Na sala de espera
A clínica é enorme. Ali atendem vários profissionais de saúde. Contra-senso. Essa gente lida mesmo é com doença. Rosalinda urde o crochê paciente. Tem muitas queixas. A consulta estava marcada para as duas horas. Já são quatro e seu Esculápio ainda não deu sinal de vida. A mocinha uniformizada diz que o doutor vai atrasar um pouquinho. Desde que começou sua peregrinação pelos consultórios, sempre foi assim. Médico não cumpre horário. Ela conhece cada um. De todas as especialidades. No começo tinha umas dores no ventre, cutucadas debaixo das costelas, tonturas. Com o tempo foram descobrindo outras coisas. Tem o orgulho de contar aos outros impacientes que ninguém consegue ser mais doente. É campeã. Médicos e paramédicos, conhece todos. Nomes, especialidades, jeitos e trejeitos. Há um apressado. Abre a boca. Mostra a língua. Afere a pressão. Sem olhar a cara da lamuriante, senta-se ao computador e, em um minuto, saca uma lista de exame que mais parece ficha criminal de estelionatário. Há o mais calmo. Manda sentar. Pede uma ligação para a mulher, conversa sobre o filho rebelde, a filha que não dormiu em casa. Depois liga pra fazenda. Fala com o capataz. Diz que leva ração e vacina no fim da semana. Manda separar vinte bois para o matadouro. Enquanto isso, pergunta a Rosalinda como vai. Renova a receita. Mais remédios. Continuamos com esse. Vamos substituir este. É um produto novo. A literatura recomenda. Tem boas estatísticas de melhoras no quadro agudo. Poucos efeitos colaterais. Elogia tanto que a meizinha passa a ter até gosto, cheiro e sabor. Entrega o receituário. E Vai com Deus. Como ia dizendo, Rosalinda tornou-se uma esperta em enfermidades. Primeiro foi o clínico geral, que pediu alguns exames e a encaminhou para um ginecologista, que a mandou ao proctologista, que a enviou a um gastroenterologista, que a repassou ao psiquiatra, que a indicou ao neurologista, que a remeteu a um terapeuta de vidas passadas, porque em seu caso a doença não parecia coisa física, mas criação de sua mente infeliz. Depois de curtir horas e horas de análises, respiração alotrópica, massagens, regressões e tantas outras técnicas, Rosalinda não teve melhoras, mas passou a conhecer doentes e doenças. Tanto que fez muitas amizades e já completara várias dúzias de forros de crochê e caminhos de mesa. De vez em quando notava a ausência de alguém. Não vinha mais às consultas. Soube que morreu. Quando se finou os médicos já haviam diagnosticado mais de trinta enfermidades. Mas não morreu por causa dos incômodos, como disse o médico. Ela fez um AVC, depois fez um enfisema, daí fez infarto do miocárdio, fez ainda um coma e, finalmente, fez uma falência múltipla dos órgãos. Recebeu toda a atenção possível. Tinha os melhores diagnósticos. Tomou religiosamente toda a medicação. E só morreu porque era teimosa demais. E, em vez de se recuperar, pôs-se a fazer esses eventos críticos que não estavam ao alcance dos médicos, nem das medicinas, por isso precisou ir se consultar com Deus.