A nova luta pelo Socialismo
Em termos resumidos, na visão de Marx e Engels, o socialismo só poderia vingar principalmente nos países capitalistas mais desenvolvidos, no seu estágio de elevada produtividade do trabalho e de avançada inovação científica e tecnológica. À medida que o socialismo se afirmasse no coração do sistema capitalista – países de maior nível de desenvolvimento capitalista – a nova formação política, econômica e social arrastaria os demais países nos seus diversos níveis de desenvolvimento. Além disso, na reflexão de Marx, o socialismo deveria ser um longo período histórico para se alcançar o comunismo, somente sendo possível esse estágio – transição do socialismo ao comunismo – quando se atingisse um nível extraordinário das forças produtivas, de automação do trabalho e superação do mercado. O homem e a mulher participariam cada vez menos diretamente da produção material, onde o nível espiritual e civilizacional da sociedade alcançaria um patamar histórico nunca experimentado.
Da prática revolucionária do século XX, revelando as limitações da visão histórica e teórica da experiência socialista na União Soviética, podemos dizer hoje que estava distante da realidade a conclusão do 18º Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), realizado em 1939, às vésperas da II Grande Guerra, sobre a caracterização da etapa socialista nesse país: “Terminamos mais outra etapa histórica da revolução comunista na URSS. Concluímos no fundamental toda uma época de trabalho construtivo, para entrar em uma época nova, a da passagem gradual do socialismo ao comunismo (grifo doautor). (…) O terceiro Plano Qüinqüenal será uma das etapas mais importantes na solução deste magno problema: a passagem ao comunismo completo”. Naquela altura, no ano de 1939, vendo a partir da ótica atual, não se poderia considerar ainda a existência na URSS de um socialismo avançado. Vivia-se uma etapa de transição ao socialismo, com todo seu cortejo econômico e social, cercado pelo mundo de capitalismo avançado na Europa e nos Estados Unidos.
No período histórico vivido por Marx e Engels, não estava na ordem-do-dia a existência da revolução proletária, predominando ainda os ecos da revolução burguesa, o começo das lutas operárias e o primeiro grande ensaio da revolução proletária, concretizado pela Comuna de Paris em 1891. Os autores da doutrina marxista não chegaram a elaborar uma reflexão sistemática da teoria revolucionária proletária, muito menos a considerar a possibilidade de uma transição ao socialismo em países capitalistas mais atrasados.
Coube a Lênin desde o início do século XX, e ao movimento comunista em curso, a elaboração de uma nova teoria da revolução proletária, na fase da ampla internacionalização do capital, do predomínio do capital financeiro (fusão do capital bancário com o capital industrial) e do surgimento do imperialismo, das guerras imperialistas; o crescimento da classe operária, sua maior organização e elevação de sua consciência social e política.
Diante da nova realidade, a revolução não se desencadearia necessariamente onde o capitalismo fosse mais desenvolvido. A internacionalização do capital financeiro e a formação de um mercado mundial levavam o capitalismo a ser compreendido num sistema mundial, onde as economias nacionais se tornaram os elos de uma única corrente. A correlação de forças favorável à revolução não estava restrita ao nível de cada país, mas também relacionado com o sistema capitalista mundial que, na sua totalidade, estava maduro para uma transição ao socialismo. Então, a revolução poderia irromper no elo mais débil da corrente capitalista, ou seja, onde as contradições se acumulassem e se acirrassem, onde a classe dominante burguesa fosse mais fraca e, mesmo o proletariado não sendo muito numeroso, poderia contar com aliados numerosos no campo e nas cidades. E a lei absoluta do desenvolvimento desigual do capitalismo poderia levar a revolução à vitória, como também permitir o início da construção do socialismo em um só país ou grupo de países.
Ensinamentos básicos da experiência de construção do socialismo no século XX
A crise das experiências socialistas mais importantes do século XX, e a sobrevida do capitalismo, jogaram os comunistas e as forças revolucionárias diante de um imenso desafio de resistência, análise critica e autocrítica e renovação. No caso do PCdoB, desde o seu 8º Congresso, em 1991, emerge uma visão nova que procura levar às últimas conseqüências a metodologia leninista: “análise concreta da situação concreta”, ou como afirmava Deng Xiaoping em outra época, “liberar a mente e conhecer a realidade”. Passos importantes foram dados para um acerto de contas com a velha concepção dogmática e reducionista. Em função dessa interpretação, duas lições básicas se impuseram: 1) não há um caminho universal, modelo único de transição ao socialismo e de como construí-lo em cada país, mas podem existir diversas experiências socialistas com suas características próprias; 2) a transição do capitalismo ao socialismo é um período histórico determinado objetivamente, com suas leis e etapas, que se caracteriza pela luta entre a nova e a velha sociedade, e conforme o nível de desenvolvimento de cada país. Nos mais atrasados, pode ser um período histórico longo, considerando-se as condições em que predomina o capitalismo no mundo.
O esforço para superação da visão dogmática levou à compreensão de que a construção socialista não era apenas ato de vontade, impulso revolucionário. Não é a realidade que tem de se amoldar ao ideal, mas o contrário. É fundamental o domínio das leis do desenvolvimento da sociedade e a ligação com o movimento social e político avançado em curso. A nossa concepção programática estava presa a noções abstratas e preceitos esquemáticos que encerravam uma limitação teórica sintetizada em torno de três eixos tácitos: 1) inevitabilidade de duas etapas da revolução em países dependentes como o Brasil; 2) existência de um modelo único de socialismo; 3) trânsito direto à construção socialista após a conquista do poder político. Desse modo, procurava encontrar em nosso caminho nacional identidade com a revolução de outubro na Rússia e com a revolução chinesa, afastando-se da realidade brasileira, que conta com uma formação histórica e trajetórias política, econômica, social, cultural completamente distinta dos países em que se buscava identidade. No âmbito do PCdoB, a superação de uma orientação rígida e esquemática abriu caminho para uma visão estratégica e programática voltada para oo estudo da particularidade da realidade brasileira, o nível da batalha política em curso e a identificação de um caminho próprio da transição do capitalismo para o socialismo, nas condições do Brasil. No movimento comunista no pós-II Grande Guerra prevalece uma orientação padronizada, em que o modelo de socialismo a ser seguido era o resultante apenas da experiência na União Soviética.
Fica encoberta a experiência mais importante para os países de capitalismo atrasado, no que concerne à luta da transição ao socialismo no período de 1919 a 1923, na Rússia, no qual Lênin começa uma reflexão sistemática dessa fase preliminar de construção da nova sociedade. E também o estudo e dissecação das trajetórias das “democracias populares”, da “democracia de novo tipo”. A reflexão de Lênin teve na Nova Política Econômica, (NEP, na sigla em inglês), o ensaio de maior monta, que vai além de uma exigência objetiva imposta pelo curso da revolução em um país atrasado, chegando a definir estratégia e leis gerais da transição. Mas isso durante pouco tempo, porque ele morre em 1924.
A sua idéia central é que o poder político socialista governa a transição, que pode ser um longo período, sobretudo num país de capitalismo mais atrasado, onde vai se combinar elementos socialistas e capitalistas, entre público e privado, planejamento e mercado, destacando-se o capitalismo de Estado sob a direção do novo poder, tendo como objetivo primordial alcançar um maior desenvolvimento das forças produtivas e da produção material em proveito da prevalência progressiva dos componentes socialistas. Em suma, a transição do capitalismo ao socialismo obedece a leis objetivas que se não forem compreendidas e respeitadas podem provocar o fracasso da revolução. Trata-se, assim, de um processo histórico de transição no âmbito de uma economia mista, com um poder político voltado para o rumo da construção de nova sociedade – a sociedade socialista. Esse período determinado objetivamente que deveria orientar os partidos comunistas fora do poder nos países capitalistas caiu no esquecimento do movimento comunista sob a égide da União Soviética.
Então, a revolução poderia irromper no elo mais débil da corrente capitalista, ou seja, onde as contradições se acumulassem e se acirrassem; a transição do capitalismo
ao socialismo obedece a leis objetivas que se
não forem compreendidas e respeitadas podem provocar o fracasso
da revolução
Em virtude do grande esforço para superação da visão esquemática, da pesquisa e estudo empreendidos desde começo da década de 1990, sob a direção de João Amazonas, o Partido – já na sua 8ª Conferência Nacional, realizada em 1995 –, define uma nova linha estratégica, cuja essência se situa no objeto e objetivo do novo programa partidário: “O presente programa não aborda a construção geral do socialismo, mas os problemas relacionados com a primeira fase da transição (grifo do autor) do capitalismo para o socialismo”. E mais: “A fase da transição preliminar do capitalismo ao socialismo realizará gradativamente as transformações indispensáveis. Nesta primeira fase não haverá confiscação total, expropriação generalizada. As medidas radicais, ligadas às exigências iniciais da construção socialista, terão cunho parcial”. Da experiência da construção do socialismo no século XX deve-se considerar a particularidade do curso objetivo da construção do “socialismo em um único país” e atrasado do ponto do capitalismo, cercado por este, sob a condição de cercos militares, guerras, ameaça nuclear e corrida armamentista. A revolução proletária não se estendeu além da Rússia, foi derrotada nos países ocidentais nos anos 1920. É evidente que tal condição real impôs uma característica abrupta e forçada no processo revolucionário na Rússia e posteriormente na URSS, e até uma uniformização do modelo soviético para os países de democracia popular após a II Grande Guerra, passando dessa maneira por cima dos aspectos da transição ao socialismo que levassem em conta as peculiaridades de cada país. Apesar do contexto original, muito adverso, não se pode concluir que tudo seria inevitável, provocando a crise crescente e depois a derrocada da União Soviética. Na verdade, o modelo econômico predominante na União Soviética demonstrou ser inadequado na fase do desenvolvimento de maior importância para o avanço a um novo patamar do sistema econômico e social socialista – a fase do desenvolvimento intensivo. Mais especificamente, não conseguiu enfrentar a competição com o capitalismo, com sua revolução técnico-cientifica e, em comparação com este, suplantar a produtividade média do trabalho. Mas, por outro lado, entrou numa fase de estagnação relativa. Essa situação tornou evidentes questões centrais limitadoras de cunho estrutural, na relação entre planejamento e mercado, entre formas de propriedade e na condução dos processos produtivos.
Esse resultado do desenvolvimento do modelo econômico tem sua inter-relação também com um modelo rígido politico-institucional predominante, que conteve o desenvolvimento e florescimento de uma democracia socialista, da formação de uma república socialista avançada, da edificação de um Estado de direito de feição socialista com base na nova sociedade em construção. A fusão do partido com o aparato estatal, o avanço da burocratização – levando ao distanciamento entre o poder e o povo, impedindo a construção de instituições políticas e jurídicas representativas da soberania do povo, inovadoras e sólidas – demonstrou a fragilidade da superestrutura política e institucional que terminou prevalecendo. Desse modo, se tornou um aparato político sem consistência, impotente, não sendo capaz de conter a crise que se acumulou, esboroando-se rapidamente.
Do ponto de vista da história pode ser ainda prematuro um balanço mais profundo das experiências de construção do socialismo no século XX. É preciso, além disso, salientar que em comparação com os séculos anteriores, no século XX é que foram libertados milhões de homens e mulheres da opressão e do domínio imperialista e colonial, da opressão política e social; alcançadas imensas conquistas de independência nacional, de direitos políticos e sociais para os trabalhadores e a maioria dos povos; e derrotado os regimes de ditadura terrorista aberta do capitalismo: o fascismo e o nazismo. Os comunistas e o movimento operário, sua luta pela construção de uma nova sociedade, socialista, foram as forças protagonistas e de vanguarda para o alcance dessas históricas conquistas. Questionaram o capitalismo, na competição capitalismo versus socialismo instaurada no século passado, a responder aos anseios sociais dos seus povos, levando-o a adotar sob pressão popular tentativas reformistas para amainar a exploração do capital.
As condições atuais da luta transformadora, revolucionária
O campo socialista instaurado no século passado teve uma vida efêmera, do ponto de vista do relógio da história: 72 anos. A derrocada do campo socialista foi assim vista, em 1992, por João Amazonas, um experimentado e mais destacado dirigente do Partido Comunista do Brasil, que viveu durante longo período do movimento comunista do século XX: “Vivemos uma situação de generalizado abalo das convicções progressistas de transformação radical da sociedade. Estendem-se o ceticismo, o desalento, as vacilações acerca da justeza das teorias de Marx, Engels, Lênin. Voltam à cena políticas velhas e ilusórias utopias de reforma do capitalismo, como saída para os irreparáveis desajustes originados da decomposição desse sistema”. Seguiu-se a esse tremor de terra, o desafio de levantar do chão, o projeto socialista. Inevitavelmente ressurgem novas e promissoras forças, produto da realidade objetiva e não da simples vontade revolucionária. Reinicia-se, assim, do ponto de vista objetivo e subjetivo, uma nova etapa de acumulação estratégica de forças, a retomada do processo revolucionário. A esse desafio é que se denomina nova luta pelo socialismo. Algo distinto da jornada empreendida no século passado.
Podemos afirmar que – objetiva e subjetivamente – está em marcha uma nova luta pelo socialismo. De forma mais especifica, hoje se encontram os meios que podem se desenvolver em jornadas de acumulação de forças pela retomada do processo revolucionário em novas condições. Esse período, de nova luta pelo socialismo, instaurou-se evolutivamente a partir da queda dos governos do Leste europeu e da dissolução de União Soviética, no triênio 1989-91. Estamos seguros de que para os comunistas e as correntes revolucionárias a nova luta pelo socialismo tem sua causa nas contradições inconciliáveis e grandes paradoxos do capitalismo, pelo abismo maior das desigualdades e o aprofundamento da crise social, pela impossibilidade de uma democratização mais profunda da sociedade e de um desenvolvimento ecologicamente sustentado nos marcos do sistema capitalista. O imperialismo continua a ser o maior fator das guerras. A nova luta pelo socialismo surge com o fim de um ciclo revolucionário, numa etapa de defensiva geral, que permite a extração de lições para um novo empreendimento revolucionário, num processo crescente de acumulação e construção de novas forças políticas avançadas e da organização progressiva de vasto e diversificado movimento social. O desaparecimento da URSS, por um lado, modifica o equilíbrio estratégico de forças no plano mundial, ensejando o surgimento de uma única superpotência – EUA – localizada no vértice de cima da pirâmide geopolítica global. Para os destinos da revolução, que não depende exclusivamente da correlação de forças de cada país, uma redução do poder ou neutralização da força da superpotência hegemônica, permite, por outro, aos povos e nações serem mais livres. Na evolução desse sistema de forças global, no início do século XXI se exacerba uma tendência de competição mundial pela hegemonia. Nesse sentido, não somente as contradições inter-imperialistas (EUA, União Européia, Japão) no campo econômico e político assumem novos contornos competitivos. Mas, sobretudo é preciso situar uma tendência nova em desenvolvimento: a importância econômica e política crescente de países emergentes como China, Índia, Rússia, Brasil, África do Sul, que poderão em progressão mudar o equilíbrio estratégico de forcas planetário. Os EUA procuram enfrentar essas tendências atuais recorrendo mais ainda o seu poder militar, sendo sua hegemonia cada vez mais sustentada em meios bélicos. Além disso, se recrudesce e se amplia a luta antiimperialista dos povos e países, voltada contra a agressão e a política de guerra do governo Bush, seu hegemonismo expansionista no mundo.
É nesse contexto da disputa pela hegemonia mundial, por uma nova ordem mundial, mais eqüitativa e solidária, do crescimento da luta antiimperialista pela paz, soberania, democratização, desenvolvimento, que pode ensejar a abertura de uma nova etapa revolucionária com suas características hodiernas. A nova luta pelo socialismo, para o seu êxito, depende do desenvolvimento, da atualização e renovação da teoria revolucionária. A teoria revolucionária não é a mesma para qualquer período histórico, ela surge da singularidade de cada tempo e do mesmo modo – por ser a sistematização da prática política e revolucionária – orienta o movimento revolucionário de determinada época. Em termos gerais a teoria revolucionária da época de Marx não é a mesma da época de Lênin e, esta, adquiriu conformação própria na China, no Vietnã e em Cuba. A teoria revolucionária para as condições contemporâneas se define no bojo do pensamento político avançado deste período histórico atual, partindo das condições concretas do sistema capitalista e mundial, do nível do movimento democrático, progressista e revolucionário em curso. O domínio da realidade concreta, livrando-se do voluntarismo arraigado antes chegou a vaticinar e orientar o movimento revolucionário no sentido de que no século XX se daria a “crise geral e definitiva do capitalismo e da vitória final do socialismo”. O alcance de novo auge revolucionário – superação política, econômica e social do sistema capitalista – requer um período de acumulação estratégica no sentido revolucionário, que passa necessariamente pelo aprendizado político próprio da maioria do povo, dos trabalhadores, percorridos em diferentes e variadas situações.
A nova luta pelo socialismo, para o seu êxito, depende do desenvolvimento, da atualização e renovação da teoria revolucionária
A elaboração da teoria revolucionária proletária contemporânea advém do desenvolvimento das novas formas que assumam a construção política, econômica e social nos países que mantiveram a perspectiva socialista – República Popular da China, República Socialista do Vietnã, República de Cuba, República Popular Democrática da Coréia – e da luta nas condições atuais dos trabalhadores e seus aliados pela conquista do poder político e a superação do capitalismo.
Hoje os países que mantém o objetivo do alcance socialista, sobrevivendo à derrocada do sistema soviético, mantiveram suas instituições políticas originárias do processo revolucionário, democrático-popular, conformando o andamento de uma economia nacional mista num mundo de predominância total do capitalismo. Assim, têm procurado plasmar componentes e formas que liberem o desenvolvimento das forças produtivas, para resistir a “modernização capitalista” neoliberal, adotando métodos capitalistas e formas de capitalismo de Estado, sobretudo, em países que acumulavam grande atraso no seu desenvolvimento como China e Vietnã. Nestes países o processo de construção do socialismo deve exigir longo curso de transição, podendo levar demorada fase histórica até a conquista de um socialismo desenvolvido, no sentido da visão marxista. São experiências insólitas, originais em que não se pode prever o seu desdobramento no rumo do objetivo socialista almejado.
Mas foi a forma encontrada por esses países, depois de inevitável balanço teórico e prático, a fim de enfrentar a crise do socialismo do século passado, sendo experiências novas, não definitivas, que levam em conta as peculiaridades de cada nação e que podem ser fomentadas ou corrigidas, não se submetendo como dantes a uma uniformização central. Na América Latina, sobretudo na América do Sul, as forças revolucionárias e progressistas atravessam significativa experiência no ascenso da luta antiimperialista, democrática e patriótica, que surgiram como produto da profunda crise provocada pela aplicação na década de 1990 das políticas liberalizantes nesse continente. As diversas experiências apesar da sua diversidade nacional têm uma convergência: resultam da combinação da luta social em diferentes níveis de radicalidade, com a formação de frentes conduzidas por líderes patrióticos e democráticos, que galvanizam amplo apoio político e social em defesa da soberania nacional, da democracia e do progresso social, conquistando o centro do poder nacional pela via eleitoral – luta social e política crescente e vitória eleitoral.
Dessas experiências sul-americanas o exemplo mais avançado é o da Venezuela. Sob a direção de Hugo Chávez, à frente do movimento bolivariano, esse país, pela junção de vários fatores políticos e sociais, concentrou múltiplas contradições que abriram caminho para a deflagração de uma revolução de caráter democrático e patriótico. A Constituinte convocada no bojo desse processo revolucionário promulgou nova Constituição nacional que transforma a antiga superestrutura politico-institucional, democratizando o país. Agora, a nova Constituição é reformada, num passo adiante, para dar início à nova fase definida de “transição ao socialismo”, ou como caracteriza Chávez, de “socialismo do século XXI”. Essa marcha de profunda mudança política foi capaz de democratizar as forças armadas, mobilizar e organizar o povo em torno dos seus anseios fundamentais, conduzir a economia sob a égide do novo poder democrático e patriótico, fortalecendo o Estado nacional. Um conjunto de fatores originais contribuiu para o êxito dessa recente experiência revolucionária: uma coalizão política básica se formou, constituindo-se na pilastra-mestra do novo regime em formação, a aliança povo-forças armadas; por ter a Venezuela uma das maiores reservas de petróleo do globo, à medida que o curso político consolidou a soberania do país sobre essa imensa riqueza, o processo revolucionário encontrou sua base de financiamento, livrando-se do isolamento econômico que seria inevitável no mundo de globalização neoliberal. O desenvolvimento dessa experiência e de outras de cunho democrático e patriótico, como Bolívia, Nicarágua, Equador e as demais, incluído aí o curso político no Brasil, pode ser componente importante para definição da teoria revolucionária moderna.
Nas condições do Brasil, o segundo governo Lula, em meio às contradições de um importante país “emergente” no mundo de globalização neoliberal, se encontra na transição para um projeto nacional de desenvolvimento, que leva em conta a distribuição de renda num país profundamente desigual e faz ingente esforço pela integração do continente sul-americano. O governo Lula abriu um novo ciclo político no país, permitindo avanço no processo de democratização da sociedade, compondo um governo nacional de feição de centro-esquerda, com participação de forças democráticas, progressistas e de esquerda, onde o Partido Comunista do Brasil está incluído. A partir das condições políticas atuais, nos marcos do governo Lula, o PCdoB tendo como perspectiva uma concepção estratégica de acumulação de forças no sentido revolucionário, procura intervir através de três vertentes inseparáveis e inter-relacionadas: participação no parlamento em todos os níveis, no governo Lula e nos governos democráticos nos estados e municípios através da composição de frentes políticas democráticas e progressistas; ligação crescente e sistemática com o movimento social organizado nas cidades e no interior, e camadas pobres da população; participação ativa e permanente no debate de idéias através da ampliação de seus próprios meios de comunicação e na luta pela democratização da mídia. Nesses três leitos de intervenção a política do Partido é única, variando formas e métodos de atuação, na busca da concretização de reformas progressistas que alcance liberdades políticas mais amplas e nos aproxime realmente da conquista de um poder político, com vasto apoio, comprometido com uma transição de sentido socialista. A participação no parlamento e nos governos democráticos permite a ampliação da influência política do Partido; a ligação mais extensa e profunda com o movimento social eleva o prestígio do Partido e contribui no sentido de transformar o movimento popular em geral na verdadeira força-motriz das mudanças mais profundas; a participação crescente na luta de idéias aumenta a autoridade do Partido na luta teórica e ideológica, sendo esta a fonte necessária para fundamentação e elevação da convicção por uma alternativa pós-neoliberalismo nas condições atuais.
Renato Rabelo é presidente do Partido Comunista do Brasil.
EDIÇÃO 92, OUT/NOV, 2007, PÁGINAS 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54