Quase 6000 municípios e 110 milhões de eleitores farão suas opções eleitorais em outubro próximo. Nestes 100 dias até lá, os políticos em geral, em particular uma multidão de candidatos, mais os profissionais de propaganda eleitoral, os técnicos e assessores, militantes e “cabos-eleitorais” iniciarão uma jornada em busca do voto. A imprensa repercutirá, com seus vieses próprios, os projetos em disputa. O certo é que as eleições monopolizarão as atenções nestes 3 meses, porque são o centro da luta política no país. Seus resultados confirmarão, ou não, o novo ciclo político vivido no país, oriundo da chegada de forças políticas e sociais renovadoras que podem impulsionar o Brasil a um novo rumo ao centro do governo. Pela primeira vez na nossa história política, as forças avançadas, tendo por centro partidos de esquerda, enfrentam tal desafio, na condição de forças governantes.

Por ora, se incute na opinião pública que a montagem eleitoral reflete uma miscelânea de alianças eleitorais, que não permite ao eleitor distinguir forças. Entretanto, impõe-se reconhecer que há dois grandes campos em disputa, opondo a sustentação do governo Lula e as forças da oposição conservadora, capitaneadas pelo PSDB-PFL. Até certo ponto, as legendas são secundárias. Mas o fato substantivo é que essa disputa ocupa o centro da luta política e projeta, a partir de seus resultados, o cenário da eleição presidencial de 2006.

Cada situação engendra o ajuste do discurso eleitoral que deverá caracterizar as campanhas. É ele que estipula os eixos das propostas de cada candidato e define o perfil e caráter de cada candidatura.
O PCdoB, consciente de suas responsabilidades enquanto legenda destacada da esquerda brasileira, procurou se preparar à acirrada luta de idéias dessa campanha eleitoral. Elaborou, em junho passado, a partir do Encontro Nacional de candidatos e dirigentes, as bases para esse discurso. Seja em pleitos majoritários, com candidatos próprios ou em coligação, seja para as candidaturas a vereador, o PCdoB tem larga tradição de um pensamento político ajustado às circunstâncias, traduzindo sua política para o âmbito concreto das disputas. Sintoniza, agora, esses eixos para o diálogo com os milhões de eleitores suas aspirações e anseios, no âmbito das polarizações que vão se constituindo no processo eleitoral em cada município.

A questão central é articular, num discurso que permita um diálogo politizador com o povo, os pontos entre as demandas próprias da administração municipal, com o lugar político ocupado pelo PCdoB no cenário das eleições, e com o caráter político nacional que terão os resultados eleitorais.
O discurso do PCdoB será político e administrativo. A primazia será ir ao encontro das aspirações sentidas da população, nos marcos de cada realidade municipal, emoldurando a batalha eleitoral nos marcos da presente situação nacional. O caráter unificado nacionalmente do discurso dos comunistas articula quatro planos concatenados.

A primeira chave é partir do fato concreto de que se trata de eleições municipais, com caráter local, voltado para a solução dos problemas candentes da vida do povo e da cidade. Mesmo quando se é oposição no plano municipal, é imperioso caracterizar a postura dos candidatos pelo aspecto propositivo, pois pela primeira vez fazemos campanha como parte das forças de governo. Não nos basta a denúncia, a agitação oposicionista, característica das campanhas anteriores. É preciso elaborar plataformas que se organizam em torno da exigência de levar desenvolvimento e empregos ao município, com maior qualidade de vida à população, e participação democrática na gestão da vida da cidade. Em cada município, deve-se cuidar de apresentar projetos concretos que sintetizem esse rumo.

Sem dúvida, os aspectos mais marcantes da vida da população se aglutinam em torno das questões sociais da criação de empregos, e de maior segurança pública. Seguem-se as demandas no plano da saúde, educação, moradia, saneamento etc. Mas comparecem também as questões urbanas, aspirações dos munícipes por maior qualidade de vida, transportes civilizados, cuidados com as ruas e praças, revitalização de áreas urbanas degradadas etc, enfim, questões que mexem com a auto-estima dos cidadãos por sua cidade. São questões todas que envolvem distintas esferas administrativas, limitações orçamentárias e, por vezes, carências seculares. A questão do desenvolvimento é central para articular essas demandas.

Sabidamente, os municípios brasileiros pagaram a dura conta do ajuste fiscal promovido pela coligação conservadora nos últimos dez anos. Foram alguns dos custos indiretos do caminho adotado para a estabilidade da moeda. Afetaram duramente a vida da população, pois levaram ao sucateamento do aparelho público de prestação de serviços. E conduziram a pesado endividamento dos municípios, que foram renegociados em condições leoninas durante a gestão FHC. Na capital de São Paulo, por exemplo, 13% das receitas líquidas são destinados ao pagamento dos juros. As condições contratuais previram elevação da taxa de juros de 6 para 9% caso os pagamentos não sejam efetuados – e o mais assombroso é que a nova taxa passaria a incidir retroativamente sobre o principal se prazos não fossem cumpridos. Enfim, os municípios foram condenados a pesadas restrições orçamentárias, que limitam o papel das administrações locais. Impôs-se-lhes um torniquete, com a Lei de Responsabilidade Fiscal, de um lado, e a Desvinculação de Receitas da União, de outro, que concentrou na União os recursos necessários ao bem-estar da população que vive nos municípios.

Por isso, viram-se limitadas as administrações locais para impulsionar medidas voltadas ao desenvolvimento dos municípios. Não raro, estabeleceu-se uma guerra fiscal, com isenções para atrair investimentos, onerando a arrecadação, opondo uns a outros. Não obstante isso, as gestões municipais devem se desdobrar em perseguir projetos de desenvolvimento, buscando novos investimentos e empregos, valorizando o patrimônio urbano, o fator trabalho e a função pública modernizada. A nova circunstância nacional, quando o país trava uma cruzada pelo crescimento econômico com políticas de investimento em infra-estrutura; novos marcos regulatórios; política industrial e de incentivo à exportação; estímulos à parceria público-privada, colocam novas possibilidades para gestões avançadas no sentido do desenvolvimento local. Isso é o eixo articulador das plataformas eleitorais dos comunistas.

A segunda chave é a demarcação de campos com as forças de oposição, capitaneadas no mais das vezes pelo PSDB-PFL e seus aliados de circunstância. São essas forças as responsáveis diretas pela estagnação do desenvolvimento econômico nos últimos 20 anos. Elas buscam agora, mesmo em eleições municipais, uma revanche contra a vitória espetacular de Lula à Presidência. Expressam o preconceito social e a oposição política frontal contra as forças que sustentam o governo central. Deve esclarecer-se a hipocrisia de tal conduta, pois deixaram ao país uma herança perversa, após 8 anos de governo FHC. O país foi recebido por Lula em meio a uma crise, com imensa dívida social, com a economia estagnada, e monstruosas dívidas externa e interna que arrochou a economia. Se buscarem nacionalizar o debate eleitoral, vão encontrar pela frente a conduta destemida daqueles que realizaram uma oposição patriótica e democrática, que conduziu à vitória de 2002.

A terceira chave é a defesa do governo Lula. Em um ano e meio apenas seria impossível, a quem quer que seja, sanear a grave herança recebida. O governo realiza um governo democrático avançado, que estimula a luta e participação do povo na solução dos problemas. Retoma medidas importantes de investimento, buscando recuperar a capacidade de o Estado brasileiro cumprir o papel de indutor do desenvolvimento. Realiza uma política integral voltada para isso, e colocou o Brasil no cenário externo como ator de primeira linha para sustentar esse caminho. Tem claros compromissos em melhorar a condição social de vida dos brasileiros. Realiza um governo sem conciliar com a corrupção, que marca a trajetória do Estado brasileiro governado por forças conservadoras desde sempre. O Brasil está em novo rumo, e é necessário perseverar em impulsionar as forças que sustentam Lula, para consolidar a maioria política que vai se construindo nesse rumo. Os resultados das eleições de outubro devem significar um novo passo para isso, porquanto forças conservadoras de oposição ainda predominam nos governos estaduais e municipais, no Senado, nos meios de comunicação.

A quarta chave, própria dos comunistas, é apontar a perspectiva de um Pacto Nacional de Desenvolvimento, para sustentar e acelerar o desenvolvimento. Destina-se a dar sustentação à plataforma municipal apresentada. No entender dos comunistas, a política macroeconômica do governo Lula precisa e pode ser reorientada, constituindo outro enfoque de articulação entre taxa de juros, metas inflacionárias e superávit fiscal. Isso é indispensável para destravar os investimentos necessários ao desenvolvimento, e equacionar em bases mais sólidas a vulnerabilidade externa do país. As eleições de outubro são parte desse esforço, e precisam tornar vitoriosas as forças que lutam por esse rumo.

Com esses quatro eixos articulados, pode-se realizar uma campanha elevada, de sentido politizado. Pesquisa nacional nas capitais, realizada em maio, mostra que o PCdoB tem uma identidade política própria que vai se expandindo. Surge como alternativa eleitoral que vai de 3,5% (no geral) até 12% dependendo dos segmentos consultados (trabalhadores, jovens, negros). É identificado como importante aliado de Lula, tem grande visibilidade devido aos Ministérios que ocupa, e o caráter socialista de sua proposta política tem o respeito de amplas parcelas da população, principalmente entre os mais escolarizados e esclarecidos politicamente.

Nas presentes eleições se apresenta com perspectiva de conquistar governos de importantes capitais do país. Pode se configurar como força política que conquiste um dos maiores incrementos eleitorais relativos entre todas as agremiações do país. Esse poderá ser o fruto de uma orientação firme, ampla e flexível, que compreende o atual momento com visão histórica.

É com base nessa identidade e perspectiva que, partindo dos redutos eleitorais de seus candidatos, onde se concentra o esforço pelo voto, os comunistas dirigirão sua proposta política também aos mais amplos segmentos de opinião em cada município, mergulhando a fundo nos estratos populares, de modo ousado e criativo, para disputar seu posto político de alternativa avançada para a mudança que o município e o Brasil necessitam.

Walter Sorrentino é o secretário de organização do Partido Comunista do Brasil (PCdoB).Colaborou Sidnei Gobetti, vereador do PCdoB de Marília/SP.

EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 26, 27, 28