Brutal e generalizada ofensiva contra os povos e nações
Estamos aqui reunidos no Quinto Fórum Social Mundial para manifestar a vontade soberana dos povos, através das suas entidades associativas, e para expressar anseios e sonhos de um mundo melhor, com a convicção de que juntos podemos construir uma nova vida para esta e as futuras gerações.
Renovamos, aqui, nossa crença nos valores humanistas – liberdade, justiça, progresso social, autodeterminação. Acima de tudo viemos celebrar a Paz. Não a paz dos submissos e rendidos, que não é paz, mas aceitação da força dos poderosos. Não a paz da conciliação com os que semeiam guerra – pois seria trair os ideais dos que morreram lutando.
Celebramos a paz dos irredentos, dos insurgentes, dos povos em luta, dos militantes sociais, dos que não se silenciam nem se contêm nos esforços para impedir a barbárie, a degradação da humanidade, o estancamento da civilização.
Há pouco mais de dois anos, durante o Fórum Social Europeu realizado em Florença, os militantes sociais ali reunidos decidiram convocar os povos para se manifestarem em uníssono contra a guerra então preparada pelos Estados Unidos contra o Iraque. A convocatória teve um estupendo êxito. Em 15 de fevereiro de 2003 milhões de pessoas de mais de 70 países saíram às ruas simultaneamente com a bandeira da paz. Nunca se registrou algo semelhante. Com toda certeza, o mundo já não seria o mesmo depois desse dia. Produziu-se um salto de consciência, arraigou-se nos povos a convicção de que é necessário impedir a guerra. Aqueles acontecimentos conferiram um sentido novo e revolucionário ao movimento pela paz.
O Cebrapaz (Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz) é um rebento do 15 de fevereiro de 2003. As principais cidades brasileiras também foram palco de manifestações. Multiplicaram-se os comitês pela paz, sendo a nossa entidade parte do esforço de muitos para que o movimento social no Brasil faça parte do empenho que se observa mundo afora.
A humanidade vive, neste início de século, sob o impacto de uma brutal e generalizada ofensiva contra os povos e nações soberanos. É o período mais caótico, inseguro e ameaçador da história – no qual a própria sobrevivência da humanidade se encontra em perigo. É longa a lista de atos de enorme gravidade nos primeiros anos deste século.
Foram realizadas duas guerras de agressão, chamadas de preventivas, contra o Afeganistão e o Iraque. Esta última, que prossegue na forma de ocupação de um país por tropas estrangeiras, massacrando as populações civis, torturando prisioneiros e bombardeando cidades e povoados, constitui-se em flagrante ilegalidade e violação das normas internacionais. E é também o resultado de uma rematada mentira: estaria sendo deflagrada para caçar terroristas e encontrar as armas de destruição maciça.
Assiste-se hoje à desenfreada militarização da vida. A colossal máquina bélica da maior superpotência militar do planeta, os EUA, consome quase 500 bilhões de dólares anualmente e corresponde aos gastos militares de todo o restante do mundo. Os imperialistas estadunidenses continuam buscando o monopólio das armas nucleares, revogando tratados. Dispostos a levar adiante planos expansionistas, aumentam o poder de fogo da OTAN e estendem seu raio de atuação no rumo do Leste.
As Nações Unidas foram desmoralizadas pela superpotência guerreira, sendo reduzidas a papel burocrático e decorativo. Consideradas irrelevantes, incapazes de exercer suas responsabilidades como garantidoras da solução pacífica dos conflitos internacionais, foram superadas pelo exercício de uma política externa unilateral e impositiva pelos EUA.
O mundo se tornou mais perigoso com a reeleição e a posse de Bush para um segundo mandato. Agora, além de se arrogar o direito de fazer guerras preventivas, o imperialismo norte-americano anuncia a chamada “cruzada da liberdade”, com a qual pretende, em nome de um fantasioso combate às tiranias, arremeter contra qualquer país que considere “ameaçador” para os seus interesses. É a esse objetivo que serve o plano de “redemocratização” do Oriente Médio, como também o de “transição democrática” em Cuba. No discurso de posse de Bush e de sua secretária de Estado, ficamos conhecendo sua intenção de agredir a Cuba socialista, a Venezuela bolivariana, a Síria, o Irã, a Coréia, assim como seu objetivo de permanecer no Iraque maquiando a ocupação através de um governo fantoche e da presença de tropas supostamente multinacionais.
Ao proferir semelhantes ameaças e cometer semelhantes crimes de lesa-humanidade, Bush se torna réu no grande Tribunal dos Povos. Por esse motivo lançamos neste quinto Fórum Social Mundial a campanha para que todos assinem e levem para seus lugares de atividade o abaixo-assinado que levaremos à ONU em setembro deste ano pedindo a condenação de Bush por crimes de guerra.
Ao nos engajarmos na luta pela paz, reafirmamos nossos ideais e métodos democráticos. Mas não nos deixamos enganar pelo falso discurso de guerra ao terrorismo proclamado por Bush e seus aliados. A chamada guerra infinita ao terrorismo é levada adiante através do terrorismo de Estado. Seu resultado é o horror infinito para os povos. Sendo democráticos e atentos às ameaças de guerra feitas pela equipe de Bush, não nos acovardamos. Seu império é agressivo e belicista, mas não é onipotente nem invencível.
Acreditamos na capacidade de mobilização dos povos, na elevação da sua consciência, na possibilidade de sua união e nas potencialidades da sua luta.
Com estas convicções, neste quinto Fórum Social Mundial proclamamos nosso apoio à luta e à resistência dos povos por democracia, soberania, progresso social desenvolvimento e PAZ. Nosso apoio à luta pela retirada de todas as tropas de ocupação do Iraque. Nossos protestos contra os planos agressivos e de expansão da OTAN. Nossa solidariedade à resistência de Cuba e da Revolução bolivariana da Venezuela. À libertação da Palestina e de todos os países pacíficos que lutam pelo desenvolvimento e pela construção de uma nova sociedade.
Viva a luta pela Paz!
Viva a solidariedade entre os povos!
Socorro Gomes é ex-deputada Federal e presidente do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz). Este texto reproduz sua intervenção por ocasião do V Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre.
EDIÇÃO 77, FEV/MAR, 2005, PÁGINAS 61, 62