Estado e políticas de liberalização
Ministério da Produção e Comércio da República Bolivariana da Venezuela
A superação da pobreza e das profundas desigualdades – que tornam este continente o mais desigual do planeta – é o desafio final aos países da América Latina e do Caribe.
Estamos, igualmente, diante da exigência de assumir e responder às demandas de reconhecimento da multiplicidade de povos e culturas, de opções de modos de vida, que caracteriza nosso diversificado e heterogêneo continente.
Todo programa para a América Latina e o Caribe, portanto, deve ter como orientações prioritárias a superação da pobreza e das desigualdades; a recuperação cultural e o fortalecimento de diferentes opções de vida; e a obtenção de modalidades de uso dos recursos que, reconhecendo os rígidos limites conferidos pelo planeta, nos permita construir um futuro ambientalmente sustentável.
A experiência da região nas últimas décadas sugere que não são precisamente as políticas liberalizantes orientadas pelo Consenso de Washington que mais favorecem o crescimento. Tampouco o modelo de globalização orientado pelo mercado é a melhor garantia de preservação e vitalização das múltiplas tradições culturais, nem a diversidade e riqueza biológica e ambiental tornam possível a vida.
Durante as décadas de 1960 e 1970 – período em que foram aplicadas políticas de desenvolvimento e de substituição de importações – o crescimento econômico anual médio do continente foi muito superior aos níveis de crescimento médio desde que foram generalizados as políticas de ajuste estrutural, as liberações e os modelos de crescimento para fora.
Na concepção que serviu de fundamento a todas as negociações da Alca prevaleceu um forte fundamentalismo cultural liberal, bem como um enviesamento ideológico que, em todo caso, considera preferível o mercado a qualquer outra forma de regulação social ou critério de atribuição de recursos. Não são levadas em consideração a história e a rica pluralidade cultural de nossa região e são ignoradas as formas em que o Estado interveio em todas as experiências históricas de desenvolvimento capitalista consideradas como exitosas.
O tema das relações entre mercado e Estado, e outras modalidades de regulação social e de construção de tecido de vida enraizados na diversidade de contextos culturais, não é um assunto que possa ser resolvido de uma vez por todas para todas as futuras situações e todas as conjunturas sobre a base de supostos teóricos ou políticos gerais. A pertinência de maiores ou menores níveis de regulação ou intervenção social e a diversidade de respostas a partir dos múltiplos âmbitos dos povos e das culturas são temas abertos sobre os quais se tem de decidir de acordo com as condições que estão se modificando permanentemente.
Isto tem a ver tanto com as alternativas políticas em que votem os eleitores a partir da avaliação das orientações programáticas oferecidas pelos diferentes candidatos e partidos, quanto com as opções culturais que definem os modos de vida dos diferentes povos do continente. Sem essa condição dificilmente poderíamos falar de democracia política ou de democracia no terreno cultural. As políticas de liberalização e ajustes estruturais não podem, portanto, ser estabelecidas como compromissos irremovíveis em longo prazo. Isso significaria um esgotamento extraordinariamente severo dos limites futuros da vida democrática.
Por tudo isso, é necessário reintroduzir o tema do papel do Estado e das políticas públicas como condições sem as quais não seria possível alcançar a meta desejada de uma sociedade culturalmente plural, eqüitativa, democrática e ambientalmente sustentável.
Urgente e indispensável é, igualmente, reconhecer, proteger e impulsionar outra multiplicidade de formas de organização e gestão social autônomas, baseadas na reciprocidade, na solidariedade e na autonomia que percorrem o continente americano.
A submissão de todas as formas produtivas a uma lógica unidimensional de mercado e a critérios de produtividade definidos por modelos internacionais soterraria irremediavelmente as bases materiais da reprodução da rica diversidade cultural do nosso continente.
Essa visão unilateral – base da Alca – tanto do modo de vida que todos os povos devem alcançar quanto dos únicos meios em que se deve avançar para obtê-lo, entra em franca contradição com as orientações básicas do regime internacional dos direitos humanos, amparados em seus instrumentos jurídicos mais representativos, como o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, ou o Acordo n. 169 sobre os povos indígenas e tribais em países independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Documento elaborado pelo Ministério da Produção e Comércio da República Bolivariana da Venezuela.
EDIÇÃO 76, DEZ/JAN, 2004-2005, PÁGINAS 52, 53