Já falei aos leitores do meu encanto pelas feiras-livres. Se bem que já não sejam tão livres. Explico. Nas feiras antigas como a da Vila Nova, Setor Pedro ou Campinas, as mercadorias chegavam dos sítios em carroças, velhas camionetes ou lombo de animais. Agora, a horta da maioria é na CEASA, onde os atravessadores se reúnem para receber produtos de grandes cultivadores e distribuir aos médios e pequenos revendedores espalhados pela cidade. Também ali se abastecem os feirantes. Chegam às bancas os produtos acondicionados da mesma maneira, em uma uniformidade que espanta qualquer surpresa. Em lugar da variedade primitiva de bananas – ourinho, roxa, santomé, goiabinha, nanica, três quinas, d’água e da terra – restaram 3 ou 4 tipos de insosso sabor igual. Nanicões, maçãs, pratas e de fritar, mais nada. Os tomates que conheci na infância com cores sabores e feições diversas viraram uns tais longa vida, duros, aguados e imperecíveis. E por aí vão pepinos, alfaces, quiabos, abobrinhas e toda a irmandade de folhas e legumes. A feira sempre foi o lugar para se buscar o costumeiro e evocativo frango de domingo, guariroba e, quando é tempo, pequi. Os frangos são os tais pintos inflados, à custa de rações, hormônios, antibióticos que os levam à degola ainda piando, aos 45 dias. Dizem, porém, que já baixaram o tempo de vida nas gaiolas. Um desses pálidos, com cara de enfermeira tresnoitada, já está com 2 quilos aos 37 dias. Caipira mesmo está difícil. Aprenderam a produzir os “melhorados” que empurram nos clientes como se fossem bichos da terra. Na verdade, resultam de experiências genéticas que aumentam o tamanho, agigantam e crescem mais rapidamente. Não deixam de ser primos bastardos dos branquelos das gaiolas. O certo é que nada vem mais das roças. Roceiro não planta mais essas coisas. Emprega-se como zelador de fazendas de nerole, tirador de leite. O que é melhor: alista-se num desses batalhões de sem-terra, mantidos pelo governo. Extintos os pequenos produtores, transformadas as terras vizinhas à cidade em áreas urbanas, cresce a especulação imobiliária, sobem os impostos, locupletam-se os espertos politiqueiros e as feiras vão virando nostalgia. Estão como gôndolas de supermercado, distinguindo pelos preços escorchantes que a farra dos passageiros do congresso, dos pedintes de cargos das câmaras municipais e assembléias não notam ou não querem ver. Aliás, estão aí exatamente para surfar na “marolinha” que esfola quem trabalha e empanzina os ociosos e sorridentes filhos de Proteus. Já nem se dão ao trabalho de disfarçar o confessado cinismo. Expõem as carantonhas já de olho nas próximas eleições engrossando a fauna hirúdica com seus rebentos, filhos, filhas, cunhados, mulheres, amantes, afilhados. Em comum têm a qualidade dos ofídios. Não precisam aprender a produzir, mamam a peçonha nos peitos das mães e nos testículos paternos. Já nascem com veneno escorrendo dos olhos, das mãos melífluas e dos lábios. Virulência sem antídoto, pelo menos até agora.
As feiras do mesmismo
Já falei aos leitores do meu encanto pelas feiras-livres. Se bem que já não sejam tão livres. Explico. Nas feiras antigas como a da Vila Nova, Setor Pedro ou Campinas, as mercadorias chegavam dos sítios em carroças, velhas camionetes ou lombo de animais. Agora, a horta da maioria é na CEASA, onde os atravessadores […]
POR: Aidenor Aires
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