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    Comunicação

    Heia, rimas do Homem e da Biosfera!

    Especialmente dedicado aos alunos, Professores e pais de alunos da Escola Estadual Dalcídio Jurandir, em Ponta de Pedras; e de todas mais escolas das ilhas do Marajó, na preparação ao Centenário de nascimento do escritor marajoara.   Construindo a idéia da reserva da biosfera do Arquipélago do Marajó Camaradas, camaradas, aleluia! Farinha no prato e […]

    POR: Redação

    12 min de leitura

    Especialmente dedicado aos alunos,
    Professores e pais de alunos
    da Escola Estadual Dalcídio Jurandir,
    em Ponta de Pedras; e de todas mais
    escolas das ilhas do Marajó,
    na preparação ao Centenário
    de nascimento do escritor marajoara.

     

    Construindo a idéia da reserva da biosfera do Arquipélago do Marajó

    Camaradas, camaradas, aleluia!
    Farinha no prato e peixe na cuia
    Fui remando devagar de bubuia
    Pra amarrar na beira mea canoa
    A idéia faceira e tão boa
    Que agora a gente vai contar:

    breve história do “Araquiçaua”
    Era uma vez o homem do mato dito “bom selvagem”
    O famoso guerreiro tremendão
    Tupinambá! Olha lá, aonde vai chegar.
    Sem o índio danado a gente
    Estava lascado no mato sem cachorro
    A bom pedir socorro a Deus e aos homens
    Lá de riba no Governo do mundo.

    Foi ele, sim senhor; quem carregou
    No ombro o soldado, o padre e o doutor
    Que andaram paresque em andor
    Que nem santo de barro com cuidado
    Pra não se quebrar no caminho
    Mato adentro cheio de espinho
    Bem devagarinho, que nem menino
    Levado pela mão
    Rio abaixo e rio acima na panacarica
    A bom remar e rimar no cabo do remo
    Até os confins da conquista do país das amazonas…

    Deixa estar que o bom tupinambá
    Não era índio de brincadeira,
    De carnaval ou do Boi no terreiro…
    Com ele o tapuia não caia na besteira
    De conversar na boa, era pau a pau.
    O diabo era o tupi canibal
    Caçador de escravo a troco de nada.
    E o pior de tudo dessa guerra
    Na terra de nosso avô Tapuia
    Que o tupinambá comeu muita gente
    Assada no moquém
    E bebeu sangue vivo sem motivo
    Só e só pra conquistar
    A ilha do homem chamado Marajó
    O índio brabo dito abaeté
    Atravessava a baía em ubá
    Escondia-se no igarapé
    Mas a gente da ilha esperta
    Revidava levando a guerra a bordo de igarité:
    Nessa contradança doida
    Que nem leseira “Remo x Paysandu” de secador
    O conquistador tarado não se fez de rogado
    Matou nosso avô, se amigou
    Com a nossa avó.

    Mas, a estória não ficou assim:
    Se não me falha a memória o povo da ilha
    Filha da pororoca foi à forra.
    Cá t'espero meu canibal danado!
    O Nheengaíba valente armado até o dente
    Não vacilou: quieto esperou o inimigo
    Com a zarabatana de paxiúba,
    O estrepe de patauá envenenado de 'curabi'
    Zup! O guerrilheiro emboscado
    Aparece de repente à frente do outro
    E assopra a seta e acerta em cheio…
    Lá se foi o tremendão rolando
    Tonto pelo chão até a morte.

    Aquilo era um mistério, um terror
    Que o bom selvagem não atinava
    Com o poder do pajé açu que preparou
    Esse veneno tremendo (na verdade
    uma velha matriarca dona do Medo
    e senhora do segredo fatal da Jararaca,
    a temida bruaca da tribo: Matinta Pirera!):
    Assim ficou sendo
    Diz-que o “homem malvado”, Marajó:
    Aruã, Anajá, Mapuá, Guaianá, Muaná
    Samanajá e outros mais guerrilheiros ilhanos
    Pela exigência da luta biruta, na paz 'sumanos'
    Que na língua-boa Nheengatu do invasor
    Eram “nheengaíbas”, povo Língua-ruim chamado
    Na verdade, o destemido e bonito povo Nuaruaque.

    Oh, por Deus! Veja se presta
    Estragar a hora da sesta
    Pra continuar essa guerra agora
    Que somos todos parentes da mesma
    Gente e família misturada
    Que deu na “raça” dos Cabocos
    Saídos do oco do mato
    Cheios de bicho de pé e carrapato.

    Por essa via dolorosa arruinou-se a Roça-Comum
    Dos povos ribeirinhos e o pirão dos meninos
    Foi aberta a brecha por onde entrou a Dor
    O colonizador arrastando ao tronco
    O negro escravo arrancado do seio
    Da mãe África
    Pra carregar a cruz em lugar do índio
    No calvário amazônico.

    Você acha isto direito?
    Mas por que diabos esta estória começou
    Assim, sem pé nem cabeça?

    Aqui não havia “índios”, nem “pretos”, nem “brancos”…
    Éramos todos farinha do mesmo saco
    Gente da mesma laia na humanidade em flor
    A mesma comunidade “Ananatuba”
    Vivendo sem nenhum favor, livre de qualquer temor
    A não ser o Trovão e o bicho do fundo
    Este maior perigo do mundo.
    Nossos ancestrais eram duma humanidade
    Filha da animalidade misteriosa e divina ao mesmo tempo.
    Doze mil anos nos contemplam neste cenário
    Onde o antepassado marajoara inventou
    A primeira cultura da Amazônia.

    A Cobra grande abriu rios, igarapés e furos
    Fez e desfez ilhas, aluiu a terra-firme
    Trouxe peixes no bucho que depois viraram gente
    Pra comer farinha com a boca cheia de dentes.
    Ela nos deu a primeira noite do mundo
    Pra consolar as fadigas daquele dia enorme
    Desconforme
    A noite marajoara com as estrelas
    Que nascem do ventre da baía escura
    Pelo furo da Mucura.
    E a lua nua no trilho da canoa
    Que ensina a menina a fazer da vida
    O amor.

    Sabe, antão, por que se quebrou o encanto
    A maravilha no coração da Ilha filha da Pororoca?
    Porque lá fora mora o perigo: gente que anda
    À procura da sorte além do Cabo Norte
    Gente que foge do trabalho escravo, da fome,
    Doença, a velhice e a Morte…
    Vindos de muito longe esses uns
    Viram na ilha distante um paraíso perdido
    Pra conquistá-lo eles trouxeram o inferno.

    Esta miragem sem pavulagem é o Araquiçaua
    O sonho de beleza da própria mãe Natureza
    No espelho perfeito da menina dos olhos da gente
    Legado aos cabocos há muitas e muitas gerações:
    Sítio onde o sol ao fim da jornada
    Ata a rede e dorme até a madrugada
    À espera de um outro dia mais feliz
    Donde o astro desperta ao cantar do Galo
    Pra reaparecer no Icoaracy
    Delírio poético do rio Pará-Amazonas.
     

    O Araquiçaua e a renascença

    Por um fado safado saído do mato
    A metáfora da conversão das coisas:
    A mão que flechava à beça queria paz
    Quando no fim do dia
    Na hora da ave-Maria
    Via o pôr sol no leito do Araquiçaua
    Eram horas da Oração do Sol
    Reza forte desta gente do norte
    Diante do sítio sagrado encarnado
    Ao rubro sobre o azul e dourado
    Mais brilhante do que o ouro dos alquimistas
    Desde a terceira margem do rio
    Momento imaginado
    A viagem acabada de fio a pavio.

    Agora o chão da pobreza se levanta
    Espanta a tristeza com certeza
    Duma futura manhã melhor pra todos.
    E a história recomeça com a estrela D'Alva
    Quando a gente recobra a memória
    Deste nosso povo singular
    Com a idéia do Araquiçaua na cabeça
    O renascido sentimento da terra no coração
    Enquanto viajantes do tempo
    Foram parar na vila de Muaná falada
    No dia 8 de outubro do ano de 2003
    Pensando em todos vocês
    A fim de mandar um recado a Brasília
    Na Conferência Nacional do Meio Ambiente
    Expressando o pensamento da gente.

    Dizendo de maneira bacana:
    Excelentíssima Senhora dona Ministra
    Marina Morena da Silva acreana
    Aqui nas Ilhas da terra tapuia temos uma APA
    Que não ata  e nem desata
    Nós até já fizemos novena e trezena
    À Nossa Senhora da divina Conceição
    Pra ver se o que diz a Constituição
    É pra valer ou não.
    Na parte que nos toca: mingau de tapioca
    A tal de proteção ambiental
    Não tá tão legal…
    Mas isto muito nos interessa
    Se andar depressa pra vida ficar bacana
    Com a reserva da biosfera sendo sinal
    De paz e harmonia entre a fera e a gente afinal
    Como diziam os profetas do velho e novo mundo.

    O por-escrito de Muaná quase naufragou na travessia,
    Passou mal no porto quando encostou no Ver-o-Peso
    E finalmente chegou no “teso”
    Por estrada até o Planalto Central
    Cansado, desfigurado..
    Onde se perdeu na multidão de pedidos e gritos de urgência
    Dentre papéis da luta sem quartel por mais verbas
    Na babel de verbos soberbos
    Vindos dos quatro cantos do país do pau-brasil.
    Como retirante do norte o bilhete cavou a sorte
    Saindo da sarjeta pra dormir numa gaveta.


    O grito da pororoca

    Onde já se viu?
    Meia duzia de cabocos mal mandados
    A falar de negócio supimpa, lá em cima;
    Mandar bilhete à dona Marina
    Pra tratar com os brancos da Unesco
    Sem mais pedir licença ao patrão, sem segredo
    Sem medo em abuso de confiança!
    Dava a pensar que dessa vez
    Os libertos da Princesa Isabel
    Estavam querendo demais…

    Mas a Cabanagem não cansa de ensinar
    A quem quiser aprender a verdade da Cidade do Pará
    Que aqui o sentinela do Norte está atento e forte
    Ao contrário da mentira histórica e da ira colonial
    A gente ribeirinha nunca quis se separar
    Daquilo que mais buscava desde os comecinhos
    Antes dos tupinambás, holandeses, franceses e portugueses:
    A República Federativa muito ativa a abrançar
    As Ilhas e a Terra-Firme manifesta na história natural
    No país do Arapari: constelação do Cruzeiro do Sul.
    Esta é a verdadeira mensagem de Muaná
    A Conferência Nacional do Meio Ambiente de 2003
    Com o abraço brasileiro de todos vocês
    A pedir passagem e lugar a bordo do Programa MAB
    Na Organização das Nações Unidas para a Educação,
    A Ciência e a Cultura..
     

    Havia uma pedra no meio do caminho…

    Nós somos de Ponta de Pedras
    Na ilha do Marajó
    Aqui as pedras sabem o reverso da história
    Com quantas pontas se dá o nó.

    Chove em Cachoeira e Dalcído Jurandir já morreu
    Debaixo do sol de janeiro no Campinho ele nasceu
    E se foi para o Rio
    Conquistar o mundo com Alfredo sem medo de ser feliz.
    Este menino mulatinho filho de dona Amélia e o major Alberto
    Embaixador cultural das crianças nas Nações Unidas
    Representante da república literária da criaturada grande
    Do vasto Arquipélago e da imensa Terra-Firme.

    Na academia do peixe-frito se aprende sem grito
    Como foi que a pescada roubou a pedra do reino
    Do tralhoto manhoso
    Por conseguinte: quem não mergulha fundo
    Tem que haver quatro olhos para os perigos do mundo
    No ar, terra e mar…
    O caboco mora na filosofia da beiro do rio.
    O Payaçu Antônio Vieira seja louvado no elogio
    Ao Tralhoto em combate ao mal da cegueira
    Do espirito de porco.
    Eis a “pedra” da história, pessoal!
    A pedra da Pedra no Ver-o-Peso que empata
    O progresso desta gente da beira do Mercado.

    A pedra se remove com a magia do caroço de tucumã
    Mas, sobretudo, com a claridão da Primeira Manhã
    Na escola como passaporte ao mundo lá fora
    Onde se há de saber que o melhor lugar do mundo
    É a nossa aldeia ancestral, verdadeira escola da vida:
    Por que, paresque, a história dos povos existe
    Pra contrariar o script de acadêmicos impolutos,
    O ditado caduco dos barões,
    A esperteza sofisticada da técnico-burocracia…

    Tira-se a pedra do caminho com a lição de Nelson Mandela
    Em mente da gente sem história
    Restaurando a utopia do Bom Selvagem,
    O mito da Primeira Noite do Mundo
    O sebastianismo pós-moderno
    Que liberta o luso-tropicalismo
    Do fado de Casa Grande & Senzala
    E converte o inferno verde em novo Éden.
    Tudo isto mestiçado com carinho
    Como a mãe tira espinho da ferida do filho.

    A demanda da Reserva da Biosfera do Arquipélago do Marajó
    Encerra toda história desta gente desde as origens ancestrais
    E a remete às futuras gerações nas metas do Milênio:
    Por elas afinal
    Alfredo recomeçará a procura da Terra sem mal
    O lugar do eterno Futuro no jogo do caroço de tucumã
    Onde não há trabalho escravo, fome, doença, velhice e morte.
    Uma nova busca através da Ciência e da Tecnologia
    Orientadas pelos valores do Homem e o respeito à Natureza.

     

     

    José Varella Pereira, Belém 22/8/2007
    aos 103 anos de nascimento do caboco pontapedrense
    RODOLPHO ANTONIO PEREIRA, meu pai.