As bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude, marcaram um período compreendido entre o fim da ditadura militar e a difícil recessão dos anos de 1980/90, utilizando tal contexto como matéria prima para suas poesias. Tal como os punks ingleses esses jovens expressavam uma realidade urbana e industrial, que combinava modernidade, avanço tecnológico, conflitos sociais e sentimento de exclusão.

Os integrantes destas bandas não nasceram em Brasília. Renato Russo, vocalista do Legião Urbana é carioca, Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, é de Curitiba e Philippe Seabra, do Plebe Rude, nasceu em Washington DC. Garotos de uma classe média “bem de vida”, filhos de funcionários públicos, bancários e diplomatas, quase todos mudaram-se com a família para a nova capital entre a infância e a adolescência. Foi lá, entretanto, no centro oeste brasileiro, que eles aconteceram.

O modo de vida urbano e o sentimento de injustiça social foram intensamente reforçados por estas bandas, não apenas nas letras mas nas batidas que lembram a produção industrial e o ritmo frenético das cidades.

O tédio, a busca de inserção social, a vida em pequenos apartamentos, os desencontros amorosos são temas recorrentes nas letras, e expressam um contexto marcado pelo individualismo e pela alienação. Na música Leve desespero, do Capital Inicial, por exemplo, ele diz:

Eu não consigo mais me concentrar
Eu vou tentar alguma coisa para melhorar
(…)
Eu não saio do meu canto
As paredes me impedem
Eu só queria me divertir

São palavras que falam sobre a falta de objetivos e sobre a angústia de uma situação imposta por um modelo de sociedade cada vez mais alienante.

Ao lado destes temas, questões políticas e sociais também são frequentemente abordadas por estas bandas. De todas a Plebe Rude foi a que mais insistiu em poesias de claro teor político/ideológico. Por exemplo, o refrão:

Com tanta riqueza por aí, onde é que está
Cadê sua fração?

Tornou-se um mantra irônico sobre a acentuda desigualdade social do Brasil na década 1980.
Mas foi nas mãos de Renato Russo, da Legião Urbana, que as contradições entre o avanço e o atraso e que o sentimento angustiante do individualismo exacerbado ganharam a melhor definição.

Em seus álbuns Legião Urbana, Dois, Que País É Este, As Quatro Estações e O Descobrimento do Brasil a banda transitou por assuntos pertinentes ao jovem povo brasileiro, traduzindo os sentimentos de multidões.

Mais do que isso, foi Renato Russo quem musicou e popularizou a epopéia de Brasília na canção Faroeste Caboclo, composta em 1979 e lançada oficialmente em 1987 no álbum Que País É Este.

Com 159 versos que não se repetem e duração de nove longos minutos é uma canção, no mínimo, ousada. Sua harmonia e o ritmo extremamente simples, no entanto, fizeram com que caísse na boca do povo.

A letra fala do nordestino João de Santo Cristo que sai de sua terra natal tornando-se uma espécie “pistoleiro” à brasileira, rumo ao oeste.

O título não deixa dúvida de que se trata do desbravamento e da construção de um território com os riscos e os erros inerentes à nova experiência, daí o Faroeste. Deixa claro também que se trata da “conquista do oeste” por um povo mestiço de branco, índio e negro, daí o Caboclo. Mote típido do povo americano colonizado pela costa leste, o tema conquista do oeste nos remete a uma terra sem-lei. Ou melhor, a uma terra em que a lei está sendo moldada.

A saga de Santo Cristo traz ao centro dos holofotes um homem rústico, sem apoio ou assistência, que sai pelo mundo à sua própria sorte.

Como se pode notar logo no início da melodia o personagem, vítima de preconceitos, deserta do inóspito sertão nordestino em busca dos centros urbanos:

Quando criança só pensava em ser bandido
Ainda mais quando com um tiro de soldado o pai morreu
(…)
Aos quinze foi mandado pro reformatório
Onde aumentou seu ódio diante de tanto terror
Não entendia como a vida funcionava
Descriminação por causa da sua classe e sua cor
Ficou cansado de tentar achar resposta
E comprou uma passagem foi direto a Salvador

Órfão de pai, ele vai à Salvador, e depois à Brasília. Nestes outros versos pode-se notar a admiração à exuberância moderna de Brasília e também uma referência ao Brasil rural:

E lá chegando foi tomar um cafezinho
E encontrou um boiadeiro com quem foi falar
E o boiadeiro tinha uma passagem
Ia perder a viagem, mas João foi lhe salvar:
Dizia ele – Estou indo pra Brasília
Nesse país lugar melhor não há
Tô precisando visitar a minha filha
Eu fico aqui e você vai no meu lugar
O João aceitou sua proposta
E num ônibus entrou no Planalto central
Ele ficou bestificado com a cidade
Saindo da rodoviária viu as luzes de natal

Logo na seqüência, o tráfico de drogas:
Um peruano que vivia na Bolívia
E muitas coisas trazia de lá
Seu nome era Pablo e ele dizia
Que um negócio ele ia começar
(…)
E o João de Santo Cristo ficou rico
E acabou com todos os traficantes dali

O papel da TV, pasteurizando a tragédia:
E Santo Cristo não sabia o que fazer
Quando viu o repórter da televisão
Que deu notícia do duelo na TV
Dizendo a hora o local e a razão
(…)
E olhou pro sorveteiro
E pras câmeras e a gente da TV filmava tudo ali
E se lembrou de quando era uma criança
E de tudo o que vivera até ali
E decidiu entrar de vez naquela dança
– Se a via-crucis virou circo, estou aqui

No fim a redenção e a criação de um mártir:

O povo declarava que João de Santo Cristo
Era santo porque sabia morrer
E a alta burguesia da cidade não acreditou na história
Que eles viram da TV
E João não conseguiu o que queria
Quando veio pra Brasília com o diabo ter
Ele queria era falar com o presidente
Pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer!

Enfim, é uma história que passa pela migração, por contrastes sociais, pela convivência entre o Brasil rural e o Brasil urbano, pelo desvirtuamento do ímpeto de uma juventude sem perspectiva e pela formação do crime organizado, pelo descaso das elites econômicas. Passa também pela pujança que adquiriu o centro oeste, pela consolidação da imponência de Brasília e pelo crescimento de uma nova e conflituosa modernidade.

Faroeste Caboclo ajudou a elevar as bandas de Brasília ao status de um fenômeno cultural brasileiro. Bandas que, a partir do exemplo da vida em Brasília, nos ajudam a compreender melhor o sentimento que havia no Brasil durante as chamadas décadas perdidas (1980 e 90).

Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude, além de outros artistas que vieram em suas esteiras, como Cássia Eller, Raimundos, Natiruts e o rapper GOG, ajudaram a definir a identidade da nova capital e fazem parte da história dos 50 anos de Brasília.