Como as questões nacionais se tornam concretas no município?

Raul Pont – Esta questão é muito ampla. Assumem, no município, três dimensões importantes. A primeira reúne políticas gerais, como a definição do salário mínimo, da jornada de trabalho, da previdência geral, da política de financiamento do setor público até a partilha do bolo tributário entre as esferas administrativas. A questão do salário mínimo, desde o governo anterior, vem tendo a possibilidade de um tratamento estadual. É o caso do Rio Grande do Sul, onde o governo Olívio Dutra estabeleceu um piso regional próprio, que foi mantido pelo governo atual e vem sendo cumprido pelo setor público e por grande parte do setor privado. Mas este, e os demais temas indicados – além de muitos outros – dependem das definições e iniciativas do governo federal e repercutem nos municípios.
Outra dimensão trata das políticas estabelecidas pela União e que se materializam em ações concorrentes, conjuntas ou complementares com o governo federal. Aí estão as políticas sociais como o Bolsa Família, o Fome Zero, programas habitacionais de subsídio, de apoio e/ou de arrendamento residencial, como o PAR, da Caixa Econômica Federal. Aí se integram, também, convênios específicos, setoriais ou circunstanciais nas áreas de cultura, de educação e de assistência social.
O terceiro aspecto, igualmente importante, é aquele que depende de decisões de política econômica ou de grandes definições de obras e contratos do setor público ou das empresas públicas que adquirem importância para regiões ou setores da atividade econômica. Investimentos e contratos da Petrobras e do setor energético são exemplos com grande repercussão nos municípios.
Há, portanto, uma gama variada de incidências e aplicações de políticas públicas que o debate municipal, num período eleitoral, pode adquirir. Tudo isso dá concretude à relação entre os entes federados, permite iniciativas e politiza o processo eleitoral, sem torná-lo distante e artificial.
Nesse sentido, o governo federal poderia e deveria incidir neste processo com iniciativas que apontem outra relação federada, numa nova distribuição do bolo fiscal, uma descentralização e maior participação popular nas definições das políticas públicas, com grandes repercussões na disputa eleitoral em curso.

Após 16 anos de administração em Porto Alegre, quais são os desafios a serem enfrentados em um momento em que o governo federal também é ocupado por forças políticas simétricas?

Raul Pont – As cobranças e as expectativas da população, certamente, são maiores. Nossa administração defende, e busca, o maior número possível de ações com o governo federal.
A primeira relação é aquela dada pelos critérios objetivos, constitucionais, de transferências e repartição do bolo tributário nacional.
Sabemos que, a par das transferências constitucionais, os ministérios possuem vários programas que permitem parcerias, mas exigem agilidade, projetos e contrapartidas.
Há anos atuamos assim. Buscamos todos esses programas que, entendemos, trazem mais recursos para os municípios, ainda que sempre portadores de novos encargos. Isso vale desde a municipalização plena da saúde até o programa Monumenta, do Ministério da Cultura, de defesa do patrimônio histórico e arquitetônico das nossas capitais.
No meu entender, o maior desafio é sermos capazes de estabelecer uma socialização, uma troca de experiências entre as ações do governo federal e dos municípios, para um aprendizado comum.
Muitas das nossas práticas nos municípios devem ser sistematizadas – como as experiências de orçamento participativo – teórica e programaticamente para serem assumidos, também, no plano federal. O inverso também vale para os programas sociais do governo federal, que vêm sendo praticados cada vez mais pelos municípios.
Há muito a se fazer nesse sentido. Desencadear uma profunda troca de experiências administrativas, apesar das competências diferentes, interessa muito a ambas esferas de governo…

EDIÇÃO 74, AGO/SET, 2004, PÁGINAS 46, 47