O mundo quer paz
Princípios – Existem atualmente bases militares estadunidenses na Baía de Guantámo, Cuba; em Aruba, Curacao; Manta, Equador; Comapala, El Salvador; em Comayagua, Honduras; e no aeroporto Mariscal Estigarribia, Paraguai, concluído em 2000. Este quadro mostra que os tentáculos do Imperialismo estaduniense estão cravados na América Latina. Em sua avaliação qual a dimensão desse controle militar dos EUA no nosso continente?
Socorro Gomes – O governo paraguaio tem se colocado contra esse aeroporto. No Equador não haverá nenhum novo acordo para a base militar de Manta. Encerra-se no ano que vem. E o presidente Rafael Correa já negou qualquer possibilidade de continuação. De fato, a base militar de Guantánamo (Cuba), onde está a famosa prisão de Guantánamo, tem tido grande rejeição pelo mundo. O governo dos EUA coloca ali seus opositores, onde foram denunciadas torturas cruéis. A prisão é absolutamente fechada, os presos não têm julgamento. Essas atividades criminosas que os EUA fazem com essas bases têm como objetivo o controle e a intimidação.
Em termos globais, as bases estadunidenses da América Latina estão em menor número, sendo que os EUA têm em torno de 735 bases militares espalhadas pelo mundo, com porta-aviões, bombas nucleares etc. O objetivo é controlar mercados, regiões e, principalmente, saquear recursos naturais. Se observarmos bem, veremos que a maioria dessas bases está sobre recursos naturais. Lugares onde há petróleo, em regiões ricas do ponto de vista da biodiversidade, ricas em minérios nobres que servem a indústria de ponta, como América Latina e Oriente Médio. Resumindo numa frase: o objetivo dessa ação dos Estados Unidos é saquear os recursos naturais.
Princípios – A Quarta Frota Naval dos EUA foi criada em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, e desmantelada em 1950. Sobre sua reativação em 2008 há vários argumentos: ajuda humanitária, proteção do Caribe e Atlântico Sul, chegando até a alegar relações “potencialmente terroristas” entre Venezuela e Irã. É possível identificar quais setores e governos latino-americanos aderem a tais argumentos e apóiam a ação dos Estados Unidos?
Socorro Gomes – Pode-se dizer que a Colômbia por si só constitui-se em uma base estadunidense. Hoje a Colômbia é a ponta-de-lança dos EUA contra os povos e as nações da região. Funciona como Israel para o Oriente Médio.
Entretanto, a grande maioria dos países latino-americanos tem se posicionado contra. Os Estados Unidos sempre tiveram a América Latina como uma extensão do seu quintal. Aqui eles destruíram Estados, economias, impuseram, no período de 1950 aos anos de 1970, governos fascistas sob sua orientação, além de terem assassinado patriotas e opositores. De uns anos para cá isso mudou. Observamos haver uma tendência ao aprofundamento dessa mudança. O povo, as forças sociais, os movimentos populares têm fortalecido o caminho da independência. E, mais do que isso, eles têm levado ao poder governos que não apenas são independentes da política estadunidense, mas também se opõem ao seu sistema econômico que, por sinal, está em decadência. Além disso, esses governos buscam maior integração regional. Esta é uma forma de fortalecer a reação contra os EUA. É uma integração parceira, solidária, econômica, cultural, política etc.
Princípios – Qual a situação atual da 4ª Frota americana? Ela está navegando? Como ela tem agido?
Socorro Gomes – Pelo que sei ela estava para prestar ajuda humanitária no Haiti, mas nem sei que ajuda poderia ser essa. Ela está com um aparelhamento extremamente bélico, inclusive com bomba nuclear. Isso não é para ajuda humanitária. Isso dificulta a ajuda humanitária. Seu comandante, o contra-almirante Joseph Kernan, foi instrutor do Seal (grupo de elite da Marinha dos EUA – homens-rãs, treinados para a guerra, com capacidade de sabotagem e destruição) e participou de diversas operações secretas de guerra no Iraque e no Afeganistão. Seu perfil é de guerra. É claro que isso demonstra qual a verdadeira intenção dessa 4a Frota. Além disso, ela está preparada para entrar nos rios, no Amazonas, no Orenoco, no Rio Prata etc. Aí não são mais nem águas internacionais. Ou seja, dessa forma eles mostram a intenção de intervenção agressiva. Justamente nos rios caudalosos que temos nessas regiões e que dão acesso às regiões mais ricas. Isso é muito grave.
Princípios – No dia seguinte à confirmação da descoberta de grandes reservas de petróleo em camadas profundas do território brasileiro, George Bush reativou a 4ª Frota Naval, ou seja, reuniu navios e um porta-aviões nuclear e mandou para o Atlântico. Ao que parece, essa reativação está calcada na incansável busca por petróleo…
Socorro Gomes – Essa 4a Frota foi criada no período da Segunda Guerra Mundial, e foi desativada. Seu surgimento, depois de cinquenta anos – quando o continente como um todo muda de orientação política, levando ao poder governos progressistas –, é sintomático. Além da questão do petróleo, outras forças sociais e políticas assumiram o comando desses países e eles se colocaram numa posição de independência em relação ao império estadunidense. A reativação da 4a Frota se dá também justamente quando se cogita criar o Conselho de Defesa Comum na América Latina – um Conselho saído do tacão da OEA. Quando houve, por exemplo, a invasão do Equador pela Colômbia, associada aos EUA, todas as nações repudiaram. Quando a Bolívia é assediada pelos EUA, os demais países prestam-lhe solidariedade e defendem o governo constitucional de Evo Morales. Então, devemos nos ater com cuidado ao momento em que surge essa 4a Frota. Além disso, o Brasil acaba de descobrir o pré-sal. Os EUA não têm reservas de petróleo nem abundância de recursos naturais. Para suprir esta falta eles buscam conter o avanço dos povos e das nações.
O imperialismo tem um histórico de agressividade muito grande. Uma potente força destruidora. Ele não respeita nenhum tratado internacional. Sequer a ONU. Só mesmo a união dos povos e da nações pode detê-lo.
Princípios – Segundo o general Durval de Andrade Nery, coordenador do Cebres (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos), hoje não temos capacidade de impedir uma sabotagem nas nossas plataformas de petróleo porque as Forças Armadas brasileiras estão sucateadas e a única maneira de a Marinha dar segurança nas plataformas, ou na nossa costa, seria com um submarino nuclear. O que já foi feito no sentido de restabelecer o poderio militar brasileiro?
Socorro Gomes – Se temos capacidade de defesa isso é um processo. A primeira coisa é a consolidação de uma atitude firme dos povos, países e governos, a exemplo de Brasil, Venezuela, Cuba e Bolívia, que se posicionaram contra essa situação. Mas isso é um processo. Um alerta de que não vamos aceitar. Muitas vezes as batalhas são vencidas não por quem tem maior poder bélico. Também se vence do ponto de vista político. Claro, vamos sempre nos empenhar para que não haja guerra. Queremos defender nossos interesses, nossa soberania, mas, antes de tudo, queremos paz. Nisso os governos estão, em sua grande maioria, de comum acordo.
Claro, o governo tem de fortalecer seu aparato e o país tem de ter suas forças armadas. Nós não vivemos em um momento de paz no mundo, infelizmente. A meu ver, os governos também vão buscar defender suas fronteiras, águas e territórios.
Quando George Bush tomou posse ele chamou o presidente Lula para convocar o Brasil para a guerra do Iraque. Nessa ocasião nosso presidente declarou que a única guerra que iria travar seria contra a fome e a miséria. Lula tem demonstrado, a exemplo desta declaração, que quer paz, embora o imperialismo fique tentando criar uma cizânia na América Latina: Lula x Hugo Chávez, Lula x Evo Morales. Em todos os momentos o governo brasileiro tem procurado sentar à mesa, dialogar e buscar negociações justas. Isso é muito positivo.
Princípios – Como o Conselho Mundial da Paz tem se posicionado frente a essa situação?
Socorro Gomes – Reunimos recentemente o secretariado executivo e delineamos campanhas contra guerras e ocupações, contra as 735 bases militares oficiais e também contra a bomba nuclear. Estes são os eixos contra a OTAN, que é o braço armado nos Estados Unidos em várias partes do mundo. Ela tem um poderio muito grande na Europa, no Oriente Médio, no Cáucaso etc. Sobre a 4a Frota estamos preparando um seminário, pelo Cebrapaz, previsto para novembro, e a partir daí queremos criar uma campanha contra a 4a Frota. Estamos buscando apoio da CMS (Coordenação dos Movimentos Sociais) para lançar essa campanha nacionalmente. E no Fórum Social Mundial a idéia é lançá-la em âmbito internacional.
Um dia destes Fidel Castro disse que com a 4a Frota George Bush fecha o Globo militarmente. Claro, isso é para intimidar, mas ao mesmo tempo eles estão em decadência, nunca foram tão rejeitados no mundo. Hoje o povo tem noção de quem faz guerra, quem é a maior ameaça da paz. Por isso, vamos dar ênfase à luta contra a 4a Frota, que é um terrorismo de Estado.
Carolina Ruy é Secretária de redação de Princípios
EDIÇÃO 98, OUT/NOV, 2008, PÁGINAS 56, 57, 58