Vivendo em um mundo empesteado por uma avalanche de mentiras ou de verdades cruéis ou inúteis, é necessário refletirmos sobre como podemos fazer de nossa fala, onde quer que estejamos, um instrumento disseminador de honestidade, amabilidade e pureza. Ou, se não estivermos atentos, de como nossos escritos e conversas podem se transformar em emoções tóxicas, impregnadas de maldade ou de venenosa inutilidade.

      Até porque, por simples automatismo, apenas cedendo à força do costume, ou da inércia, uma pessoa pode se transformar em um centro irradiador de sensações e emoções desagradáveis, a partir do modo mecânico e perverso com que vive a trair a verdade, ou a proferir “verdades” perversas e amargas, sem qualquer préstimo ou valia para si mesmo, ou para as pessoas à sua volta. Lamentavelmente vemos mais pessoas comportando-se deste modo, a atentar contra a verdade ou sendo perversas ou desagradáveis, do que o contrário. São poucos os que, tendo acessado  por experiência direta uma verdade reveladora e transformadora, silenciam sobre a revelação que tiveram, sabendo ser impossível transmitir uma experiência que não pode ser obtida de segunda mão. Falar sobre os vislumbres do esplendor que tiveram seria protagonizar um lamentável espetáculo de vaidade espiritual. É comum – e constrangedor – vermos pessoas envaidecendo-se de serem humildes, ou de serem caridosas. O ensoberbecer-se de ser o que não são, mata a virtude que poderia existir em sua falsa qualidade.

      O mais que vemos é o multiplicar da fogueira das vaidades, não só nos meios artísticos,  intelectuais e acadêmicos, onde este tipo de incêndio é costumeiro, mas também nos auto-qualificados “ambientes espirituais” ou religiosos, onde grupos de pessoas pretensamente espiritualizadas, entregues a práticas e rituais devocionais, ensinam lições de desapego e humildade, sem que, em verdade, as tenham aprendido, de fato, pois que na prática negam as virtudes que pregam. Os casos de “vaidade espiritual” são inúmeros, e crescem em proporção de catástrofe demencial. Outros buscam o estilo picaresco ou satírico para destilar ressentimentos, fazendo que desabe sobre as pessoas sacos e mais sacos de maldade. Alterando ligeiramente o nome das vítimas de seu ódio enrustido, mas cuidando que possam ser facilmente reconhecidas, escondem-se atrás da covardia do gesto – o de atacar sem assumir que o fez.

      Sofremos quando nossos desejos não são satisfeitos, ou quando somos privados de obter satisfação ou prazer. No fugir das sensações dolorosas, e no buscar ter experiências que propiciam prazer, a consciência faz seu caminho, no drama cósmico do existir. O mundo ideal, para a consciência egoísta, é aquele que propicia a satisfação de todas as pulsões insensatas, que nos levam aos mais profundos abismos. Os que iludem aos outros e a si mesmos proclamando-se lúcidos e despertos condutores de consciências não teriam tamanha certeza de sua “elevada espiritualidade” se soubessem o que escreveu Gurdjieff: “O despertar de um homem começa no instante em que se dá conta de que não está indo a parte alguma, e não sabe para onde ir”.

 Brasigóis Felício, é goiano, nasceu em 1950. Poeta, contista, romancista, crítico literário e crítico de arte. Tem 36 livros publicados entre obras de poesia, contos, romances, crônicas e críticas literárias.