Penso, logo insisto: o jargão “pensar globalmente, agir localmente” precisa ser, verdadeiramente, ecológico-economista. Produzir – distribuir – consumir, não é brincadeira, não… Merece, no mínimo, complementação lógica: pensar o lugar, inter/agir no global… Em verdade eu vos digo: small is beautifull. Uma velha máquina de costura 'Singer' no sertão é mais socioambientalmente produtiva do que um navio cheio de roupas em tecido sintético made in China vendidas a crédito com juros e prestações a perder de vista e terminar com nome sujo no Serasa da praça… Na floresta chuvosa 25 milhões de amazônidas espalhados em capitais com mais de um milhão de habitantes, cidades de grande, medio e pequeno porte, povoados, fazendas, sítios, aldeias e nenhuma fabriqueta de guarda-chuvas… Tudo vem farto e barato da longínqua China via Paraguai e uma rede enorme de camelôs refugiados econômicos da reforma agrária das calendas gregas e do agronegócio de vento em popa, que manda soja e minérios a dita China e outros gigantes da indústria mundial da poluição e do crescimento acelerado. Porque isto de refletir o mundo e seguir a lição (colonial) para o fazer local é o que o(s) império(s) tem feito-e-refeito há 500 anos.

      O homem foge de si em mal de convivência com os outros e consigo mesmo. Exorcizando o diabo alheio, esconde seu demônio particular. Procuramos o paraíso sempre longe, cada vez mais longe ainda e sonhamos terras prometidas e a Terra azul flutuando no espaço infinito, sem nos comprometer de fato com a terra suja e pobre em que vivemos…

      Amazonizar é preciso,  ocupar não é preciso.

      Ocupar, ocupar para não entregar… Entretando, no Brasil varonil, é preciso inventar e difundir o verbo “amazonizar”, para lembrar o modo como a Amazônia foi inventada: numa viagem em delírio e sonho, que termina por “mulheres guerreiras” botando para correr brutos aventureiros e cruéis conquistadores (1542)… Vá lá o mito importado da Capadócia e tropicalizado em difícil transe de sobrevivência! Estória mal enjambrada, é verdade, pois já tínhamos as Icamiabas (mulheres sem marido e o Muiraquitã como prêmio aos amantes em jogos de amor no lago sagrado Espelho da Lua) e as Virgens do Sol  (monjas do cerimonial do Inca, que supostamente desceram o rio Amazonas para esconder o “tesouro” do Inca na selva… Logo os espanhóis pensaram em ouro, mas  “onde tens teu coração, lá tens o teu tesouro”… Que tesouro se escondeu no coração da Floresta Amazônica que nunca o colonizador achou? Se o ouro e a prata foram arrancados com violência e força, mas um tal segredo nunca se revelou.

      Orellana e Carvajal com seus buscadores danados do tesouro Inca estavam realmente em apuros. Desertaram o acampamento do irmão do Conquistador do Peru, Francisco Pizarro, num barco improvisado cujo dono daria parte de roubo. A sombra da forca acompanhou o bergantim do descobridor do rio das Amazonas até a ilha Cubagua, no mar das Caraíbas; e daí até a corte de Carlos V, na Espanha. Na loucura da conquista da terra da Canela cairam os espanhóis na armadilha que a própria cobiça lhes preparou. De que fugia Francisco de Orellana, que ainda moço já havia perdido um olho e a razão no cerco de Cusco? Fugia ele da pobreza da Extremadura (Espanha) e da guerra recém finda contra os Mouros na península em febre de riquezas e pilhagens… Eis do que muitos outros aldeãos corriam como o Diabo foge da Cruz.

      E por isto, ele não se contentou em apenas ser dono de estalagem e alcaide em Puerto Viejo, no golfo de Guaiaquil. Veio por conta própria cair no labirinto da selva em busca de fama ao lado do primo Gonzalo Pizarro. Em desespero assassinaram índios para lhes infundir terror e obrigar a descobrir o tal tesouro, a fome lhes atormentou: comeram o gado que traziam para este fim, depois passaram às lhamas de carga, aos cães de caça, sem esta na panela serviram os mastins de almoço à tropa; por último os cavalos viraram caldo e assado. Já a pé e sem guias indígenas erraram perdidos. Comeram ervas desconhecidas e morreram alguns envenenados, inventaram guisado da sola dos sapatos…

      Mas, a suprema humilhação! Estavam em terras indígenas que sustentavam uma multidão de povos. E os civilizados não conseguiam sobreviver na selva pelas próprias mãos. Daí viria talvez o ódio ao selvagem, a fobia congênita à natureza… Desde que Orellana e frei Gaspar de Carvajal foram escolhidos para descer o rio em busca de comida aos companheiros imobilizados no acampamento; a correnteza do rio foi má conselheira da traição…  Do rio Coca abaixo decidiram desertar e fizeram juramento de solidariedade uns com os outros e se entregaram à sorte. Desde então encontraram comida… em mãos de índios engenhosos em construir viveiros de tartarugas e peixes em estoque de consumo da comunidade local. Assaltaram, mataram e roubaram sem pejo, sendo perseguidos e atacados, com mortos e feridos também do lado europeu ao longo da descida. Naturalmente que a notícía à moda indígena andava pelas margens e sendeiros da selva, mais depressa do que a corrente levava os dois mal acabados bergantins: foi, então, que cerca da confluência dos rios Nhamundá e Trombetas; viram os espanhóis as célebres amazônas amazônicas, lutando ombro a ombro com os homens da mesma nação para expulsar os estrangeiros…

      Seriam talvez da nação Pauxis, ou outra das diversas nações da região Caribana guianense. O resto foi arte e imaginação de frei Gaspar, pintando tapuias ou índios cabeludos como mulheres “altas, brancas e membrudas”… Da aventura ainda faltava a passagem das ilhas do Marajó antes que se fizessem ao mar debaixo de nuvem de flechas envenenadas, quando o frade teve um olho arrancado numa estocada (o cronista Oviedo, governador da ilha Hispaniola, diria desta parte que os índios se vingaram em Orellana da ofensa que Pinzon fizera capturando escravos em 1500)… O dominicano Carvajal foi nomeado bispo de Lima e Orellana não só escapou à forca como também com sua estória maravilhosa das Amazonas, de que se serviu o tio e futuro sogro  para solicitar a favor do genro, conseguiu o título de Adelantado del Río (governador) de Nueva Andaluzia (Amazônia castelhana).

      Pobre Orellana, não achou mais a entrada do rio das Amazonas, extraviou-se nas águas do Pará (1544) e desapareceu… Mas, aí já é outra história. Valha a lição para “amazonizar” a memória do país descoberto por Cabral: com licença de Guimarães Rosa, “mestre não é quem ensina, mas quem de repente aprende”…  Quem é PhD em amazonologia é índio, preto mocambeiro e caboclo: o mundo deve ser aprendiz para todos se dar bem e ser feliz.

      A Amazônia, “última fronteira da Terra”. “pulmão do planeta”, “patrimônio da Humanidade” do G-7, sobretudo; faz parte desta deliberada miragem. Uma nova ecologia tem que ser humana, colocar o homem ao centro da economia. Não é por acaso que eikos (ecológico / econômco) significa casa… A nossa casa. Todos moramos a mesma casa, o Planeta. Mas, antes de tomar consciência dela já bagunçamos o pedaço de Terra que é nossa casa de fato, a rua, a cidade, o sítio da zona rural, a aldeia na floresta, o povoado ribeirinho… E os, verdadeiramente, sem-terra, que Terra eles irão preservar? Os sem-teto, que teto vão respeitar? Os moradores de rua, de que rua querem cuidar?

      Cultivar nosso jardim para salvar a Floresta e florir o mundo

      O iluminista Voltaire, no "Cândido", preveniu: o Mal existe. Precisamos cultivar nosso jardim… Se todos lugares da terra fossem tratados iguais a jardins, a Terra mãe responderia com mais afeição aos filhos ingratos… Mas, quem mora na cidade não se preocura com quem vive nos matos, se o nosso apartamento estiver limprinho, que diabos vai querer saber onde fica o lixão e de quem anda à cata de parca refeição?

      Caminhos para democracia particip/ativa

      Não há metrópole que não possa ser revitalizada e convertida em diversas "aldeias" (mini-cidades) integradas; conjuntos habitacionais inteligentes: não cidades-dormitório… Onde o homem seja núcleo do espaço-tempo (geografia e história juntas, na lição de Milton Santos). Esperar “um” (somente um) governo miraculoso que faça isto é miragem, governo é espelho da sociedade: é do estado democrático, com cheiro e cara de povo, que se trata… Não confundir a nuvem com Juno: governo não é estado. Se na ditadura é discutível o axioma, em democracia ela é perfeita: cada povo tem o governo que merece. O povo brasileiro, entretanto, merece coisa melhor do que a elite e o estado burguês que ele tem e não deixa a gente crescer e aparecer… Raimundo Faoro disse tudo em “Os Donos do Poder”: fazem e desfazem governos escolhidos a dedo para servir de saco-de-pancada e manter a pose. Eu só acredito em democracia numa sociedade de iguais, quando os desiguais se acordam no sentido de diminuir desigualdades temos, então; um pacto de inteligência para a democratização. É por aí que o mundo deve caminhar em busca de justiça e paz. Acreditar que já chegamos lá, faz parte da superstição modernizadora conservadora.

     Quanto o Brasil for uma sociedade 100% alfabetizada, politicamente alfabetizada melhor dizendo; é provável que haverá no antigo país do pau-brasil Governo Parlamentar decente e filósofo presidente da República tropical federal. Já tivemos um imperador amante das artes e da ciências e por último um príncipe dos sociólogos de plantão no Planalto, o resultado no ponto de vista do povão não foi brilhante. Tanto que as urnas mudaram o time que estava ganhando pelo outro, que estava perdendo já fazia tempo. Com o Presidente Lula pelo menos o Povo se sente no "poder", enquanto pode se sacode e espera Godot…  A elite relaxa e goza da cara do zé-povinho animado com os ventos da esperança que não cansa de esperar. Dá, então, para respirar enquanto os donos do mundo decidem para que lado vai a História que, afinal, não acabou com a queda do muro de Berlim e as trombetas do Clube de Roma. O diabo agora é a mudança climática: mas, sempre haverá um jeito de repassar a fatura aos consumidores e países fornecedores de mão-de-obra e matéria-prima. Se a ordem global for para perseverar na democracia a agonia dos “brancos” só acaba se mudar de povo ou de país…

      A minoria social espertíssima, competentíssima, simpática, carismática, poliglota em matéria de lorota; fala mansa com a plebe ignara, mas escondido atrás da costa tem ela um grande porrete… O famoso big steak civiliza/dor.  Tudo o que a minoria quer ouvir, é malcriação… Para soltar o cacete e fazer calar a bravata, dar lição a paladino afoito com cara de menino a estocar onça com vara curta! Faz valer na hora o catecismo, com mão de ferro em luva de pelica: manda quem pode, obedece quem tem juízo!… Graças a Deus há muitos desajuizados neste mundo sem fundos, se não a Terra estava mal parada em sua órbita solar desde o famigerado processo de Galileu.

      Se esta bela fera minoritária educadíssima e tarada ao mesmo tempo, também fosse inteligente além de esperta em relação à brava gente brasileira; não cairia ela na besteira de subestimar o povo e desmontava logo a bomba-relógio demográfica dispensando a própria sobremesa (sem prejuízo do aperitivo e caviar) para dar almoço aos mais pobres: programa mundial de renda mínima, certamente, depende de dinheiro público (30% do fluxo de caixa da eterna Dívida Externa para constituir fundo especial da ONU em favor da agricultura familiar sustentável, não quebraria a Banca (a parte do leão da agiotagem global, com 70% do bolo desenvolvimentista); mas quebraria o galho conforme reza o ditado popular).

      Sobre quando tem dinheiro no bolso cuida primeiro de comprar comida depois uma cachacinha ou cerveja, aquece a demanda por feijão e arroz gera emprego, imposto e renda geral: eventualmente, retira desempregados da alça de mira do crime organizado e da devastação ambiental a troco de um prato de lentilhas…. Em geral, com barriga cheia pobre fica preguiçoso e parrudo, diminui a fila em posto de saúde: tudo que o calvinismo econômico não quer e o darwinismo social rejeita… Mas, nesta altura da história as máquinas dão conta do recado e a saída para as massas é o ócio criativo, indústria pós-industrial. Anticoncepcional receitado por terapêutas a domicílio ajuda a equilibrar a sociedade, e depois a virgem mãe Compadecida perdoa em lugar da intolerância do dogma da igreja conservadora, se em vez de meia dúzia de filhos mal tratados a família tem um casal melhor assistido e educado para o mundo de amanhã.

      Muitos brasileiros sonham com a Amazônia como uma região de paraíso ou inferno… Uma Amazônia mitológica, mas a realidade é que a Amazônia e seus habitantes descendentes diretos de um período paleo de 12 mil anos, inventores de uma singular cultura há 1500 anos; estão sendo agredidos pela pressão re-colonizadora e a explosão demográfica que transborda de outras regiões… Eu não consigo compreender que haja morto de fome pronto a derrubar árvores, se não houvesse na ponta do consumo gente muito bacana com discurso na ponta da língua comprando, indiretamente, mão de obra aviltada e matéria-prima a preço de banana.  Daí que economia local rima com ecologia global mais do que sonha nossa vã filosofia.

      Moral da história: ecologia e economia, são as duas faces da mesma moeda… O resto é conversa fiada. O Brasil oficial e a classe média guiada por gurus da Mídia temem a internacionalização da Amazônia. Porém esta já aconteceu desde 1494 (tratado de Tordesilhas, entre Espanha e Portugal). A única novidade possível neste século seria a nacionalização das Amazônias, cada um dos oito países que a compõe nacionalizando a sua parte. Isto é, implantando a cidadania plena na respectiva região amazõnica…

      Quem a fará, ou quem de fato poderia realizar tal nacionalização? O mesmo homem amazônico. O qual, historicamente, buscou o "país do Arapari" (a terra-firme, continente, sob o Cruzeiro do Sul) em migrações sucessivas através das Antilhas e das Guianas, subindo e descendo os Andes. O mesmo bon sauvage tupinambá, que saído da Bolívia e Paraguai, conquistou o Paraná, Piratininga, Guanabara… e pela volta do Nordeste; veio conquistar o Pará-Uaçu (Grão-Pará, o lendário "rio das amazonas", Amazônia…), na confederação do equador.

      Antes dos europeus, esta gente pelejava pelo espaço amazônico. Sem arco e  remo tupinambá o colonizador português não podia dar um passo neste imenso labirinto; por outra parte; o concorrente holandês, francês, inglês… precisou do acordo e do comércio de escambo com os "Nheengaíbas" para adentrar e se estabelecer em feitorias no grande rio… Foram estes últimos que depois de 20 anos de guerra; negociaram as pazes com os portugueses e aceitaram ser súditos do rei de Portugal.
Mas, o Quinto Império do Mundo tinha lugar desde as Ilha do Marajó…
 Enquanto o Payaçu Antônio Vieira pode ser considerado precursor da Teologia da Libertação e dos Direitos Humanos, a par de Las Casas; a Câmara de Belém queria guerra punitiva de exterminio e cativeiro dos marajoaras, evitada pela iniciativa de Vieira: este queria uma outra civilização [cf. "História do Futuro" §§ 277 e 278; o locus do Quinto Império do Mundo ele fixava no estuário amazônico…]

      E assim acabaria a história, se não fossem os descendentes dos Nheengaíbas na ilha do Marajó romper laços com o colonizador e  proclamar adesão à independência do Brasil, no dia 28 de Maio de 1823, na heróica Vila de Muaná [ilha do Marajó]. De desengano em desengano, os paraenses foram se refugiando no interior, Acará, Barcarena, Moju. Beja e, sem falta, naquela ilha insubmissa, Marajó; deram curso à resistência. Depois o ataque de 7 de janeiro de 1835 – a maior insurreição popular na América Latina, na época – a repressão militar do Império Brasileiro foi um genocídio ao custo de 40 mil vidas!!! O crime dos amazônidas? Querer Federação e República… A matreita Inglaterra compareceu com seu jogo duplo; e o Presidente Cabano Angelim, disse não. Não aceito baixar a bandeira do Brasil… Passe bem, muito obrigado.

      Quem aprendeu no Brasil a lição da Cabanagem?