O Governo brasileiro, através de sua Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, promoverá, em outubro próximo, a VII Rodada de Licitações de Blocos de Petróleo. Tal como em outras vezes, surgem críticas. Questiona-se a correção das licitações, além de pontos específicos dos leilões. O número de críticos é cada vez menor, mas seus argumentos devem ser examinados, pois procuram levantar a idéia de que interesses nacionais não estariam sendo contemplados.

Desnecessário insistir no papel estratégico que o petróleo teve e tem no mundo contemporâneo, como energético fundamental, não-renovável – pelo qual continuam a ocorrer disputas e guerras.
O Estado brasileiro percebeu, desde os albores do século XX, que a atividade petrolífera envolvia dois critérios fundamentais para o país: a soberania nacional e o desenvolvimento. Por isso, na década de 1950, alterou o modelo brasileiro para o setor do petróleo e gás: a União, a proprietária das jazidas de óleo e gás, executaria as atividades de exploração, produção, transporte, exportação, importação e refino do petróleo através de uma estatal criada para esse fim, a Petrobras. Esta empresa, depois de cinco décadas, e a despeito de vários obstáculos, transformou-se em uma das maiores petrolíferas do mundo, orgulho nacional, símbolo da saga vitoriosa de nosso povo. No que diz respeito aos dois critérios fundamentais, ela tem sido, e é, fator de afirmação da soberania nacional e do desenvolvimento do país.

Na Constituinte de 1987-88, grande foi a pressão para que fosse extinto o monopólio exercido pela Petrobras nas atividades básicas de petróleo e de gás. Mas setores diversos se mobilizaram e formaram uma verdadeira frente política em defesa da estatal, com parlamentares, técnicos da empresa e representantes sindicais de petroleiros. A trincheira avançada dessa luta situou-se no Congresso Constituinte. E foi vitoriosa.

Cinco anos mais tarde, na Revisão Constitucional, o assunto voltou à baila. Novamente, forças se confrontaram, quase toda a Revisão foi derrotada, a Constituição de 1988 escapou e o monopólio exercido pela Petrobras sobreviveu.

Em 1995, idéias neoliberais inundaram a América Latina. A experiência de Fernando Collor de Melo, frustrada pela ocorrência de seu inesperado e compulsivo hábito de malversar bens e costumes, foi retomada sem esses ingredientes, por Fernando Henrique Cardoso. Voltou à cena, não só retirar da Petrobras a exclusividade no exercício das atividades asseguradas pela Constituição, como a própria privatização da empresa passou a ser discutida.

Mais uma resistência foi articulada no Parlamento – mas, dessa vez com dificuldades. A participação das entidades petroleiras, nesse novo momento, foi meramente residual. A movimentação de técnicos da empresa diminuiu bastante. E, em decorrência disso, diminuiu o número e o entusiasmo de parlamentares na defesa da estatal. O grupo que permaneceu firme e atuante foi pequeno. Terminou a Petrobras escapando como empresa estatal, mas a Constituição foi alterada e o monopólio constitucional exercido pela Petrobras nas atividades básicas do setor do petróleo foi suprimido. Curioso é não ter havido protestos significativos(1).

Daí por diante mudanças foram se acumulando no setor. Uma lei foi aprovada no Congresso Nacional, a 9478/97, que passou a ser conhecida como Lei do Petróleo. Foram criados o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Foi extinto o Departamento Nacional de Combustíveis ( DNC). Toda uma metodologia nova passou a ser definida e posta em prática para regular as atividades de pesquisa, exploração, produção e refino de petróleo, assim como distribuição e revenda de seus derivados. O gás também foi tratado nessa nova regulação que agora abarca os biocombustíveis. Dezenas de Portarias e Resoluções passaram a definir os novos parâmetros reguladores do setor de petróleo e gás no Brasil.

Um formato novo foi surgindo no setor. O quadro se alterou substancialmente. Enquanto há sete anos o cenário era o da presença de uma grande e única empresa explorando e produzindo petróleo em todo o Brasil – a Petrobras –, agora, 39 empresas estão presentes, dez brasileiras, incluindo a Petrobras, 29 estrangeiras, em diferentes graus associadas à estatal brasileira.

O tempo que esse novo modelo do setor do petróleo e gás tem no Brasil é ainda muito pequeno para um balanço mais consistente: sete anos apenas. Entretanto, se nesse período a Petrobras estivesse perdendo força, absoluta ou relativa, se o capital nacional estivesse sendo alijado do setor de petróleo, se a própria indústria do petróleo estivesse definhando, ou, por outra, se os pressupostos de nossa soberania no setor do petróleo estivessem se deteriorando e se o desenvolvimento do país não estivesse se beneficiando da atividade desse setor dinâmico, então, já seria oportuno suspeitar desse modelo e contestá-lo.

Na realidade, os que batalharam desde o início, dentro e fora do Parlamento, contra as mudanças empreendidas no setor do petróleo, partiam principalmente da expectativa de que, com as mudanças, a Petrobras seria enfraquecida e, em perspectiva, até privatizada, no todo ou em partes. A soberania brasileira e o desenvolvimento do país seriam prejudicados.

Entretanto, o que ocorreu nos últimos anos foi diferente. A Petrobras se fortaleceu substancialmente, internacionalizou-se, passou a estar em 15 países. Suas reservas de petróleo praticamente dobraram, saindo de um pouco mais de 6 bilhões de barris para cerca de 13 bilhões. Sua produção bateu diversos recordes, passando de 870 milbarris/dia para chegar a um milhão e oitocentos mil atualmente. Seu valor de mercado, antes de aproximadamente R$ 30 bilhões chegou a R$ 113 bilhões declarados pelo ex-presidente José Eduardo Dutra na posse do novo presidente Gabrielli. O “pensamento humano” de que a Petrobras seria enfraquecida no novo formato não “teve correspondência em uma verdade objetiva”, e a “teoria” do enfraquecimento não foi “comprovada” na “pratica”.

Ademais, o capital privado nacional, antes inexistente em exploração e produção de hidrocarbonetos, ainda tem pouca presença; mas já existe, representado pelas nove empresas hoje aí atuantes, cujo número tende a crescer.

Alteraram-se também, e muito, os indicadores gerais da indústria do petróleo no Brasil. Sua contribuição no Produto Interno Bruto Brasileiro de 2,7%, em 1997, passou a 9,05%, em 2004 –, uma expansão de 318,2% enquanto o PIB cresceu 26,8%. As participações governamentais, há sete anos atrás, restringiam-se a royalties, que chegaram ao montante de R$190 milhões, em 1997. Esses royalties foram acrescidos das PEs (Participações Especiais) e, em 2004, royalties e Participações Especiais, somados, ultrapassaram a marca dos R$ 10,3 bilhões – distribuídos entre setecentos e noventa municípios, dez estados e, ainda, beneficiando os ministérios da Ciência e Tecnologia, Minas e Energia, Meio Ambiente e o Comando da Marinha. Cerca de R$ 52 bilhões foram recolhidos em impostos diretos em 2003.

A análise de outros dados concretos vai nos revelando as verdadeiras necessidades, potencialidades e viabilidades do setor do petróleo e gás.

Temos 5,5 milhões de Km2 de bacias sedimentares, 4,3 milhões em terra. São situações em que petróleo e gás podem ocorrer. No momento, há exploração e produção em 180.000 Km2, ou seja, em cerca de 3% dessa área potencialmente petrolífera. O nosso próprio conhecimento científico – geológico e geofísico – dessas regiões é muito pequeno, em torno de 7%. Disso sobressai uma primeira conclusão: conhecer e explorar o vasto território dessas bacias é interesse nacional fundamental e vital para sabermos que riquezas verdadeiramente temos e como pô-las a serviço da Nação.

Contudo, por força de lei, qualquer empresa – inclusive a Petrobras –, que pretenda explorar e produzir petróleo ou gás no Brasil fora das áreas onde hoje já se encontra, terá de ir a uma licitação e então ganhar o direito de pesquisar e produzir petróleo em área nova, segundo os termos de um Contrato a ser assinado com a ANP, em nome do Estado brasileiro.

Qualquer outra hipótese implicaria em romper com o Estado de Direito no qual estamos ou dependeria de uma mudança na legislação. Excluída essa hipótese de ruptura, restaria observar que a eventual mudança de legislação implicaria em uma força política que hoje nem se esboça, inclusive porque não há indicadores de sua necessidade, nem setores de alguma expressão que a estejam defendendo.
O desafio está em furar poços, já que este é o teste definitivo da exploração. E o nosso déficit em poços é grande. Enquanto os Estados Unidos têm mais de 4 milhões de poços perfurados, em uma área sedimentar mais ou menos igual à nossa, temos 22 mil poços, quantidade que Canadá ou Estados Unidos perfuram aproximadamente em um ano.

Por isso, o Governo do presidente Lula deliberou perseverar na realização de novas Rodadas de Licitações de blocos de petróleo, fazendo ajustamentos e aperfeiçoamentos. A quinta Rodada foi concluída nesse Governo, em 2003. A sexta, em 2004, foi programada e efetivada no novo quadro político brasileiro e a sétima está programada para outubro vindouro.

Nos cinco primeiros leilões foram apresentados 1006 blocos, dos quais 189 foram arrematados. Os outros não receberam ofertas. A Petrobras arrematou 77% dos 189 blocos. Os 23% restantes ficaram com empresas estrangeiras e brasileiras, quase todas em sociedade com a Petrobras.

Na preparação da VI Rodada surgiram idéias de que estariam sendo postas em leilão áreas onde a Petrobras já descobrira petróleo e que havia intenção de “entregar” essas áreas às multinacionais. Essas idéias ficaram restritas a círculos estreitos. Mas sobreviveram, em certa medida, porque também os níveis oficiais não se dedicaram a esclarecê-las cabalmente e em tempo, tendo-se que registrar, contudo, a iniciativa da então ministra de Minas e Energia Dilma Roussef de realizar esclarecedora reunião, às vésperas da VI Rodada, com dirigentes da Federação Única dos Petroleiros, com os ministros Jaques Wagner, Luiz Dulci e eu próprio, na qualidade de diretor da ANP.

Realizada a VI Rodada, ficou patenteado não ter sido posto em licitação nenhum bloco onde a Petrobras já tivesse encontrado petróleo e que, de acordo com as instruções do Ministério de Minas e Energia à ANP, foram leiloados 913 blocos, distribuídos em doze bacias sedimentares, 619 em mar e 294 em terra. Desses, 60% dos blocos do leilão estavam em áreas de “novas fronteiras”, 33% situavam-se em bacias maduras e 7% dos chamados “blocos azuis”, de elevado potencial. Sobre estes últimos recaía a maior suspeição: “iriam ser entregues “de mão beijada” às multinacionais”, houve quem questionasse.

A Petrobras arrematou, sozinha ou com sócios, 107 blocos, 71% de todos os licitados, 61 no mar e 46 em terra. Tomou, assim, posições em 52% dos blocos licitados em terra e em 94% dos licitados em mar, onde estavam os “blocos azuis”.

O risco de as multinacionais levarem “de mão beijada” a quase totalidade dos blocos leiloados não se configurou – era uma fantasia, na verdade nunca existiu.

Avizinha-se agora a sétima Rodada. Afora as críticas gerais recorrentes, tratadas acima, e que tendem a sucumbir ante os fatos objetivos, algumas questões localizadas estão sendo discutidas no âmbito do Ministério de Minas e Energia, na ANP e com os que desejam o aperfeiçoamento dos processos.

A primeira delas trata do conteúdo nacional a ser estabelecido como critério das propostas. Dito conteúdo continuará, sem dúvida alguma. O que muda é a forma de aquilatá-lo, já que a experiência da Sexta rodada mostrou vulnerabilidades. O conteúdo local será posto como critério obrigatório, eliminatório, com índices maiores ou menores de acordo com a situação de os blocos estarem em terra ou em águas rasas ou profundas.

Na Sétima Rodada, que segue as diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética, serão oferecidos 1.134 blocos, 509 em terra e 625 no mar, 87 dos quais de elevado potencial.
O formato do leilão seguirá o das rodadas anteriores, com naturais aperfeiçoamentos. Mas a Sétima Rodada terá uma inovação.

Isso porque o modelo atual do setor do petróleo e gás no Brasil está estruturando também um novo formato empresarial no setor do petróleo. No grupo das 39 empresas, brasileiras e estrangeiras, presentes hoje em exploração e produção, é diminuto o número das pequenas e médias empresas, especialmente brasileiras. A abertura do setor do petróleo no Brasil atraiu, até agora, fundamentalmente, grandes empresas.

Evidentemente, não se pode prescindir de grandes empresas no setor do petróleo, destacadamente na exploração e produção e nas condições geológicas brasileiras. Mas a dificuldade em se atrair a pequena e média empresa para a produção petrolífera é uma debilidade estrutural que a Sétima Rodada tentará reverter oferecendo pela primeira vez no Brasil áreas inativas com acumulações marginais. São campos que já produziram petróleo, ou onde já houve esforço exploratório, e que foram devolvidos à ANP. A Agência, atendendo à resolução nº 2/2004 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), está incluindo, na Sétima Rodada de Licitações, 17 dos 54 campos atualmente em seu poder com o objetivo de motivar pequenas e médias empresas a investirem na produção de petróleo em bacias terrestres maduras.

A pretensão da ANP é induzir o surgimento, com número expressivo de agentes, de uma categoria inexistente até então no país: a dos pequenos e médios produtores de petróleo. Nos Estados Unidos, ao lado de mega-empresas, existem em torno de 23 mil outras de capital médio ou pequeno, chamadas de “independentes”. Essas, isoladamente, tiram pouco óleo, mas em conjunto contribuem com 40% da produção americana e empregam 300 mil trabalhadores. Têm, assim, elevado significado econômico e social.

Se na seqüência dessa iniciativa surgirem pequenos produtores de petróleo e aumentar o número dos médios, estaremos construindo um setor petrolífero mais complexo e moderno, com a presença da Petrobras, de grandes grupos em geral a ela associados, mas que podem atuar sozinhos, e de uma plêiade de pequenos e médios produtores de petróleo. Ganham a economia, o ramo do petróleo e a oferta de trabalho.

Finalmente há a questão da exportação do óleo que ocorreria inevitavelmente depois que as multinacionais do petróleo tivessem arrematado blocos do leilão.
Esse é um problema cujas decisões estão com o Poder central, que tem em mãos expedientes legais que, se acionados, podem rapidamente debelar eventuais ameaças.

A Lei 9478/97 criou o Conselho Nacional de Política Energética que define a política energética do país. Dita lei estabelece, em seu artigo segundo, a “atribuição” do CNPE de “propor ao Presidente da República” “medidas específicas destinadas a promover o aproveitamento dos recursos energéticos do País, em conformidade com os princípios enumerados no capítulo anterior”, sendo que, o primeiro desses princípios é o de “preservar o interesse nacional”. Além do mais, os Contratos de Concessão a serem assinados por todas as concessionárias prevêem, em seu item 11.5 que, “se em caso de emergência nacional, declarada pelo presidente da República ou pelo Congresso Nacional, houver necessidade de limitar exportações de petróleo ou gás natural, a ANP poderá (…) mediante solicitação por escrito, com 30 dias de antecedência, determinar que o concessionário (…)” reduza ou suspenda a exportação. Ou seja, a ANP, que executa a política do Governo central, pode, com uma mera notificação, encaminhar medidas de conter exportação se o interesse nacional assim o exigir.

Haroldo Lima é vice-presidente do PCdoB e diretor-geral interino da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Nota
(1) Como Líder da Bancada do PCdoB, participei dessas três batalhas em torno da Petrobras: na Constituinte de 1987-88, na “revisão” de 1993-94 e no processo que resultou na Emenda Constitucional número 9, que abriu as atividades do petróleo para empresas estatais e privadas. A frente em defesa da Petrobras funcionou praticamente em meu gabinete e depois em sala por meu intermédio liberada. Pronunciamentos diversos que fiz nessas oportunidades estão publicados nas separatas: “Em Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo e do Sistema Petrobras”, 1994; “A Petrobras na Alça de Mira”, 1995; “O Brasil Ameaçado”, 1995. Especialmente em “A Petrobras na Alça de Mira”, chamo a atenção para a diminuição gradativa da mobilização em defesa da Petrobras na frente Parlamentar: foi grande, na Constituinte, pequena na “revisão”, diminuta na “quebra do monopólio”. Lá está dito: “As entidades dos petroleiros mobilizaram-se em nível insuficiente na “revisão”; “Decididos na defesa da Petrobras (…) estiveram o PCdoB, o PDT e o PSB. O PT (…) apoiou sempre essa luta, mas com pouca desenvoltura. Dos grandes partidos, só setores participaram (…)”; “Em diferentes oportunidades o PCdoB ficou em obstrução solitária”. (pp. 19 e 20)

EDIÇÃO 80, AGO/SET, 2005, PÁGINAS 71, 72, 73, 74, 75