonstrou extremamente nociva. Os resultados desta fórmula explosiva são visíveis nas filas de desempregados; nos dados sobre homicídios; nas mortes decorrentes de abortos; na exclusão do sistema educacional; no baixo acesso a atividades de cultura, esporte e lazer; no crescente uso de drogas legais e ilegais; e em tantos outros indicadores sociais que transformam a juventude em uma das principais vítimas da chamada “herança maldita” do neoliberalismo.

O governo FHC baseava-se numa ótica instrumental-oportunista de criação de serviços específicos para jovens, priorizando metas quanto a números de atendidos e não se cuidando da qualidade. Assim tem-se a expansão de matrículas no ensino fundamental e médio, sem atenção a formação de professores, infra-estrutura escolar, recursos de laboratórios, computadores e outros meios para o acesso a avanços tecnológicos, ginásios desportivos e disponibilidade de bens culturais. Aumentou-se o número de jovens no ensino médio e vem se alertando simultaneamente para o deterioro da qualidade do ensino público. Criaram-se centros e programas para jovens, ou melhor, para adolescentes, sem acompanhamento, sem avaliação de qualidade, sem cuidar de uma perspectiva juvenil nesses programas e sem preparar os jovens para que eles fossem partícipes da modelação e dinâmica dos programas.

Ao final dos oito anos de governo Fernando Henrique, mesmo existindo 33 programas voltados para a juventude, podemos afirmar que a política para este segmento social foi marcada pela desarticulação entre os entes governamentais, pela relação quase exclusiva com algumas ONG’s – colocando em prática a chamada terceirização do Estado – e pela inexistência de diálogo. O melhor exemplo desse autoritarismo na relação com os movimentos juvenis foi o ataque ao direito à meia-entrada e à unidade do movimento estudantil através da edição de MP 2208/01 – ainda não revogada pelo governo Lula – que visava enfraquecer a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), grandes defensoras do Fora FHC.

Tudo isto, somado aos efeitos nocivos do projeto neoliberal sobre a população juvenil brasileira, fez com que não existisse uma verdadeira Política Pública de Juventude de 1995 a 2002. O que existiu na verdade foi uma série de programas desarticulados, impostos e de eficácia questionável.

Uma história de participação

Seja pautando o Estado através de reivindicações próprias, seja reagindo à implementação ou ausência de determinadas políticas, os jovens brasileiros sempre buscaram interferir nas políticas públicas.

A ampliação do direito à participação política através do voto aos 16 na Constituição de 88; a proposição e aprovação de leis de meia-entrada para estudantes no início dos anos 90; a defesa e promoção da educação pública; e exigências da aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como verdadeira alternativa à redução da maioridade penal, são exemplos recentes desta história.
Mesmo a experiência da criação de espaços institucionais específicos, tão em evidência nos dias de hoje, não é algo novo. Na esteira do Ano Internacional da Juventude, declarado pela ONU em 1985, surgiram iniciativas como o Conselho Estadual de Juventude de São Paulo e Paraná em governos liderados pelo PMDB e com a participação de diversos segmentos juvenis.

Governo Lula: Um novo tempo (apesar dos perigos)

Analisamos a situação das Políticas Públicas de Juventude no governo Lula levando em consideração a herança deixada pelo governo anterior e tendo em conta a existência, também na temática Juventude, da tensão entre continuidade e mudança.

Se levarmos em consideração a adoção de uma agenda econômica conservadora e os seus reflexos sociais extremamente negativos, podemos dizer que ainda não estão claras as condições para obtenção de resultados eficazes nas políticas de juventude, pois os principais problemas que a atingem são de ordem estrutural, e derivados de um modelo econômico excludente e concentrador de renda.

No entanto, também é muita clara a preocupação do governo federal com esse tema. Segundo levantamento do próprio governo, a juventude é objeto de 131 ações federais vinculadas a 45 programas e implementadas por 18 ministérios. Dentre elas, o Programa Segundo Tempo, Primeiro Emprego e Nossa Primeira Terra, só para citar iniciativas deste governo. Podemos citar ainda a proposta de reserva de vagas nas universidades federais para estudantes oriundos da escola pública e o programa Soldado Cidadão, que amplia o contingente de recrutas nas Forças Armadas.

O mais importante, porém, foi a criação de um Grupo de Trabalho Interministerial – composto por 19 ministérios –, que se dedicou exclusivamente a este tema e apresentou ao presidente uma proposta de Política Nacional de Juventude, sinalizando que o governo pretende ir além de um mero somatório de programas.

Que juventude é essa

Para uns esse rito de passagem entre infância e maturidade vai dos 15 aos 29 anos de idade. Para outros, ele acaba aos 24. Mas a idade não é o fundamental para se entender um período determinante na vida do ser humano, já que é o momento em que se intensifica a formação intelectual e ética, se completa o desenvolvimento físico e se dá uma série de mudanças psicológicas e sociais tendo em vista o ingresso no mundo adulto.

O fato é que juventude é uma construção sócio-cultural histórica, que depende de uma série de condicionamentos, oportunidades e biografias. É impossível não levar em conta a sua diversidade social, política, religiosa, étnica, cultural e econômica. Por isso, muitos afirmam existir juventudes e não uma juventude. Nós, ao contrário, afirmamos ser esta diversidade que se constitui a riqueza e as contradições da juventude brasileira.

Enxergamos a juventude brasileira na sua presença marcante nos acontecimentos políticos do país, na paixão pelo esporte, na identificação com as manifestações culturais transformadoras que brotam das periferias urbanas, na preocupação com as questões sociais e, acima de tudo, no forte sentimento de brasilidade associado ao desejo de mudança.

Alguns dados:

Quem são
34 milhões jovens
20% da população do Brasil
50% dos jovens da América Latina
80% dos jovens do Cone-Sul

Onde moram
28,2 milhões (83%) moram em áreas urbanas
5,9 milhões (17%) moravam em áreas rurais

Renda familiar
20 milhões (58,7%) vivem em famílias com renda per capita de até 1 salário mínimo
11 milhões (32,3%) vivem em famílias com renda per capita de até 1/2 salário mínimo.
4,2 milhões (12,2%) vivem em famílias com renda per capita de até 1/4 de salário mínimo. São considerados extremamente pobres.
54,0% dos homens e 37,8% das mulheres jovens possuem renda própria.

Atividades
10,3 milhões (30,3%) só estudam
10,6 milhões (31,2%) só trabalham
6,2 milhões (18,2%) trabalham e estudam
6,9 milhões (20,3%) não estudam e nem trabalham

Mortalidade
Em 2001, morreram 45 mil jovens de 15 a 24 anos
36 mil (79,8%) eram homens
32,2 mil morreram de causas violentas. Principalmente acidentes de transporte e homicídios.

Educação
1,3 milhão (3,8%) de analfabetos. Destes, 70% no Nordeste
17,5 milhões (51,4%) não freqüentam a escola e, destes, apenas 5,3 milhões haviam concluído o ensino médio
6,6 milhões (19,4%) têm a escolarização defasada (idade/série)

A taxa de mortalidade de jovens no Brasil, segundo a Unesco (2002), é a terceira maior do mundo. Só perde para Colômbia e Porto Rico e é 8 vezes maior que a da Argentina. Fato inédito em nossa história.
Uma iniciativa do governo federal terá um efeito indutor nas esferas estaduais e municipais fortalecendo os instrumentos existentes e estimulando a criação de novos. Possibilitando, assim, a estruturação de um sistema nacional de políticas públicas de juventude através da multiplicação de conferências, conselhos, coordenadorias ou secretarias de juventude. Sem falar na instalação de Comissões de Juventude nas Assembléias Legislativas e Câmara de Vereadores.
É válido registrar também que, além do governo federal o debate está em curso no parlamento (Comissão Especial na Câmara dos Deputados), sociedade civil (Projeto Juventude/Instituto Cidadania), movimentos juvenis (Diálogo Nacional das Organizações Juvenis/articulação pró-Fórum Nacional de Movimentos e Organizações de Juventude) e em organismos internacionais que atuam no Brasil (Unesco e, até mesmo, o Banco Mundial). Ou seja, uma sinalização política do presidente da República gerou uma profusão de iniciativas e uma expectativa positiva na sociedade, desencadeando um processo que elevará a temática juventude a um patamar nunca antes imaginado.

Pressupostos para as políticas de juventude

1. Marca da mudança: os grandes problemas da sociedade brasileira foram aprofundados nos anos 90 com a adoção da agenda neoliberal. A preocupação com a Juventude, porém, não é um patrimônio exclusivo da esquerda e a mera adoção de políticas de juventude não significa, necessariamente, um compromisso com a mudança. Diante disto, as políticas públicas de juventude não podem ser encaradas como um capricho político ou tratadas de maneira academicista ou tecnicista. Antes de tudo, elas têm que fazer parte da construção de uma alternativa ao neoliberalismo.

2. Articulação com o Projeto Nacional: ao contrário do que prega o credo neoliberal, não podemos aceitar o abandono ou subestimação dos interesses nacionais. Num mundo globalizado, só é possível uma inserção soberana com um Estado nacional forte. A política de juventude tem que criar condições para o fortalecimento de uma consciência nacional transformadora e para isso conta com condições subjetivas fenomenais nesta parcela da população.

3. Estado como principal indutor: a história recente comprovou que a teoria do Estado mínimo estava ligada à falsa idéia de que as leis do mercado teriam condição de regular todas as esferas da nossa vida. Como se a busca desenfreada pelo lucro combinasse com justiça social. A melhor maneira de garantir o interesse público é fazer do Estado a força-motriz no desenvolvimento das políticas públicas de juventude, que podem e devem contar com a participação ativa da sociedade civil.

4. Políticas de Estado: a existência de uma política de juventude não pode estar à mercê dos interesses deste ou daquele governo. Ela precisa ser incorporada definitivamente na agenda política nacional. E para assegurar maior consistência e perenidade, é preciso consolidá-la através de instrumentos institucionais nos três poderes (executivo, legislativo e judiciário) e em todos os entes federados (municípios, estados e união).

5. Objetivos de curto, médio e longo prazo: indiscutivelmente, a grave situação social em que se encontram os jovens brasileiros exige medidas concretas e emergenciais. Porém, não se pode perder de vista que questões complexas não se resolvem com medidas pontuais, sob pena de se tornarem meros paliativos. É por isto que as políticas de juventude têm que estar integradas a saídas estruturais, atendendo a objetivos de curto, médio e longo prazo, sem reproduzir uma ideologia que transforma as políticas sociais numa disputa de migalhas entre os pobres versus os mais pobres.

6. Participação: palavra-chave: é consenso entre os especialistas que a juventude tem que estar no centro das políticas públicas não apenas como receptora e sim como participante ativa. Desde a elaboração até a avaliação (e possível contestação), passando pela proposição e execução das mesmas. Além do conteúdo democrático e educativo, isso empresta maior identidade entre as políticas e o próprio jovem, aumentando sua eficácia.

Mais poder aos jovens

Mais que um compromisso de governo, as políticas de juventude só terão sucesso se os jovens tiverem sobre elas uma forte capacidade de intervenção.

1. Valorizar o movimento juvenil: no Brasil, existe uma forte tradição de organizações juvenis, sejam elas estudantis, culturais, religiosas, ligadas a entidades de classe, partidárias ou esportivas. A maioria destes movimentos conta com articulações e entidades de caráter nacional e são formas destacadas da participação juvenil. Por assumirem um papel de vanguarda das transformações, devem ser fonte de interlocução privilegiada das Políticas Públicas de Juventude.

2. Fortalecer a autonomia e a organização da juventude: a necessária interlocução da juventude com o poder público não deve ser confundida com a tentativa de cooptação, nem ser prejudicada pelo desrespeito a possíveis divergências. Preservando a autonomia das organizações juvenis, as políticas públicas devem estimular a participação da juventude, criar mecanismos transparentes, que assegurem a estruturação material desses movimentos, desvinculados dos interesses dos governos e sem a ingerência de organismos internacionais.

3. Garantir canais de interlocução e capacitar o jovem para o diálogo, desenho e acompanhamento de políticas: assegurar, na estrutura do Estado, canais democráticos de interlocução com os jovens, tais como o Conselho de Políticas de Juventude e a Conferência de Políticas de Juventude. Para que estes espaços não sejam uma mera "formalidade democrática", é preciso oferecer aos jovens condições de acesso a informações e procedimentos da máquina administrativa para que as decisões não se percam nos caminhos governamentais sem o devido controle social.

Existem hoje 34 milhões de brasileiros entre 15 e 24 anos de idade ou 47 milhões de 15 a 29. Um imenso contingente populacional que se encontra em uma fase da vida com um conjunto de características próprias e que devem ser consideradas. Dimensões como educação, trabalho, cultura, ciência e tecnologia, comportamento, esportes, lazer, participação política, saúde, violência, sexualidade, drogas e religiosidade, devem ser compreendidas a partir de uma ótica juvenil e transformadas em políticas públicas específicas tendo em vista a garantia de direitos para juventude.

É fato também que a grande maioria destes jovens encontra-se numa situação de grande vulnerabilidade social, condição agravada pela chamada “herança maldita” de uma gestão que se guiou por padrões do neoliberalismo, que provocou a negação de um conjunto de direitos à imensa maioria dos brasileiros, afetando especialmente a juventude. Vários indicadores sociais constatam essa situação de calamidade social, exigindo de todos medidas urgentes. O mais importante, porém, é não perder de vista que questões complexas não se resolvem com medidas pontuais e mesmo estas não podem ter um fim em si mesmo sob pena de se tornarem meros paliativos.

De outra parte, qualquer projeto que vise ao desenvolvimento econômico e social do nosso país tem que ter na juventude um setor estratégico para o desenvolvimento sócio-econômico não só pelo que ela representa para o futuro, mas pela grande contribuição que pode dar no presente. Especialmente na atual dinâmica social, na qual o conhecimento e as novas tecnologias vêm crescendo em importância. Ou seja, muito mais que enxergar o jovem como um problema, é compreendê-lo como “parte da solução”.

No entanto, ainda não existe uma clareza de qual o papel destinado à juventude neste novo cenário político. Por vezes, ela é tratada como um dos “clientes preferenciais” de políticas compensatórias ou, no máximo, como um segmento que deve dedicar-se ao envolvimento voluntário em pequenas causas sociais. É necessário superar concepções herdadas de um passado recente e reforçar a convicção de que a juventude pode e deve, mais uma vez, protagonizar politicamente as mudanças.

A juventude brasileira sempre teve uma presença marcante nos grandes acontecimentos políticos do país e pode ser decisiva na promoção das mudanças que o governo Lula vem fazendo. Acreditamos no potencial da juventude e na construção de um Brasil livre, soberano e com justiça social. Esta crença é reforçada por dados estatísticos extraídos da pesquisa nacional de opinião pública, Perfil da Juventude Brasileira, realizada pelo Projeto Juventude/Instituto Cidadania em dezembro de 2003. Tal levantamento chegou às seguintes conclusões: 85% dos jovens acham a política importante, 59% acham que o melhor para os problemas do Brasil é a participação popular nas decisões e 91% têm orgulho de ser brasileiros.

Danilo Moreira é historiador, ex-diretor da UNE e diretor de Políticas de Juventude do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ).

EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 33, 34, 35, 36, 37