Das mãos do artista brasileiro Cândido Portinari nasceram as imagens que denunciaram a violência e exaltaram o amor e o entendimento. A temática da Paz permeou toda a sua vida. Através de sua obra, Portinari lutou tenaz e corajosamente em favor da paz e contra todas as formas de injustiça.

Essa luta foi travada não só com o pincel, mas também em sua militância política, como comunista, registrada em incontáveis ações ao longo de toda a sua vida. Como exemplo de tal determinação, em 1949, Portinari – convidado a participar, em Nova Iorque, da Conferência Cultural e Científica para a Paz Mundial – teve seu visto de entrada negado pela Embaixada Americana. Impossibilitado de comparecer, ele enviou mensagem que afirmava em seu trecho principal: “(…) A luta pela paz é uma decisiva e urgente tarefa. É uma campanha de esclarecimento e de alerta que exige determinação e coragem.

Devemos organizar a luta pela Paz, ampliar cada vez mais a nossa frente anti-guerreira, trazendo para ela todos os homens de boa vontade, sem distinção de crenças ou de raças, para assim unidos os povos do mundo inteiro, não somente com palavras mas com ações, levarem até a vitória final a grande causa da Paz, da Cultura, do Progresso e da Fraternidade dos Povos (…)”. Essa mensagem de Portinari, no limiar do Século XXI, preserva forte atualidade, pois o mundo sofre guerras e ameaças provocadas, sobretudo, pelo imperialismo norte-americano.

Já intoxicado pelo uso das tintas e, mesmo diante da ameaça à sua própria vida, Portinari não recuou, aceitando o desafio mortal e enfrentando o seu trabalho maior: os painéis Guerra e Paz, presentes do governo brasileiro para a sede da ONU em Nova Iorque. Sua obra mais universal, e mais profunda também, em seu majestoso diálogo entre o trágico e o lírico, entre a fúria e a ternura, entre o drama e a poesia. E o mais letal para ele que, em nove meses, cobriu, pincelada a pincelada de tintas proibidas pelo médico, dois paredões de quatorze metros de altura e dez metros de frente, na entrada do prédio das Nações Unidas. Após 4 anos de estudos preparatórios, em 5 de janeiro de 1956, Portinari entregou-os para serem doados à ONU. Esses painéis, de 14m x 10m cada um, foram pintados a óleo sobre madeira compensada naval.

No dia 27 de fevereiro do mesmo ano, o presidente da República do Brasil – na época, Juscelino Kubitschek –, inaugurou a exposição dos painéis, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, despertando intensa curiosidade – o próprio artista e seus auxiliares ainda não tinham tido oportunidade de vê-los na sua íntegra, pois devido às grandes dimensões sua execução fez-se por segmentos, cada um medindo 2,20m x 5m.

Agora, na abertura da 62ª Assembléia Geral das Nações Unidas, em 25 de setembro último, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou seu pronunciamento às delegações e participantes dos 192 países-membros com as seguintes palavras: “Ao entrar neste prédio, os delegados das Nações Unidas podem admirar uma obra de arte doada pelo Brasil à ONU há 50 anos. Estou me referindo aos murais que representam a Guerra e a Paz, pintados por um grande artista, Cândido Portinari. O sofrimento tão expressivamente retratado no mural sobre a guerra traz à mente a responsabilidade crucial das Nações Unidas em conter o risco do conflito armado. O segundo mural nos lembra que a paz é muito mais do que a ausência da guerra. Ela implica bem-estar, saúde e respeito pela natureza.

Ela clama por justiça social, liberdade e a superação do tormento da fome e da pobreza. Não por acaso aqueles que entram no prédio se deparam com o mural retratando a Guerra, enquanto aqueles que saem têm diante de si o mural Paz. A mensagem do artista é singela, mas poderosa: transformar o sofrimento na esperança e a guerra em paz é a essência da missão das Nações Unidas. O Brasil continuará a trabalhar para materializar estes altos anseios”.

Antes do início da Assembléia Geral o presidente Lula ofereceu ao Secretário-Geral da ONU, Sr. Ban-Ki-Moon, um exemplar do livro War and Peace – Portinari, recém-editado pelo Projeto Portinari, que relata a história e o significado dos murais, reproduzindo 119 estudos e maquetes criados por Portinari no processo de conceber e pintar Guerra e Paz, além de fotografias e documentos históricos.

Essa mensagem de Portinari, no limiar do Século XXI, preserva forte atualidade, pois o mundo sofre guerras e ameaças provocadas, sobretudo, pelo imperialismo norte-americano

Fazem parte desse livro, além dos estudos referidos, esboços e as duas maquetes, que poderão ser vistos junto aos documentos históricos. Trata-se de textos e imagens que contextualizam a obra, como, por exemplo, a carta do Secretário-Geral das Nações Unidas, U Thant, publicada no jornal O Globo de 09/02/1962, por ocasião da morte de Portinari: “Os afrescos murais de Portinari que ocupam um lugar de honra na sede das Nações Unidas dão aos objetivos da organização mundial sua mensagem edificante. Sua morte priva não somente o Brasil, mas todo o mundo artístico de uma personalidade excepcional”.

É preciso lembrar que o projeto da sede das Nações Unidas também teve a participação direta de outro grande artista brasileiro, o arquiteto Oscar Niemeyer, também membro do Partido Comunista que, junto a Le Corbusier, teve o projeto arquitetônico aprovado por uma comissão internacional de arquitetos dirigida por Wallace Harrison, em 1947.

Entre outros reconhecimentos por suas ações, Portinari recebeu, em 1950, a Medalha de Ouro da Paz, no II Congresso Mundial dos Partidários da Paz, em Varsóvia, na Polônia. Dois anos mais tarde, ele criou, para o Conselho Mundial da Paz, o cartaz A Paz vence a Guerra.

Para avaliar o papel que o pintor Cândido Portinari desempenhou em nosso país, podemos lembrar as palavras do poeta Carlos Drummond de Andrade, em carta dirigida ao artista por ocasião do sucesso de sua exposição em Paris, em 1946: “Foi em você que conseguimos a nossa expressão mais universal, e não apenas pela ressonância, mas pela natureza mesma de seu gênio criador, que ainda que permanecesse ignorado ou negado nos salvaria para o futuro”.

Pedro de Oliveira é jornalista e membro da comissão editorial de Princípios

•Inácio Arruda, senador pelo PCdoB do Ceará, sugeriu que o ano de 2007 seja, oficialmente, considerado o ano do cinquentenário dos painéis “Guerra e Paz”.

EDIÇÃO 92, OUT/NOV, 2007, PÁGINAS 38, 39, 40, 41, 42