Mas, mesmo realizadas em local devotado ao culto da religião católica, após uma missa e a benção do pároco, as eleições foram marcadas pela fraude e pela violência, ao longo do século XIX, como registrou o deputado conservador Francisco Belisário Soares de Souza, no livro “O Sistema Eleitoral do Império”, que se tornou um clássico.

O processo indireto, em dois turnos, estabelecido pela primeira lei eleitoral, para a escolha de 100 deputados constituintes, foi estendido até 1881, às vésperas da proclamação da República. Nas eleições primárias, com a ingerência dos mandões locais – grandes proprietários de terra, comerciantes etc – eram escolhidos os eleitores de primeiro grau. A estes, cabia eleger os eleitores de paróquia, que, enfim, escolhiam os deputados e os senadores. No caso destes últimos, após 1824, entre os três mais votados, o imperador escolhia um nome para o cargo, que era vitalício.

Votavam homens com idade mínima de 25 anos; oficiais militares e casados, a partir de 21 anos e clérigos e bacharéis de qualquer idade. Mulheres e escravos não podiam votar. Libertos votavam nas eleições de primeiro grau. Exigia-se uma renda de 100 mil réis por ano para ser eleitor de primeiro grau e 200 mil réis, de segundo grau. Em 1846, esses valores passaram a 200 mil e 400 mil, respectivamente.

Cabalistas e fósforos

Violência e fraude marcaram o processo eleitoral do Império. “Apesar dos requisitos estabelecidos na Constituição (1824) para poder o cidadão votar nas eleições primárias, nenhuma autoridade as examinava e reconhecia previamente. A vozeria, o alarido, o tumulto, quando não murros e cacetadas, decidiam o direito de voto dos cidadãos que compareciam”, conta Belisário no livro . Tudo isso, frise-se, dentro da Igreja.

Alguns personagens assumiam papel estratégico, fraudando o resultado das eleições. Os cabalistas, que incluíam e excluíam nomes de pessoas das listas de qualificação de eleitores, a serviço dos mandões. “Numa freguesia de mil ou mil e tantos votantes, as novas inclusões contam-se por centenas, de modo que a alteração da lista dos qualificados excede às vezes a mais da metade do número total dos votantes (…). Os requisitos vagos, indeterminados de idoneidade para a qualificação dos votantes tais como exige a lei e têm sido entendidos, são uma fonte perene de abusos pelas inclusões e exclusões de turbas inúmeras e desconhecidas, as quais por si só alteram todas as condições normais e estáveis dos partidos nas localidades”, segundo Belisário.

O fósforo foi outro personagem importante no processo. Eles votavam em lugar de eleitores qualificados que, por algum motivo, inclusive morte, não podiam votar. “Os cabalistas sabem que F. qualificado morreu, mudou de freguesia, está enfermo; em suma, não vai votar: o fósforo se apresenta. É mui vulgar que, não acudindo à chamada um cidadão qualificado, não menos de dois fósforos se apresentem para substituí-lo, cada qual cabe melhores provas de sua identidade, cada qual tem maior partido e vozeria para sustentá-lo em sua pretensão”, mais uma vez Belisário.

“Bico de Pena”

Quando as eleições primárias não eram disputadas e as igrejas ficavam desertas, percorria-se “os arredores da matriz” e, de última hora, convocavam-se pessoas para votar pelos eleitores ausentes ou colocavam-se na urna cédulas preenchidas pelos integrantes da mesa eleitoral, lavrando-se uma ata para dar aparência de legalidade ao processo. Eram as eleições a “bico de pena”.

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Rosane Soares Santana é jornalista, com mestrado em História pela UFBA. Estuda o Poder Legislativo, elites políticas e eleições no Brasil.

Fonte: Terra Magazine