"São Paulo, junho de 2004. Mãe e Gulóra e Emerenciana, minhas amigas. Aqui vamos todos bem, graças a Deus. Espero que por aí também. Cabo Jorge está internado num hospital. Teve um derrame e quase morre. O sujeito da oficina diz que ele caiu duro depois que soube que eu estava procurando ele. Fui lá, na Santa Casa. Encontrei a filha dele. Sabe como ela se chama? Glória. Isso mesmo: Glória. Ela tem uma irmã. Nem preciso dizer que se chama Mariana, não é? Pois chama. Glória é a mais velha e se parece muito com a senhora, Mãe Gulóra. Tem aquele mando, aquela vontade e aqueles olhos que é o mesmo que ver a senhora na minha frente. Não vi a mais nova ainda. Ela me pediu pra contar toda a história do Cabo. Falei o que sabia. Quando ia contar o acontecido com dona Mariana, o velho acordou e chamaram a moça. Eu ainda quis ver ele, mas ela não deixou. Pediu que eu esperasse. Pediu nada: mandou, que aquilo é braba como o quê. Passou um estirão, ela voltou e me levou pra almoçar. E quis saber o resto da conversa. Aí contei. Era eu falando e ela ficando com os olhos ainda mais pretos. Me perguntou uns detalhes que eu não sabia. Quis saber de Lucinda. Disse que recebeu uma carta dela e que essa carta causou um infarto na mãe dela, que tá lá no hospital também internada. Veja a senhora: o passado quase mata marido e mulher. Pelo jeito, ninguém sabia das histórias do Cabo, nem a mulher. Quando eu lhe disse que o Oliveira que ela carrega na certidão de idade é do sujeito que seu pai matou, ela disse que já sabia por Lucinda e pediu que eu lhe dissesse o verdadeiro sobrenome dele. Disse que não lembrava direito e que achava que era Menezes. É Menezes mesmo? Se não me engano era isso: Cabo Jorge Antonio Menezes, não é? Ela perguntou do Zuarte. Esse Zuarte não conheço não, moça, disse a ela. O velho parece que vai ficar aleijado pro resto da vida. E pelo que eu pude sentir, elas vão é acabar largando ele só. Tive a impressão de que ela não gosta muito dele. E tô achando que a velha não vai aceitar essa enganação de tantos anos. Bom, Mãe Gulóra, minha intenção foi ir lá tomar satisfação com aquele traste, em honra da senhora, sua filha e dona Mariana. E do finado Zeca Oliveira, Deus o tenha em sua glória, parente de nossa família pelo lado de Lolinha, como a senhora sabe muito bem. Acho que tá tudo ajustado, por obra de Nosso Senhor. O sujeito acabou pagando pelo que fez. O que a senhora acha? Mande notícias e renove meus abraços a minha gente aí. Um abraço pra vocês. Do amigo, Argemiro Vieira".

      Terminada a leitura, Lucinda entregou a carta à mãe. Todos – a velha Gulóra, Leonardo, Emerenciana e dona Mariana – olhavam o rosto altivo da menina. Ela mirou cada semblante com um orgulho duro e disse:

      – Está feito.

      E foi pra cozinha passar um café. Na roda, um silêncio que podia ser partido por uma faca de ponta.